A violência sempre está armada com duas intenções, ou abreviar nossa vida ou afrontar a nossa dignidade. Habitando um corpo tomado pelos mais abomináveis instintos, ela se espalha rápido como gangrena no espírito de quem não se importa em ser condenável. Matando ou ferindo, só a cor do sangue ou o flagelo físico do outro é que saciam o agressor. Pode ser autoafirmação de alguém que não desenvolveu a maturidade do intelecto que nos civiliza, pode ser premeditada por interesses mesquinhos, pode ser impulsionada pela ânsia das drogas, pelo descontrole do álcool, pode apenas ser gratuita. Todas as formas de violência são desprezíveis. Não falo da autodefesa, da necessidade de preservar a própria existência, porque nesses casos ainda há algo de humano. Deplorável é a violência por cólera, insanidade, rancor, vingança, cobiça, inveja ou algum desvio nos mostrando que o primata é mais forte que o homem.
Numa sexta-feira à noite, quando caminhava debaixo das miseráveis marquises cariocas da árida Av. Presidente Vargas, senti a mão do ódio açoitar o meu ombro, estanquei o passo, olhei para trás sobressaltado e a visão que tive foi mais penosa do que o desgosto sombrio que me invadiu o coração pelo impacto do golpe. O agressor poderia assemelhar-se a um humano, mas seu rosto contorcido, transfigurado numa imagem oca, rosnando palavras sórdidas que eu mal compreendia, já não guardava humanidade nos gestos nem na voz. Eu estava sob ataque de um animal perdido da noção dos limites que ditam a nossa convivência social. Talvez, fosse um rosto conhecido, estava acompanhado de um assecla que observava tudo com sorriso sádico. Não conseguia entender o que desejavam, não traduzia o que salivavam. Dois corpos numa overdose de bílis. Sim, é intimidante porque me vi acuado pela fúria e pelo sadismo, queriam a minha reação, mas reagir seria me entregar a mesma indignidade que transpiravam. Não me permiti.
Percebendo que o revide ou qualquer esboço de medo era o que buscavam, me determinei a não oferecer o que os alimentaria. Forcei minhas pernas, girei meu tronco e dei as costas às criaturas que encarnavam o desamor e a covardia. Talvez, eu os tivesse avistado em alguma ocasião, cruzado com eles pelas esquinas da cidade ou mesmo pelas mesas dos bares. Muitos deles são envernizados pela aparência humana, disfarçam-se em falsas cortesias, mas rifaram a alma aceitando incubar a barbárie e a brutalidade. O fato é que não os reconheci por detrás da baba que a hipocondria dos dois fazia pingar na calçada. Fui caminhando, seguindo adiante sem olhar para trás, com o temor confesso de me atingirem novamente pelas costas. Apeguei-me ao meu caráter, ao meu afeto, ao meu encanto pelas pessoas e pelo sonho. Segui, segui, mas senti a opressão da angústia. Quem não se deprime quando está diante do horror de um espelho refletindo o que você escolheu não ser? Boçais.
Existe quem naturalize a violência, quem a justifique, quem culpe até a vítima. Esses também incubam o monstro que ameaça aqueles que preferiram civilizar-se. São os motivadores da morte e da dor.
Escalei as escadas do primeiro sobrado que me pareceu familiar e submergi entre mulheres e homens cultivando a alegria de Baco. Distingui um rosto amigo, aproximei-me, narrei o momento inquietante que atravessei. Ele me estendeu a mão, ofereceu um copo de uísque, me acalmou. Não estava mais entre bestas. É difícil explicar, mas quando pude me lembrar dos dois sujeitos ensandecidos, não experimentei ressentimento ou raiva. Emergiu em mim a compaixão pelos mentecaptos, tive a mais absoluta certeza de que somente a gentileza e a empatia nos salvam. Sorri.
Numa sexta-feira à noite, quando caminhava debaixo das miseráveis marquises cariocas da árida Av. Presidente Vargas, senti a mão do ódio açoitar o meu ombro, estanquei o passo, olhei para trás sobressaltado e a visão que tive foi mais penosa do que o desgosto sombrio que me invadiu o coração pelo impacto do golpe. O agressor poderia assemelhar-se a um humano, mas seu rosto contorcido, transfigurado numa imagem oca, rosnando palavras sórdidas que eu mal compreendia, já não guardava humanidade nos gestos nem na voz. Eu estava sob ataque de um animal perdido da noção dos limites que ditam a nossa convivência social. Talvez, fosse um rosto conhecido, estava acompanhado de um assecla que observava tudo com sorriso sádico. Não conseguia entender o que desejavam, não traduzia o que salivavam. Dois corpos numa overdose de bílis. Sim, é intimidante porque me vi acuado pela fúria e pelo sadismo, queriam a minha reação, mas reagir seria me entregar a mesma indignidade que transpiravam. Não me permiti.
Percebendo que o revide ou qualquer esboço de medo era o que buscavam, me determinei a não oferecer o que os alimentaria. Forcei minhas pernas, girei meu tronco e dei as costas às criaturas que encarnavam o desamor e a covardia. Talvez, eu os tivesse avistado em alguma ocasião, cruzado com eles pelas esquinas da cidade ou mesmo pelas mesas dos bares. Muitos deles são envernizados pela aparência humana, disfarçam-se em falsas cortesias, mas rifaram a alma aceitando incubar a barbárie e a brutalidade. O fato é que não os reconheci por detrás da baba que a hipocondria dos dois fazia pingar na calçada. Fui caminhando, seguindo adiante sem olhar para trás, com o temor confesso de me atingirem novamente pelas costas. Apeguei-me ao meu caráter, ao meu afeto, ao meu encanto pelas pessoas e pelo sonho. Segui, segui, mas senti a opressão da angústia. Quem não se deprime quando está diante do horror de um espelho refletindo o que você escolheu não ser? Boçais.
Existe quem naturalize a violência, quem a justifique, quem culpe até a vítima. Esses também incubam o monstro que ameaça aqueles que preferiram civilizar-se. São os motivadores da morte e da dor.
Escalei as escadas do primeiro sobrado que me pareceu familiar e submergi entre mulheres e homens cultivando a alegria de Baco. Distingui um rosto amigo, aproximei-me, narrei o momento inquietante que atravessei. Ele me estendeu a mão, ofereceu um copo de uísque, me acalmou. Não estava mais entre bestas. É difícil explicar, mas quando pude me lembrar dos dois sujeitos ensandecidos, não experimentei ressentimento ou raiva. Emergiu em mim a compaixão pelos mentecaptos, tive a mais absoluta certeza de que somente a gentileza e a empatia nos salvam. Sorri.