Meu caro Neurônio,
Reza o dito popular que "QUEM TEM CU TEM MEDO".´
Faz sentido, uma vez que o cu na reta, sujeito a estocadas, sempre causa um frio na barriga, dada a possibilidade de esgarçamento e eventual perda total das pregas, que seguradora nenhuma tem condições de indenizar, restando apenas consolar-se com os danos morais.
Inobstante o natural medo que o cu apresenta frente a um objeto cilíndrico, é não menos verdade que "QUEM É CUZÃO TEM MEDO", pouco importando o diâmetro do canal de couro.
Quando se trata de ditaduras, é inevitável que alguém, na defesa de seus ideais, ponha seu amado anel de couro na reta, mesmo que sujeito a um empalamento no pau-de-arara, nos DOI-CODIs da vida. Existem soldados de vários tipos. Há aqueles que combatem de peito aberto, sujeitando-se a ser metralhado e há também aqueles que combatem com outras armas, seja negociando, seja articulando, ou mesmo conscientizando.
As ditaduras julgam-se sempre eternas, mas felizmente são passageiras. Desgraçadamente, as ditaduras que invariavelmente se afirmam defensoras dos interesses do povo, nada mais querem que o maior tempo possível para faturar o que possam e, terminado seu ciclo, pela força ou pelo curso natural dos acontecimentos, outro poder se impõe, bom ou ruim, tudo depende das reações.
Nestes pouco mais de 40 anos que já vivi, tive a oportunidade de ver muitas ditaduras. A ditadura militar, a ditadura patriarcal, a ditadura no futebol, a ditadura dos reitores, a ditadura dos chefetes de repartições públicas e a ditadura de centenas de pessoas que se aproveitam dos esforços de terceiros para ganhar dinheiro, ainda que ocultando essa intenção.
Nélson Rodrigues, do alto de sua sabedoria, foi considerado reacionário, porque alguns acreditavam que ele apoiava o regime militar. Foi ainda considerado promíscuo, porque muitos não conseguiam enxergar o óbvio, a feroz crítica de costumes em suas peças, crônicas e livros. Nem reacionário, nem promíscuo. Se você tiver a oportunidade de ler "A cabra vadia", uma coletânea de crônicas escritas durante o ano de 1968, observará o visionário, a clarevidência de quem enxergava além de seu tempo e das convenções. Criticava a sociedade, o poder constituído e também os comunistas ridículos, simbolizados na figura do "padre de passeata".
Você me pergunta se é muito cu. Creio que não há excesso de cus. O que há é excesso de merda. Merda de direita e merda de esquerda. Já diziam os romanos que "virtus in midium est". Todos são capazes de defender apaixonadamente seus pontos de vista, sejam ideais ou econômicos e quem ouve cada um dos lados de um confronto, é capaz de colocar-se ao lado de um deles incondicionalmente, sem perceber que não passa de "massa de manobra" daqueles que pretendem dominar.
Não há excesso de cus, há excesso de cuzões. De direita e de esquerda, seja lá o que for esquerda ou direita.
Se quer saber, isto me lembra muito o final do livro "A Revolução dos Bichos", de George Orwell, em que os animais da fazenda olham pela janela e dentro da casa, confraternizando com os humanos, estão os porcos, andando em duas patas, bebendo e fumando, de uma forma que fica difícil perceber quem são os porcos e quem são os humanos.
Não sou dado a verdades absolutas, muito menos quando não consigo identificar claramente onde elas estão. Um cu pode proporcionar asco e prazer, assim como uma buceta ou mesmo uma boca. Augusto dos Anjos escreveu em "Versos ìntimos":
"O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja."
Quem sabe a sabedoria não está no meio? Tente levantar o seu pescoço para poder observar melhor e enquanto isso preserve o su cu. É possível protegê-lo sem ser cuzão. Ninguém é obrigado a sujeitar-se ao pau-de-arara, principalmente quando os ideais em voga não são bem claros, manifestamente utópicos. Mas, ao mesmo tempo, defenda-se dos interesses duvidosos.
Lembre-se ainda, que até hoje não conheci armas melhores contra as ditaduras que as metáforas.