"Você diz a verdade
A verdade é o seu dom
De iludir
Como pode querer
Que a mulher
Vá viver sem mentir..." (Caetano Veloso)
Eu sabia que ela deveria ter um email alternativo. Tinha quase certeza que havia outro homem na parada, ou talvez até mais de um...
Desde o início, quando a conheci, numa festa de casamento, percebi a voracidade dos seus olhares, os seus sorrisos maliciosos, o brilho no seu olhar ao simples pronunciar da palavra sexo. E, quando beijei pela primeira vez os seus lábios carnudos, logo vi que não daria boa coisa,mulheres de lábios carnudos nasceram pra foder, como cadelas lascivas, imunes à razão e às boas intenções de algum homem decente...
O fato é que era uma mulher insaciável nos primeiros encontros, e continuou sendo pelos três anos que estivemos juntos, o que talvez justifique a minha certeza de que ela tinha um caso, já que de minha parte não havia mais o mesmo desejo de antes, e o sexo entre nós ficou eventual, quase burocrático e sem paixão, efeitos colaterais de um casamento.
Não vou negar que já tive meus casos, e que busque prazeres onde quer que haja uma buceta limpinha dando sopa, mas eu não estou em discussão, a minha taradice não está em pauta, prossigamos então esse desabafo.
Pois eu acreditava que deveria haver um maldito email "caixa dois", sabem como é, celulares são facilmente grampeáveis e ela sabia disso. O que ela não contava, no entanto, era com a minha astúcia. Eu poderia até ser corno, mas era um corno esperto. Sempre achei que tinha uma espécie de intuição pra saber que estava sendo traido.
Comecei a observar suas ações no computador.
Fuça daqui, fuça dali, deparei-me com um histórico não apagado de um provedor de internet grátis...opa, aí tem coisa, pensei erguendo minha sombrancelha direita (tenho esse dom incrível de erguer uma sombrancelha de cada vez, fazendo muito sucesso com as mulheres por causa disso...).
Como sei que ela nunca foi muito criativa com senhas, usando sempre nomes de pessoas, bichos de estimação e coisas assim, previsíveis, passei quase um mês tentando acessar o suposto "email da traição". Tinha certeza que o seu login seria o mesmo do seu email oficial, por intuição e por conhecê-la bem.
Pois não deu outra. Num dia qualquer, entrei com o login e com a enésima tentativa de senha e....bingo! Descobri o tal email que sempre desconfiei que existia.
Confesso que me surpreendi. Ela não era assim tão burra. Não havia nenhuma mensagem na lixeira, nem na pasta "enviadas" e patavinas na caixa de entrada. Ou seja, eu ia ter que monitorar o email várias vezes ao dia. E assim o fiz, durante longos...quatro dias.
Realmente, a libido dela andava em alta. Achei que seis mensagens enviadas nos primeiros dois dias era um pouco demais. E todas com apaixonadas declarações devidamente respondidas com igual intensidade, por um tal de Jorge. Tentei reagir com superioridade e até me diverti pensando que era Jorge, mas não era o santo, já que ela estava a anos-luz de ser um dragão, muito pelo contrário, morena jambo, boca carnuda, rosto lindo e louca, mas loucassa por sexo. E o filhodaputa do Jorge a descobriu, ou vice-versa.
Meu coração ardia em chamas. Meu cérebro trabalhava dia e noite, eu precisava acabar com aquela semvergonhice.
Então, num dia, enquanto comia o cu da faxineira do escritório pela terceira vez em uma semana (também tenho esse dom, de comer faxineiras), arquitetei meu plano.
Comecei a interferir na troca de emails. Quando eles marcavam um encontro, eu mandava um email mudando a hora ou o local, só pra imaginar o desencontro que ia dar. Às vezes mandava mensagens assustadoras, tipo "meu querido, acho que ele tá desconfiado"... Ou algo provocante como "Jorge, meu cachorrão, vem agora que eu tô louca".
E me divertia com as respostas do cara, com os desencontros de informações e confusões que arrumei por conta das minhas interferências planejadas.
Mas um dia a troca de emails cessou. Ou o Jorge mudou de nome e de email. Ela começou a se corresponder com outro imbecil, que até veado acho que era, de tantos versos que mandava, e ela adorava.
E sucederam-se outros, paulos, joões, ricardos... passei a não gravar mais os nomes, comecei a me deprimir, me atirei na putaria e passei frequentar a Farrapos quase todas as noites, Foi onde conheci a Dalva.
Nem é preciso dizer que meu casamento acabou logo, porque ela cismou com as minhas saídas noturnas e simplesmente resolveu ir embora de casa, e ainda levou meu notibuque e minha coleção do Pink Floyd, a vaca!
Dalva era o nome verdadeiro da Jenifer, morena, cabelos longos, sorriso luminoso, lábios grossos, que fazia ponto na Farrapos, sempre cedo da noite.
Antes da meia-noite costumava estar em casa, e muitas vezes eu mesma a levei, apaixonado pela sua meiguice e pela sua sinceridade, uma pessoa incrível, a Dalva.
Passamos a morar juntos num fim de semana de primavera, ela largou a vida de puta e comecei a pagar-lhe um cursinho pré-vestibular . Dalva queria cursar enfermagem, pois confessava ter o dom pra ajudar as pessoas. E fodia como poucas, o que parece ser uma característica das enfermeiras, segundo um artigo recente que li na Superinteressante.
Dalva, agora, faz faculdade, e conseguiu um estágio, já no primeiro ano, à noite. Chega quase sempre exausta, mas sempre com um sorriso no rosto, bem diferente da minha ex-mulher, quase sempre mal humorada.
E o melhor de tudo é que a Dalvinha odeia computador, nunca teve email, odeia essa tecnologia toda da informática. Pelo menos, não tenho me preocupado com a possibilidade de ser traido, e acho que isso, em parte, deve-se aos muitos encontros que tive com os CA (Cornos Anônimos), a quem, aliás, deixo nesse singelo depoimento, os meus agradecimentos e a minha homenagem. Muitos crimes hediondos e suicídios teriam sido evitados se todos os cornos procurassem ajuda.
Minha auto-estima nunca esteve tão alta, minha libido também. Dalva, às vezes, até reclama porque quero comê-la todos os dias, exatamente o oposto da faxineira do escritório, que reclama porque não a como todos os dias... Claro, umas nascem pra ser putas, como a minha primeira mulher e a faxineira. Outras, pra serem enfermeiras.
Questão de dom, eu acho.