UOL - 14/06/2006 - 14h40
Inferninhos oferecem "pulo de cerca" nas tardes da Copa
Rodrigo Bertolotto
Em São Paulo
Havia um tempo em que as pessoas no Brasil assistiam à Copa do Mundo no recôndito do lar. Agora, a maioria prefere o clima de arquibancada dos bares. Mas há aqueles que aproveitam o pretexto do feriado esportivo para dar uma escapadinha e acompanhar os jogos à meia-luz de um inferninho.
Casa dos Jardins oferece "churrasco free" e "lindas garotas" para os torcedores
Seja na tradicional "boca do lixo" da rua Augusta, nos Jardins ou na Zona Leste, várias casas de São Paulo criaram o serviço vespertino para atender à clientela em ritmo de Copa. "Venha assistir aos jogos em um supertelão e ao lado de uma seleção de lindas garotas. Muita descontração e churrasco free", diz o slogan de uma boate dos Jardins, apelando duplamente para a tentação da carne.
No intervalo da partida, acontece o verdadeiro "show do intervalo". Com o telão repetindo os lances do primeiro tempo, Chayane faz rodopios em uma barra, se ajoelha e debruça sobre os marmanjos. É tanta desenvoltura que parece até que ela está na jogada com o zagueiro croata que está na imagem. O segundo tempo recomeça, e ela ainda não terminou seu strip-tease. Alguns estão vidrados. Outros não sabem para onde olhar. Os mais tensos pedem para ela sair da frente quando o Brasil tem uma chance de gol. "Já deu, gata", decreta um, colocando uma cédula de R$ 20 no biquíni ainda vestido.
No minuto seguinte, Chayane (nome artístico) sai do palco e vai de volta para o colo do senhor nipônico, que será rival na próxima quinta 22 quando o Brasil encara o Japão na última rodada da primeira fase. Com uma mão ele segura o copo de uísque. A outra fica pousada na coxa da moça, que agora pode acompanhar a partida.
Apesar do aumento do interesse feminino nos últimos anos, a Copa do Mundo e o futebol é um território masculino. Não por nada a Alemanha "importou" do Leste Europeu mais de 40 mil prostitutas, que estão fazendo hora-extra para relaxar torcedores no pré-jogo e festejar no pós-jogo e pós-bebedeira. Organizações feministas da Suécia e dos EUA chegaram a pedir às seleções locais para que não disputassem o torneio porque o país-sede legalizou a prostituição em 2002 e as aproximadamente 400 mil profissionais têm direito ao seguro público de saúde.
No escurinho, stripper dança na frente de telão mostrando jogada dos croatas
Assistir aos jogos em um prostíbulo, porém, requer um grau de concentração. Durante todo o jogo de estréia do Brasil, a loira oxigenada Michelle tentava chamar a atenção tocando um apito e gritando pênalti até para faltas no meio-campo. "Foi pênalti", argumenta com os potenciais clientes. "E eu entendo de futebol, viu?", emenda.
Enquanto Cafu corre pela ponta direita, Talita em sua micro-saia verde-e-amarela cai pela lateral esquerda do balcão, desviando o olhar dos frequentadores. Pela roupa social, dá para ver que são grupos que acabaram de sair do trabalho aproveitando o almoço que virou happy hour no meio da semana. Um que outro até esqueceu de tirar o crachá pendurado por cordão no pescoço. "Minha mulher acha que eu estou em algum bar perto do serviço. Aproveitei a Copa para pular a cerca", confessa Jonas (nome fictício).
O segundo tempo se arrasta, e um cliente grisalho simula uma empolgação, gritando "Brasil, olé olé olá" para poder partir para o abraço na garota tipo "brasileirinha" que passa ao lado. Surge uma vibração quando Robinho entra em campo, mas o motivo não é o atacante: algumas moçoilas trazem as esperadas picanhas, prometidas pelo cartaz na fachada.
O juiz apita o final. No telão, um close de Zagallo beijando o goleiro reserva Julio César. O rapaz com o crachá se inspira e pula para cima da mulata que estava dando sopa durante os 90 minutos regulamentares.
Acabado o futebol começa outra modalidade: o jogo da sedução. No caso, sedução monetária. E entram as titulares em campo. Um exército de garotas ainda em trajes civis adentram na casa carregando malas. Em meia-hora, voltam com o uniforme de trabalho: biquínis e tops com as cores nacionais para despertar a volúpia patriótica. O número de profissionais triplica no salão, e os comentários sobre o jogo duram pouco.
Boate na rua Augusta usa Mundial e as festas juninas para atrair clientela
Se no inferninho de luxo a companhia feminina aumentou a atração do jogo morno, na boate da rua Augusta, homens e mulheres ficaram em arquibancadas (ou sofás) separados. Os neons estão desligados e a trilha sonora é a voz de Galvão Bueno. De um lado, oito homens pediam Juninho e Rogério Ceni em campo. "Tira o Ronaldo, ele está mais gordo que eu", grita um senhor rechonchudo. Do outro lado, três garotas se encolhem de tensão porque a pressão é só croata. "Estou até com a mão suada de tão nervosa", diz Clara.
Nada de programa durante a partida. "O cliente não quer perder nenhum gol. Pode até querer acabar o programa rápido para voltar para assistir", argumenta Clara, três anos na profissão e, portanto, sua primeira Copa em uma boate. A colega Aline arrisca até uma análise da partida. "Os croatas estão jogando bem fechados. O Brasil não consegue levar perigo", comenta. Foi só falar e Kaká chuta e marca o único gol brasileiro na estréia da Copa. Aline, 21, pega o celular e liga para o filho de quatro anos para comemorar com ele.