Costumam me perguntar como um Professor, de formação avançada, pode se sentir bem dirigindo um táxi pelas noites do Rio. Eu poderia responder a questão invertendo os fatores, perguntando como um taxista pode se sentir feliz atuando como Professor durante o dia. Mas o que realmente ocorre quando me fazem essa interrogação é que sou remetido ao final da minha adolescência, no início dos anos 80. Lembro-me de estar sozinho, sentado numa das poltronas do Cinema Carioca, na Saenz Peña, assistindo ao filme “Caçadores da Arca Perdida” e desejando que a minha existência se tornasse um grande baú de aventuras que me salvasse do tédio urbano.
Aos 40 anos, comprando um táxi quase como quem compra um brinquedo, eu me tornaria o meu próprio herói...
Visto meu uniforme para a noite, calça e blusa nos invariáveis tons escuros; aciono o motor do Astra; ligo o rádio; acelero lentamente e mergulho no asfalto...
Uma Idosa acena, eu paro, ela entra no carro e informa que o seu destino seria o Caju. Durante o caminho, a anciã se revela uma déspota rabugenta, só me chama de Sr., me maltrata, reclama o tempo inteiro da minha falta de conhecimento sobre a região portuária, cheguei a pensar que fosse desistir da corrida, cheguei a ter essa esperança, mas ela parecia determinada a me infernizar. Quando, finalmente, alcançamos o paradeiro da Velha, ela salta do carro, me olha nos olhos e me manda comprar um Guia Rex. Tive vontade de chutar aquela Velhinha, senti um calor de raiva na face, mas sou um pacifista, fui criado na filosofia do respeito aos mais velhos, eu me contive.
Retornando pelo mesmo caminho por onde cheguei, tal qual Teseu fugindo do Labirinto de Minotauro, eu avistei o inusitado... Um grupo de garotas, vestidas em cores vivas, conversavam animadas em frente à entrada do Memorial do Carmo, um dos Cemitérios do Caju. Uma delas se precipitou para a beira da calçada quando viu meu táxi se aproximando em velocidade de cruzeiro. Começando a desconfiar do que se travava, fui freando o veículo até a que a menina já estava debruçada sobre a janela do carona e se apresentando como Gisa.
Um ponto de Mariposas em frente ao cemitério! Quando eu poderia imaginar isso se o meu carro amarelo não houvesse me levado pelos descaminhos da nossa cidade?...
Gisa é uma ruiva muito branquinha, em frente ao cemitério poderia facilmente ser confundida com um Poltergeist, mas é uma mulher de carne e osso, com um jeito atrevido e um toque sensual. Deve alcançar 1,70m; pernas bem torneadas, expostas por um vestido curto e estampado num azul e verde ofuscante; sua voz tem uma rouquidão sexy; seus cabelos são compridos, pintados num vermelho forte.
Sua primeira frase ao falar comigo não negava o ofício.
- Vai namorar com a Gisa hoje? – Pergunta.
- Depende! A Gisa é uma namorada carinhosa? – Devolvo.
- Sou a mais carinhosa daqui.
- Gisa, encontrar uma mulher carinhosa dando sopa na porta do Cemitério do Caju é quase como esbarrar com Lázaro fazendo um Cooper aqui pelas redondezas. É um evento! Mas quanto preciso dar pelo carinho?
- No motel, R$ 30,00. Só o boquete, R$ 15,00.
Não sei o porquê, mas sempre considerei a palavra “boquete” um vocábulo feio, com uma carga de vulgaridade muito grande. Ouvir uma mulher falar “boquete” é algo broxante pra mim, mas sentir uma mulher me fazendo um bom “boquete” é um sonho para qualquer homem... Contradições da nossa alma!...
- Aonde poderíamos ir se eu quiser só o boquete? – Questiono.
- Tem a garagem de uma Marmoraria ali atrás, é perto e ninguém incomoda. – Ela me esclarece.
Optei pelo boquete!...
A tal garagem era um recuado em terra batida, ao lado de um pequeno galpão e logo após o Cemitério do Caju, um lugar penumbroso que poderia causar temor aos corações mais frágeis. Estaciono o amarelinho e deixo a lanterna do farol acessa para que eu pudesse enxergar alguma coisa.
Gisa é dessas que não perde tempo, afrouxou meu cinto, desfez o nó dos meus botões, puxou minha calça para baixo, deixou cair a cabeça sobre a minha virilha e encaixou seus lábios numa deliciosa sucção sexual que envolveu todo o meu membro. A garota é boa no que faz, senti a eletricidade do tesão me percorrer inteiro, relaxei!... Confesso que a chupada era gelada, o que fez o clima fantasmagórico crescer na minha imaginação, mas preferi creditar o toque da língua fria a alguma bala Halls que a menina estivesse trazendo na boca.
Quando olho para o meu lado esquerdo, vejo uma lápide, apoiada numa parede, atrás de uma grade, com a inscrição “miserere mei” (Tende compaixão de mim) gravada na extremidade superior. Sim, meu amigo, aquilo me causou algum desconforto, mas o prazer suporta a maior parte dos incômodos.
Gisa continuava a me sugar como uma Vampira Erótica que necessitava despertar meu sêmen, para todos os lados que eu olhava só conseguia ver Cruzes e Anjos erguendo-se para o céu. Senti que a minha explosão estava próxima... Gozei!... Foi um Orgasmo Barroco, cercado de todos os símbolos religiosos que habitam um Cemitério tradicional.
Quando abro os olhos, me recuperando do beijo fálico, consigo ler outra inscrição no alto de um Jazigo que praticamente saltava pelo muro do cemitério: “Mors ultima ratio” (Morte, o derradeiro argumento).
Abandonamos a toca sombria, eu com os membros aliviados e a mente extasiada. Recordei-me do trecho de um Poema que li quando ainda era muito jovem: O Noivado do Sepulcro.
“E ao som dos pios do cantor funéreo,
E à luz da lua de sinistro alvor,
Junto ao cruzeiro, sepulcral mistério
Foi celebrado, d'infeliz amor.
Quando risonho despontava o dia,
Já desse drama nada havia então,
Mais que uma tumba funeral vazia,
Quebrada a lousa por ignota mão.
Porém, mais tarde, quando foi volvido
Das sepulturas o gelado pó,
Dois esqueletos, um ao outro unido,
Foram achados num sepulcro só.”
Muito além da meia-noite, deixei a Gisa no mesmo lugar em que a encontrei, em frente à entrada do Memorial do Carmo, aproveitei para perguntar se merecia o esforço fazer ponto ali, ela me explicou que aquela região é parada de Caminhoneiros e, por isso, as meninas se concentram nos arredores do Cemitério. A elucidação comprovou que para tudo existe uma razão científica.
Acelero o Astra e ainda consigo identificar uma última inscrição que emerge sobre uma cruz, acima do muro do campo-santo: “Dormit in Pace” (Descanse em Paz).
Ligo o rádio, o som está alto, ganho a Av. Brasil ao som da batida de um refrão de música estrangeira...
Set me free!...
Obs: Acredito que a partir dessa descoberta de última hora, além da Área Trash, precisaremos criar a Área Fúnebre.