Envelheço na cidade” (Ira!)
A minha vida se insere no contexto da cidade, para o bem e para o mal, alimentando meu amor e meu ódio, como a de muitos paulistanos, migrantes e imigrantes que fizeram e fazem da cidade o seu lar ou a responsável pela exclusão.
“Têm dias que eu digo não, inverno no meu coração
Meu mundo está em tuas mãos
Frio e garoa na escuridão
Sem São Paulo
O meu dono é a solidão” (365)
Eu me recordo com nostalgia que, quando garoto, relia os jornais lidos pelo meu pai, os quais me fizeram descobrir a masturbação, alimentando o desejo ardente de conhecer aqueles antros da perdição, entre eles os sobreviventes Áurea e Los Angeles, diariamente expostos nas páginas do falecido Notícias Populares (lembram-se dele?) que, além do submundo erótico, retratava fielmente o mundo-cão em tons de preto e branco, através das colunas fantásticas do Gil Gomes e do Jacinto Figueira Júnior (lembram-se dele?), o popular “O Homem do Sapato Branco”, ícone da malandragem, cafonice e canalhice paulistana, e precursor dos programas de tv toscos com barracos diante das telas promovidos para e pelo povão.
Eu apreciava ver as mulheres da Rua Formosa e da região da Avenida São João, perto do antigo Mappin, fazendo trottoir, achava incrível o Centrão mudar de aparência após as 6 da tarde, quando engravatados e trabalhadores comuns davam lugar a prostitutas, proxenetas, bichas, malandros e correlatos, como se estivessem trancafiados nos subterrâneos, nas vielas, nos esgotos, aguardando o sol se pôr, enfim, no horizonte. Mix de luxúria e decadência. Boca-do-Lixo.
Eu consumia churrasco grego [de carne de terceira] e aquele suquinho ralo como combustível para me dar forças nas minhas andanças e descobertas por Sampa.
Eu conheci o Plínio Marcos, já falecido, de quem tenho livro autografado, na feira de artesanato da Praça da República.
Eu me acabava nos fliperamas, naquelas máquinas da Taito (lembram-se delas?), e nas primeiras sessões de cinema pornô e do Bruce Lee vistas com avidez e olhos de adolescente.
Eu me lembro da única vez em que fui roubado, foi na Praça Ramos de Azevedo, quando dois malacos me deram uma gravata na goela para levar um relógio de pulso, imitação de Rolex.
Eu freqüentava a Galeria do Rock, berço do meu gosto pelo punk rock, Ira!, 365, Violeta de Outono, Golpe de Estado, Inocentes, Hojerizah e Cólera.
São Paulo, no final das contas, é isso para mim: a mistura do caos; dos sons, cores e néons; das lembranças vazias, rotas e esfarrapadas; das histórias toscas, insólitas e hilariantes; das desesperanças; da “deselegância discreta de suas meninas”, e do sexo como um fim, não como um meio, muitas vezes pago, às vezes casual. Ah, lógico, e berço do único e último campeão mundial interclubes de futebol do mundo!
“Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João” (Caetano Veloso)