Executou os últimos dois passos que o que o distanciavam de seu regozijo e então... Pronto, refestelou-se no banco.
Iniciou-se aí um ritual que já tomava ares de tradição em sua vida: lentamente e com os próprios pés, aliviava apenas os calcanhares da pressão incômoda dos sapatos.
- Ahh!... - Grunhia na intraduzível linguagem do prazer.
Olhou em derredor e surpreendeu-se com a beleza fremente da praça que refulgia sob um sol morno de começo de inverno. Continuou largado no seu banco preferido, próximo ao chafariz; olhos semicerrados, como que madornando, absorto num deleite pessoal. De sorrate, sobreveio-lhe a paz, uma paz sem pretensões de espírito, uma serenidade física.
Qual um copo que se espedaça em cacos ao arriar no chão, quebrou-se toda a harmonia do corpo na consulta ao relógio, causando uma perturbação surda que lhe despertou todos os sentidos. E a verdade soou-lhe estridente na memória, trespassando os lábios num murmúrio triste...
- Não sou livre...
Lembrou-se da mulher, do filho, do trabalho e de toda a infinidade de grilhões que advinham destes. Quis chorar no segredo daquele banco, assim como quis ser livre, mas as lágrimas só lhe sufocavam os olhos. Evocou o ódio extremo pela sua condição, permitiu que ele emergisse. E num gesto largo, heróico, pois são as grandes emoções mães dos grandes atos, arrancou o relógio, herança do seu avô e algema que o atava a Responsabilidade, arrancou do pulso e o lançou no gramado de um canteiro próximo. Arrependeu-se logo da ação e correu para reavê-lo.
Arrependia-se de tudo...
- Nunca serei livre, sou covarde – Agora era a sua consciência ecoando.
Resignado, remeteu-se ao burburinho escasso da pracinha e foi dar com uma criança bem pequena, sentada no chão de areia, com os dedos em pinça e um vidrinho, recolhendo formigas. Recordou-se dele mesmo em criança, ali, caçando formigas com os dedos para o seu formigueiro particular. Muitas ele torturava com desvelo, sem deixá-las morrer, assim renovava a pureza infantil e os insetos desditosos pagavam o tributo para que ele se mantivesse inocente. Enfadou-se da visão.
Enfadava-se de tudo...
Bailou com os olhos, afastou o tédio. Cismou com um casal vizinho a ele, pela forma de entreolharem-se percebeu serem namorados. Viu o amor, mas não lhe reconheceu a face. Pensou na esposa e reviveu a sua história romântica, os encontros vespertinos e os instantes de felicidade que colheu e guardou destas tardes, porém, não sabia onde os havia colocado. Esqueceu-se do amor.
Esquecia-se sempre...
Cruzando ventos a sua frente, passou um homem ligeiro, vestido de terno e gravata e uma pasta de couro dependurada na mão esquerda o acompanhava solícita.
- Pobre diabo, pensou, que Deus o ilumine antes de mim – E sorriu melancólico.
Enquanto observava o homem ligeiro abandonar a praça, decidiu não mais retornar ao trabalho. Transformou a hora do almoço num dia inteiro de gazeta.
Muitas vezes, quando o estômago consentia ou o dinheiro curto não deixava escolha, trocava uma formosa refeição por um singelo saco de pipocas na praça de sua meninice. Permanecia durante uma hora sentado perdendo-se em devaneios e fracas filosofias...
Uma voz, uma voz de mulher gritando o seu nome.
- Artur, Arturzinho...
Rodopiou a cabeça e avistou sua mãe o chamando para ir embora. As lágrimas embaçaram-lhe novamente os olhos e ele retorquiu quase suplicante que não, ainda se fazia cedo demais. Desanuviada a vista, lembrou que sua mãe morrera, era um som do passado...
Em um sobressalto entusiasmado vislumbrou o que se passava. Toda a sua existência estava diante dele, representada em flashes por artistas anônimos no picadeiro daquela praça. Um espetáculo magnífico que rapidamente se desfez quando Artur reparou dois velhos acomodados, frente a frente, com um tabuleiro de pedra entre ambos. Jogavam xadrez. Aqueles anciões não desempenhavam nenhum papel relacionado à sua vida, não significavam nada para ele.
O encanto estava rompido.
Vazio, defronte a ele, existia um outro tabuleiro inscrito em uma mesa de pedra e Artur notara-lhe a presença. Num lampejo, pressentiu o convite para que tomasse o seu lugar à mesa.
- Não! – Respondeu Artur indignado com o convite.
Voltou atrás em sua decisão e preferiu retornar ao trabalho. Ergueu-se e começou a caminhar para fora da praça.
Sabia que o tabuleiro continuava lá, entretanto, não queria nem mais vê-lo e prosseguiu. Sempre um passo adiante do outro, reto, sem olhar para trás. Contudo, o tabuleiro era de pedra e resistiria a sua pertinácia. Artur, não olharia para trás, negava-se. Um passo adiante do outro e... Parou, sucumbindo receoso, moveu o rosto e encontrou o tabuleiro que fora feito de pedra para esperá-lo.
Arrependeu-se...
Dante
Iniciou-se aí um ritual que já tomava ares de tradição em sua vida: lentamente e com os próprios pés, aliviava apenas os calcanhares da pressão incômoda dos sapatos.
- Ahh!... - Grunhia na intraduzível linguagem do prazer.
Olhou em derredor e surpreendeu-se com a beleza fremente da praça que refulgia sob um sol morno de começo de inverno. Continuou largado no seu banco preferido, próximo ao chafariz; olhos semicerrados, como que madornando, absorto num deleite pessoal. De sorrate, sobreveio-lhe a paz, uma paz sem pretensões de espírito, uma serenidade física.
Qual um copo que se espedaça em cacos ao arriar no chão, quebrou-se toda a harmonia do corpo na consulta ao relógio, causando uma perturbação surda que lhe despertou todos os sentidos. E a verdade soou-lhe estridente na memória, trespassando os lábios num murmúrio triste...
- Não sou livre...
Lembrou-se da mulher, do filho, do trabalho e de toda a infinidade de grilhões que advinham destes. Quis chorar no segredo daquele banco, assim como quis ser livre, mas as lágrimas só lhe sufocavam os olhos. Evocou o ódio extremo pela sua condição, permitiu que ele emergisse. E num gesto largo, heróico, pois são as grandes emoções mães dos grandes atos, arrancou o relógio, herança do seu avô e algema que o atava a Responsabilidade, arrancou do pulso e o lançou no gramado de um canteiro próximo. Arrependeu-se logo da ação e correu para reavê-lo.
Arrependia-se de tudo...
- Nunca serei livre, sou covarde – Agora era a sua consciência ecoando.
Resignado, remeteu-se ao burburinho escasso da pracinha e foi dar com uma criança bem pequena, sentada no chão de areia, com os dedos em pinça e um vidrinho, recolhendo formigas. Recordou-se dele mesmo em criança, ali, caçando formigas com os dedos para o seu formigueiro particular. Muitas ele torturava com desvelo, sem deixá-las morrer, assim renovava a pureza infantil e os insetos desditosos pagavam o tributo para que ele se mantivesse inocente. Enfadou-se da visão.
Enfadava-se de tudo...
Bailou com os olhos, afastou o tédio. Cismou com um casal vizinho a ele, pela forma de entreolharem-se percebeu serem namorados. Viu o amor, mas não lhe reconheceu a face. Pensou na esposa e reviveu a sua história romântica, os encontros vespertinos e os instantes de felicidade que colheu e guardou destas tardes, porém, não sabia onde os havia colocado. Esqueceu-se do amor.
Esquecia-se sempre...
Cruzando ventos a sua frente, passou um homem ligeiro, vestido de terno e gravata e uma pasta de couro dependurada na mão esquerda o acompanhava solícita.
- Pobre diabo, pensou, que Deus o ilumine antes de mim – E sorriu melancólico.
Enquanto observava o homem ligeiro abandonar a praça, decidiu não mais retornar ao trabalho. Transformou a hora do almoço num dia inteiro de gazeta.
Muitas vezes, quando o estômago consentia ou o dinheiro curto não deixava escolha, trocava uma formosa refeição por um singelo saco de pipocas na praça de sua meninice. Permanecia durante uma hora sentado perdendo-se em devaneios e fracas filosofias...
Uma voz, uma voz de mulher gritando o seu nome.
- Artur, Arturzinho...
Rodopiou a cabeça e avistou sua mãe o chamando para ir embora. As lágrimas embaçaram-lhe novamente os olhos e ele retorquiu quase suplicante que não, ainda se fazia cedo demais. Desanuviada a vista, lembrou que sua mãe morrera, era um som do passado...
Em um sobressalto entusiasmado vislumbrou o que se passava. Toda a sua existência estava diante dele, representada em flashes por artistas anônimos no picadeiro daquela praça. Um espetáculo magnífico que rapidamente se desfez quando Artur reparou dois velhos acomodados, frente a frente, com um tabuleiro de pedra entre ambos. Jogavam xadrez. Aqueles anciões não desempenhavam nenhum papel relacionado à sua vida, não significavam nada para ele.
O encanto estava rompido.
Vazio, defronte a ele, existia um outro tabuleiro inscrito em uma mesa de pedra e Artur notara-lhe a presença. Num lampejo, pressentiu o convite para que tomasse o seu lugar à mesa.
- Não! – Respondeu Artur indignado com o convite.
Voltou atrás em sua decisão e preferiu retornar ao trabalho. Ergueu-se e começou a caminhar para fora da praça.
Sabia que o tabuleiro continuava lá, entretanto, não queria nem mais vê-lo e prosseguiu. Sempre um passo adiante do outro, reto, sem olhar para trás. Contudo, o tabuleiro era de pedra e resistiria a sua pertinácia. Artur, não olharia para trás, negava-se. Um passo adiante do outro e... Parou, sucumbindo receoso, moveu o rosto e encontrou o tabuleiro que fora feito de pedra para esperá-lo.
Arrependeu-se...
Dante