Tornar-se Sádico, Tornar-se Masoquista.
"O contrato masoquista não expressa somente a necessidade do consentimento da vítima, mas também o dom de persuasão, o esforço pedagógico e jurídico pelo qual a vítima educa seu carrasco." (Gilles Deleuze)
Algo sucumbe no masoquismo. Que será? Qual será? Quem será? Ante a assertiva lacônica e a tríade questionadora eis que passeio por estas linhas, visitando a úmida alcova por onde Sacher-Masoch circulou outrora.
Recorro a cena pictórica. Está ela, ninfa, virgem oracular, medusa mortal, sim está ela, entidade feminina, prostrada no leito, que ora se faz templo dionisíaco, ora interlúdio de um sem fim de sensações.
Panos brancos sobre a cama circular, que fazia-se moldura perfeita, tal qual as mais perfeitas circularidades pitagóricas. Pele branca dela sobre o alvo ninho, como se os brancos se misturassem em mimetismo camaleônico.
Ao algoz que se aproxima a visão lhe traz dúvida: que será? Néctar ou fel? Oblação ou artifício de sedução. Arriscar ou não?
Para além da aparência lânguila, dos olhos profundos e dilascerantes, há alguma coisa que comove, que faz suspirar, não um suspiro ordinário, mas aquele que sai pelos poros de um predador ante a presa.
No primeiro ato parece que o universo tomou conta da cenografia, há a patena, há a oferta e há aquele que a consumirá. Não pode ser o servo maior que seu senhor, não pode ser a oferta maior que aquele que a consumirá. Será?
Desenvolve-se imediatamente uma estranha mutualidade, dominada e dominador, sem que se possa saber qual é a vítima e qual é o algoz.
Por um lado a suposta vítima consente, mas ao fazê-lo demonstra todo seu lugar de poder. Afinal é vítima porque assim se fez. Se existe um algoz é porque ela o criara, ela o autorizara a tanto.
Em outra ótica a vítima somente subsiste na presença de seu carrasco. Não há vitimização sem o falo do carrasco.
Está deitada, estendida tal qual o enigmático pentagrama, como que pedinto para que ponta algum de seu corpo saísse incólume. Atendida prontamente fizera-se inerte, envolta pelos grilhões que lhe tivaram todo movimento aparente.
Todavia mesmo estática permanecia circulando, seja pelos seus cheiros que pairavam, seja pelos seus gosto que nitidamente já lhe vertia numa umidade inebriante ou ainda pelos olhos que não paravam de convidar.
Aparentemente subjugada pelo falo do algoz tal deusa mitológica, filha de Masoc, faz-se fera devoradora, voraz das viscosidades fálicas. Entrega-se mas ao mesmo tempo consome. É saboreada, indefesa, mas saboreia de forma indefensável.
Não são os grilhões de fato que lhe aprisionam, mas os grilhões hipnóticos de seu olhar que por vezes jogam o carrasco no cárcere da luxúria. Quisera ele poder parar, quiçá pudera, mas não conseguira.
Percebendo que toda força da dominada aparentemente residia nos seus olhos de medusa, optara por aprisioná-la em decúbito ventral.
Numa voracidade canina o algoz então se insere nas profundezas da vítima, tal qual Dante que visitara o inferno. Percebe que a ritmo emerge da interação luxuriosa de seus corpos, agora não interpelado pelos olhares fulminantes dela.
As carnes da vítima ficam ora trêmulas, ora rijas, numa mistura de sensações indescritível. Parecia então que agora havia algum controle necessário naquela dominação. Parecia que de fato dominador era o algoz, dominada era a vítima.
Todavia a vítima, em sua posição de entrega sabia perfeitamente controlar o ritmo com que era golpeada e isso lhe dava um poder ímpar que subjugar seu carrasco.
Ora, percebendo-se em vias de sucumbir o algoz opta por suforcar qualquer suspiro da vítima, qualquer ar que lhe entre, qualquer ar que lhe saia. Num ímpeto malicioso a vítima se faz masoquista e demonstra enorme prazer em perder o ar.
De ninfa à masoquista ela transita, entre os dedos de pressão de seu algoz, desde a claridade do dia, até a noite da morte. Quando está prestes a sucumbir à noite é desperta por um pouco mais de sangue que lhe chega ao juízo ou por um golpe que lhe aprofunda nas entranhas.
Tudo é tão luxurioso e repleto de sensações novas que a vítima então entrega-se por completo num gozo inenarrável.
Tal qual a mulher de Ló, ela, ainda em decúbito, olha para trás e põe fim à súplica de seu carrasco. Transformam-se ambos não em sal como na velha Sodoma, mas misturam-se em seus suores salgados, sobre a patena, sobre o pentagrama, conectados nos grilhões que criaram por meio do gozo.
Algo sucumbe no masoquismo.
Parece ser a idéia de que há um dominado, um dominador.
Ambos sucumbem, algoz e vítima.
Sucumbem para que algo de novo possa existir, não uma coisa estática, onde cada um assume papéis em espécie de teatro, mas um constante tornar-se sádico, tornar-se masoquista, tornar-se sádico, tornar-se masoquista...
"O contrato masoquista não expressa somente a necessidade do consentimento da vítima, mas também o dom de persuasão, o esforço pedagógico e jurídico pelo qual a vítima educa seu carrasco." (Gilles Deleuze)
Algo sucumbe no masoquismo. Que será? Qual será? Quem será? Ante a assertiva lacônica e a tríade questionadora eis que passeio por estas linhas, visitando a úmida alcova por onde Sacher-Masoch circulou outrora.
Recorro a cena pictórica. Está ela, ninfa, virgem oracular, medusa mortal, sim está ela, entidade feminina, prostrada no leito, que ora se faz templo dionisíaco, ora interlúdio de um sem fim de sensações.
Panos brancos sobre a cama circular, que fazia-se moldura perfeita, tal qual as mais perfeitas circularidades pitagóricas. Pele branca dela sobre o alvo ninho, como se os brancos se misturassem em mimetismo camaleônico.
Ao algoz que se aproxima a visão lhe traz dúvida: que será? Néctar ou fel? Oblação ou artifício de sedução. Arriscar ou não?
Para além da aparência lânguila, dos olhos profundos e dilascerantes, há alguma coisa que comove, que faz suspirar, não um suspiro ordinário, mas aquele que sai pelos poros de um predador ante a presa.
No primeiro ato parece que o universo tomou conta da cenografia, há a patena, há a oferta e há aquele que a consumirá. Não pode ser o servo maior que seu senhor, não pode ser a oferta maior que aquele que a consumirá. Será?
Desenvolve-se imediatamente uma estranha mutualidade, dominada e dominador, sem que se possa saber qual é a vítima e qual é o algoz.
Por um lado a suposta vítima consente, mas ao fazê-lo demonstra todo seu lugar de poder. Afinal é vítima porque assim se fez. Se existe um algoz é porque ela o criara, ela o autorizara a tanto.
Em outra ótica a vítima somente subsiste na presença de seu carrasco. Não há vitimização sem o falo do carrasco.
Está deitada, estendida tal qual o enigmático pentagrama, como que pedinto para que ponta algum de seu corpo saísse incólume. Atendida prontamente fizera-se inerte, envolta pelos grilhões que lhe tivaram todo movimento aparente.
Todavia mesmo estática permanecia circulando, seja pelos seus cheiros que pairavam, seja pelos seus gosto que nitidamente já lhe vertia numa umidade inebriante ou ainda pelos olhos que não paravam de convidar.
Aparentemente subjugada pelo falo do algoz tal deusa mitológica, filha de Masoc, faz-se fera devoradora, voraz das viscosidades fálicas. Entrega-se mas ao mesmo tempo consome. É saboreada, indefesa, mas saboreia de forma indefensável.
Não são os grilhões de fato que lhe aprisionam, mas os grilhões hipnóticos de seu olhar que por vezes jogam o carrasco no cárcere da luxúria. Quisera ele poder parar, quiçá pudera, mas não conseguira.
Percebendo que toda força da dominada aparentemente residia nos seus olhos de medusa, optara por aprisioná-la em decúbito ventral.
Numa voracidade canina o algoz então se insere nas profundezas da vítima, tal qual Dante que visitara o inferno. Percebe que a ritmo emerge da interação luxuriosa de seus corpos, agora não interpelado pelos olhares fulminantes dela.
As carnes da vítima ficam ora trêmulas, ora rijas, numa mistura de sensações indescritível. Parecia então que agora havia algum controle necessário naquela dominação. Parecia que de fato dominador era o algoz, dominada era a vítima.
Todavia a vítima, em sua posição de entrega sabia perfeitamente controlar o ritmo com que era golpeada e isso lhe dava um poder ímpar que subjugar seu carrasco.
Ora, percebendo-se em vias de sucumbir o algoz opta por suforcar qualquer suspiro da vítima, qualquer ar que lhe entre, qualquer ar que lhe saia. Num ímpeto malicioso a vítima se faz masoquista e demonstra enorme prazer em perder o ar.
De ninfa à masoquista ela transita, entre os dedos de pressão de seu algoz, desde a claridade do dia, até a noite da morte. Quando está prestes a sucumbir à noite é desperta por um pouco mais de sangue que lhe chega ao juízo ou por um golpe que lhe aprofunda nas entranhas.
Tudo é tão luxurioso e repleto de sensações novas que a vítima então entrega-se por completo num gozo inenarrável.
Tal qual a mulher de Ló, ela, ainda em decúbito, olha para trás e põe fim à súplica de seu carrasco. Transformam-se ambos não em sal como na velha Sodoma, mas misturam-se em seus suores salgados, sobre a patena, sobre o pentagrama, conectados nos grilhões que criaram por meio do gozo.
Algo sucumbe no masoquismo.
Parece ser a idéia de que há um dominado, um dominador.
Ambos sucumbem, algoz e vítima.
Sucumbem para que algo de novo possa existir, não uma coisa estática, onde cada um assume papéis em espécie de teatro, mas um constante tornar-se sádico, tornar-se masoquista, tornar-se sádico, tornar-se masoquista...