Seis da tarde.
O mundo gira, anoitece na Capital, e ternos e gravatas passam apressadamente, como fazem cotidianamente, desconfiados com qualquer aproximação abrupta, em direção aos estacionamentos de veículos, estações de metrô ou pontos de ônibus, torcendo para chegarem cedo e ilesos aos seus próximos destinos: casas, faculdades ou até mesmo segundas atividades profissionais que lhes complementem a renda minguada que sufoca o parco orçamento. O congestionamento e as enchentes decorrentes das chuvas que castigam a cidade no verão lhes frustram o objetivo, como sempre.
Eu sou um deles, um batalhador, que se sente um vencedor ao subir um degrauzinho na cadeia social, de classe média baixa a classe média média, paguei meus estudos, galguei posições e obtive dois prêmios de reconhecimento profissional nos EUA, mas que não esquece da origem humilde e de certas experiências que apenas “putanheiros maloqueiros e sofredores” têm coragem verdadeiramente de passar, independentemente da renda e do nível de vida que possam ter melhorado, fruto do esforço individual, nessa selva de pedra.
A minha própria estampa se contradiz com a minha auto-imagem de malaco que procura emoções baratas que não preenchem a alma em privezinhos, cineminhas e teatrinhos pornôs, e boatezinhas de quinta categoria. Submundo trash. Dentro de mim pulsa um furor que atinge os sentidos e corrói o bom senso. Diversão e autodestruição correm paralelamente na minha cabeça, compartilhadas com loucos e malandros, quando assisto uns shows mixurucas de strip-tease bregas nos cines-teatros do Centrão. O surreal e o non-sense prevalecem nas abordagens, nas paredes medonhamente grafitadas com figuras de mulheres nuas, nos bêbados, tiozinhos, office-boys e desdentados passando a mão nas carnes flácidas das barangas na fila do gargarejo, e na chupada e trepada no escurinho do cinema, atrás do murinho, me remetendo automaticamente a um filme legal do Quentin Tarantino.
Medo de ser devorado por uma vampira, caçadora de almas perdidas, alucinadamente fico envolto em pensamentos insanos e perdido numa noite suja.
Eu vejo migrantes nos botecos, embriagados, solitários, dando um tempo antes de voltarem para seus cortiços, pensões ou favelas, e nigerianos, mal-encarados, banhados de perfume doce, fazendo negócios à luz do dia com o vício alheio.
Eu avisto mendigos e pedintes próximos a um enorme templo evangélico perto do cruzamento da Ipiranga x São João. Desesperança. Aquilo ali me dá medo, isso sim, prefiro o buraco inóspito onde encontro gente estranha com quem compartilho experiências sem me corromper, fugindo não sei exatamente do quê, talvez das coisas que afligem e entorpecem a alma.
Eu me lembro de um corpo inerte estendido no chão, num dia comum desses, envolvo numa poça de sangue. Indiferença dos transeuntes, exceto o gosto de sangue na boca. Miséria humana.
Eu sou o Robert De Niro, de Taxi Driver. A Jodie Foster, em muitas reencarnações, esteve presente comigo me concedendo carinho espontâneo e suplicando tempos felizes, eu a matei várias vezes e, com ela, bastante de mim mesmo.