19/10/2004
Estudo traça o perfil de quem paga por sexo
Maioria tem entre 30 e 50 anos, tem vida conjugal, mas é carente
Sylvia Zappi
Em Paris
Os clientes das prostitutas não são seres humanos diferentes: eles pertencem a todas as categorias sociais, são solteiros, casados, têm filhos; eles são jovens ou idosos, e exercem todo tipo de profissão...
No seu estudo intitulado "O homem em questão, o processo que o leva a se tornar cliente da prostituição", Saïd Bouamama, um sociólogo do instituto de Intervenção, Formação, Ação e Pesquisas (Ifar, na sugla em francês), vai de encontro a um grande número de preconceitos existentes neste campo.
O relatório, realizado por encomenda do Mouvement du Nid (Movimento do Ninho - ONG humanitária que busca erradicar a prostituição) e que foi divulgado nesta segunda-feira (18/10), na presença de Nicole Ameline, a ministra da paridade e da igualdade profissional, não elabora nem tanto um perfil do cliente, preferindo antes apresentar uma série de motivações que o levam a consumir.
O autor, que realizou 95 entrevistas semidirigidas com voluntários contatados por meio de anúncios classificados publicados em jornais gratuitos, considera que "o fato de se tornar cliente da prostituição é uma conseqüência social e não uma tara individual que bastaria "tratar" ou "reprimir". Ele questiona duas idéias preconcebidas: o recurso à prostituição não diz respeito apenas a pessoas idosas isoladas ou a jovens atormentados por uma libido exigente.
A maioria dos clientes é formada por homens de 30 a 50 anos que vivem ou viveram uma vida conjugal. 55% dentre eles têm um ou vários filhos. Saïd Bouamama constata também uma "representação considerável de executivos, empregados e diretores de empresa", sublinhando que para certas categorias sociais, o aspecto financeiro freia o recurso à prostituição.
Relações de dominação
O sociólogo levanta uma "tipologia dos fatores determinantes" que motivam certos homens a recorrerem aos serviços de uma prostituta. Nesse sentido, ele também precisa que "em todas as trajetórias que foram analisadas no decorrer da pesquisa, há vários fatores determinantes que se articulam entre si". Não existe nenhum fator que desencadeie esse comportamento, e nem mesmo um passado que permita explicar essas práticas, e sim um conjunto de elementos de mal-estar, os quais ilustram a existência de relações de dominação persistentes entre homens e mulheres.
A primeira categoria a ter sido detectada é a dos "isolados afetivos e sexuais". Para estes clientes, que constituem a maioria dos "regulares" ou dos "ocasionais regulares", a primeira causa alegada para explicar a sua prática é a solidão ou a ausência de outras possibilidades de encontro com o sexo feminino. O medo das mulheres ou a timidez os conduz a procurar um "contato mais fácil", sem precisar se revelar.
As entrevistas evidenciaram uma dificuldade que muitos deles têm de "estarem à altura" diante de uma mulher, uma ausência de confiança em si, geralmente vinculada a eventos vivenciados durante a infância, ou ainda a uma ruptura amorosa dolorosa.
Muitos foram os entrevistados que explicaram então o fato de se tornarem clientes e a regularidade desta prática como sendo uma conseqüência desta decepção e de uma carência afetiva que eles tentam compensar. "Esta é a causa principal que conduz 75% das pessoas entrevistadas a se tornarem clientes", constata a pesquisa.
Mas, o autor também avisa que esta alegação é um dos elementos de uma "estratégia de justificação": "Estes clientes apresentam-se como vítimas, de maneira a conferir um sentido aceitável para a sua prática".
Nesse sentido, o pesquisador indica também que a esta primeira causa corresponde uma segunda, alegada por muitos clientes para explicar a sua prática: a desconfiança e o medo que lhes inspiram as mulheres. Nesta categoria encontra-se uma maioria de homens que viveram uma vida de casal ou uma relação amorosa na qual a mulher era, segundo eles, favorecida. Eles descrevem as mulheres como "maldosas", "egoístas" ou "complicadas".
Estes clientes tendem a considerar a relação como desigual, às suas custas. Eles chegam até mesmo a manifestar uma cólera ou um ódio voltado contra as mulheres, que eles consideram como provocadoras. Eles criticam a sociedade por ela tê-los obrigado a abandonar os seus papéis tradicionais. Eles procuram na prostituição uma "relação de pura dominação na qual o homem seria novamente o senhor" e a mulher uma "coisa".
Na terceira categoria estão reunidos "os compradores de mercadoria". Estes homens são motivados a recorrer à prostituição, segundo eles mesmos explicam, por causa de uma sexualidade conjugal insatisfatória. Eles estabelecem uma diferenciação clara e nítida entre a esposa ou a companheira, uma pessoa cercada por tudo o que se refere ao plano afetivo e ao respeito, e a prostituta, uma pessoa do sexo.
Para eles, a sexualidade tornou-se uma alternativa fora do casal porque a sua mulher "não gosta disso", enquanto eles "precisam" de sexo por natureza. Eles sentem "necessidade" de se "aliviar", de atender aos apelos da sua libido, de compensar uma "carência" ou realizar os seus "impulsos".
Segundo Saïd Bouamama, estes homens têm uma visão "essencialista" (que dá primazia à essência em relação à existência, em oposição ao existencialismo) da sexualidade masculina e feminina, que é amplamente difundida nas representações sociais. Esta interpretação permite a estes clientes considerarem que a relação com prostitutas não é sinônima de infidelidade, "em função de seu caráter pontual e sem comprometimento".
Aliás, este vem a ser um dos motores de uma quarta categoria, a dos "alérgicos ao envolvimento e à responsabilidade". Estes últimos sublinham a ausência de risco no recurso às prostitutas: trata-se de uma comodidade de relacionamento que exclui o afetivo e o envolvimento num relacionamento amoroso. Uma vez que eles não pretendem "se fixar", que eles desejam viajar e não querem "se meter em problemas", eles optam pela relação paga, desprovida de todo desdobramento afetivo.
Nesta categoria, encontram-se também homens casados que podem encontrar nesta atitude consumidora um meio de compensar a sua insatisfação sexual sem correr o risco de uma ruptura do seu casal, comenta o sociólogo: 43% dos homens entrevistados sublinham esta vantagem.
Por fim, Saïd Bouamama identifica uma última categoria de clientes: os "impulsivos da sexualidade". Mais de 25% dos clientes entrevistados são consumidores compulsivos que não conseguem ficar sem este modo de relacionamento. Para estes, as relações sexuais, fáceis de conseguir, se tornaram uma "droga" da qual eles se tornaram dependentes.
No seu conjunto, os clientes consideram a prostituição como "útil". A sua repressão lhes parece ser perigosa. Além disso, praticamente a totalidade dentre eles reclama a reabertura dos prostíbulos.
"Decepção", "ridículo", "nojo"
71% dos clientes não sentem prazer durante as suas relações com uma prostituta. Para uma maioria dentre eles (59%), a ejaculação chega a ser até mesmo geralmente impossível. Eles falam então de "decepção" e de "insatisfação" e descrevem situações "ridículas", nas quais eles sentiram "nojo".
Mas esse desprazer não diz respeito apenas à relação física. Um número importante dentre eles tem o sentimento de "ter sido enganado" pela prostituta, que fez o seu trabalho de maneira desleixada, permanecendo passiva e recusando-se a beijar.
Os clientes encontram numa situação em que a "sua exigência se torna paradoxal", explica a pesquisa: ao se envolverem numa relação comercial, eles procuram uma relação humana que eles não conseguem encontrar.
Assim, a carência afetiva é o motivo alegado por 75% dos clientes como sendo a causa principal do recurso à prostituição. Trata-se de uma "expectativa ambígua e contraditória" que conduz uma boa parte dos clientes a voltarem.
O único freio ao consumo continua sendo o custo financeiro: 58% dos clientes estimam que o dinheiro constitui um freio à regularidade de sua prática.
Grupos de risco
O sociólogo Saïd Bouamama traçou alguns caminhos de atuação possíveis para prevenir o recurso à prostituição. A pesquisa detectou três situações essenciais nas quais muitos homens são incentivados a entrar em ação: o exército (serviço militar no passado, exército profissional hoje), as noitadas entre amigos e os meios profissionais nos quais se viaja muito (caminhoneiros, representantes comerciais e executivos).
Saïd Bouamama propõe em conseqüência desenvolver ações de prevenção particulares, direcionadas para estas profissões. De maneira mais geral, ele preconiza a realização de campanhas "regulares" de prevenção e uma formação específica dos docentes, dos trabalhadores sociais ou dos militantes associativos.
O segundo eixo essencial é a educação, dos jovens em primeiro lugar, por meio de programas a serem implementados "do jardim de infância até a universidade", que não se limitariam à educação sexual mas que tratariam também do lugar dos homens e das mulheres dentro da sociedade.
Para os adultos, é preciso "romper o silêncio público" em relação às práticas dos clientes. Saïd Bouamama convida os poderes públicos a implantarem um grupo de trabalho que seria encarregado de produzir conteúdos e métodos destinados a mudar as representações das relações entre os sexos.
Tradução: Jean-Yves de Neufville