SEDUÇÃO: ESSE ESTRANHO PODER
lan@
E aqui estou novamente, tentando traduzir em palavras coisas que - por natureza - são apenas para serem sentidas. A escolha desse tema deve-se ao fato... Se podemos colocar assim... De que sou apaixonada pela sedução... E pelo poder que dela nasce.
Desde que comecei a circular pelo meio BDSM, tenho tido a oportunidade de conhecer pessoas que têm esse poder à flor da pele. Isso não quer dizer que nunca tenha conhecido outras pessoas sedutoras, mas Dominadores e Dommes - essas personalidades fascinantes -, de um modo ou de outro, exercem o poder de sedução com absoluta naturalidade.
Desde logo devo informar que não é nada fácil discorrer sobre esse tema - muito mais fácil é sentir, obviamente.
O poder de sedução, por via de regra, vai evocar três outros conceitos, um pouco complicados pela sua profundidade: carisma, paixão e desejo.
Se formos analisar o carisma filosoficamente, como Weber o concebeu, vamos cair no conceito político dessa qualidade. E não é isso que nos interessa... Fiquemos pois com a descrição do dicionário (e aqui também vamos nos ater, apenas à segunda descrição, visto a primeira dar conta de dons espirituais) : Individualidade notória; caráter mágico; magnetismo pessoal.
O conceito de paixão é ainda mais complicado. Livros e livros, textos e textos já foram escritos, tentando descrever esse sentimento que ainda é um mistério. Marilena Chauí descreve o medo como uma paixão. Renato Janine Ribeiro diz que a honra é uma paixão. Renato Mezan descreve a inveja como uma paixão. Paulo Leminski acreditava que a poesia é a paixão da linguagem. Qualquer um de nós é capaz de descrever o que é uma paixão (já tivemos tantas...). Voltemos ao velho dicionário, que, entre outras coisas, assinala: afeto excessivo; atração muito viva que se sente por alguma coisa; arrebatamento; cólera; mágoa; inclinação de um sexo pelo outro; alucinação; sofrimento prolongado; etc.
Aqui, nesse texto, vamos usar a paixão no sentido de "atração muito viva que se sente por alguma coisa".
Numa primeira e apressada conclusão: a pessoa que tem carisma desperta em nós, pobres mortais (= submissas) uma atração muito viva.
Dessa paixão, dessa atração nasce o desejo.
Filosoficamente, o desejo também não é um conceito fácil. Vários textos, vários artigos, várias opiniões de amigos para não chegar a nenhuma conclusão definitiva. Apenas uma premissa básica: o que provoca o desejo é o olhar. "O ver abre todo espaço ao desejo". Aqui, encontrei a única definição da psicanálise que vem ao encontro do que sinto em relação ao poder de sedução. Está dentro do conceito psicanalítico de narcisismo a diferenciação entre "observar" e "ver":
- A observação constata.
- Ver gera sonhos, esperança, imaginação, arte.
- Sem visão, a observação só registra.
- Sem observação, a visão ilude.
Numa segunda conclusão: a pessoa que tem carisma desperta em nós uma atração muito viva e isso vai nos levar ao desejo. Aqui, esse desejo vai ser simplificado no fato de que nosso "olhar" vai se prender ao sedutor.
Independente de todos os conceitos que poderíamos listar aqui, o que vale realmente é o que se sente quando em face de um(a) sedutor(a).
Como explicar o que faz com que voltemos nossos olhos quando um deles chega no recinto? Nesse caso, os conceitos literários pouco ajudam. Tive oportunidade de "ver" e "observar" isso num lugar onde estavam reunidos vários Dominadores/ Dommes. Não se trata de atração sexual (embora também não se descarte a possibilidade) , também não se trata de conceito estético satisfeito. Segundo Danna (num mail enviado para mim):
"seja feio ou bonito, corpo escultural ou não... é uma força que eles têm no olhar, no jeito de falar, no jeito de nos tocar, de nos pegar, na maneira de teclar, sedução é mistério que envolve, é algo que está escondido, mas que te puxa fortemente e você não sabe o que é, e isso nos atrai mais e mais, é um imã... parece que existe uma aura os envolvendo, sente-se a energia que emana deles."
Concordo plenamente com a descrição dela e acrescento que, quando nos encontramos com um(a) Dominador/Domme, mesmo não sendo ele/ela nosso Dono/Dona, não somos imunes ao seu poder de sedução. Isso é fácil perceber no chat, em conversas aparentemente superficiais. Um Dominador relativamente conhecido (ou não) entra na sala. Mesmo que não o conheçamos pessoalmente, somos capazes de pressentir seu poder de sedução, na sua maneira de teclar, de se dirigir às pessoas, etc. Mesmo os mais brincalhões (sem citar nomes, certo?) que, num primeiro momento, parecem alheios a essas considerações. É natural num Dominador ou numa Domme esse magnetismo, essa notoriedade. Ainda que alguns discutam esse "natural".
Um amigo, que é Mestre, me disse que esse poder de sedução a que me refiro, serve ao Dominador para que a escolha da submissa por quem ele se interessou, recaia sobre ele. Nesse caso concluiríamos que o Dominador não escolhe... É escolhido. Aqui entra o contexto social da escolha (referido por Danna... again). Experimentamos, das mais diversas maneiras, o poder de sedução de todos os Dominadores, mas elegemos o nosso Dono por alguns motivos específicos: altivez, respeitabilidade, confiança, inteligência, sutilezas, educação, perspicácia, sensualidade, convicção, generosidade, equilíbrio... Atributos que eles são capazes de personificar sem esforço algum.
Num relato publicado no site do Desejo Secreto, Cadella assim se expressa: "Senti teus olhos me engolindo... fortes... incisivos... ".
Para nossa amiga Estrela-do-mar é encantamento, feitiçaria...
Esse poder (quase uma provocação), que num primeiro momento nos seduz, é o mesmo poder que depois vai fazer com que sejamos encontradas aos pés desse homem ou dessa mulher: "É o jogo da caça e do caçador... a gente foge (louca pra ser pega), eles correm atrás, sabendo que depois farão o que quiserem de nós.... acredito que tenhamos que nos manter sempre caça, mesmo quando a relação já está consolidada, é necessário se manter o jogo ATIVO." (Danna)
O magnetismo inerente ao Dominador é aquele que faz com que a gente se sinta, por vezes, confusa e atrapalhada. Algumas vezes nos sentimos hipnotizadas apenas com o seu olhar. Olhar esse que não assegura nada, apenas sugere. Que, ao mesmo tempo em que despoja nossa alma, também nos coloca no chão firme; lembrando-nos da nossa condição de criaturas de carne, ossos e desejos. Noutras vezes, pode ser a voz que nos arrebata para caminhos desconhecidos; porém, sempre iluminados pela sua presença, sempre aquecidos pelo seu toque, sempre perfumados pelo seu refinamento, sempre repleto de prazeres provocados pela sua sensualidade.
É esse poder que nos faz, ao seu capricho, chorar de dor e prazer; nos torna menina e mulher; nos qualifica de santa e de puta; nos provoca medo e nos dá coragem para desafiar limites; nos submete, humilha e quer orgulho na nossa submissão... Sem que nunca... Em momento algum... Se possa dizer onde começa e onde termina cada um desses opostos.
Para isso nos servem um pouco as teorias. Para que, conhecendo melhor os conceitos, nunca sejamos capazes de evitar esse jogo. Que sejamos, antes, capazes de nos entregar a ele (ao jogo) sem restrições. Conseguindo agir assim, poderemos nos entregar a ele (o eleito) incondicionalmente; gozando de todos os requintes a que uma relação BDSM pode chegar.
Para terminar, um poema enviado por Danna (lógico!!!), onde fica claro, mais uma vez, como nos sentimos quando envoltas nesse poder de sedução...
"Dança o pássaro entre a fumaça do narguilé.
Embriaga meu peito com seu ritmo em transe.
Vai e volta, curto e vibrante com seus
movimentos circulares que inundam o meu ser.
Dominada por sua dança, mas sem desvelar
seus mistérios, me sinto passiva, livre de
minhas vontades.
Imóvel.
Como o fogo, o mais imaterial dos quatro
elementos, não posso tocá-lo, mas sei que sua
presença é real.
Reluz como o ouro dos templos em um ritual
de força e graça, que faz estremecer o mais
puro dos mortais.
Transe e êxtase.
Quem eu sou agora?
Não sei mais de mim, longe do meu mundo e
dentro do seu..."
22/05/01 - tarde fria em Curitiba