24 de dezembro.
14:50 minutos. Em um escritório modesto do centro de São Paulo, ainda trabalhavam três pessoas: Abelardo Mendonça de Colombo, o decadente administrador de uma rede de lojas conhecida como Magazine Mendonça; um jovem auxiliar de escritório, Clóvis, de 28 anos e pouquíssima iniciativa e Sueli Cristina, secretária de peitolas turbinadas e cacho eventual do combalido comerciante.
Mendoncinha estava então com 67 anos, contemplando a chegada da morte, que se avizinhava sem maiores receios pelo horizonte. Havia dias em que miravam-se serenamente diante do espelho, tendo o reflexo sempre alguma coisa a mais a dizer na forma de rugas, pés de galinha e olheiras cada vez mais eloqüentes. Nos últimos dezoito meses teve dois infartes, sentia-se cada vez mais cansado e farto de tudo. Infelizmente, não podia dar-se ao luxo de parar de trabalhar. Não tivera filhos em seu casamento com Amélia e ambos possuíam uma renda risível do INSS. Com ela, não poderiam pagar nem mesmo os seus respectivos planos de saúde, caríssimos.
Diante de tal horizonte, lá estava Mendoncinha em seu escritório, com um mal humor infernal, acompanhando o movimento de suas sete estropiadas e desabastecidas lojas ( de uma rede que já chegara a ter 59 ) pelo sistema de computador. Naquele momento, as vendas estavam cerca de 25% abaixo do ano anterior, que já não tinha sido exatamente um sucesso, por assim dizer. Estava quebrado, sabia disso e em janeiro, muitas mudanças aconteceriam em seus negócios.
Em suma, as coisas iam mal, em todos os sentidos. Muito mal. Mendoncinha acessava naquele momento a internet, lendo um forum adulto muito interessante, quando um telefonema o interrompeu.
Clóvis, tapando o bocal do telefone anunciava quem era: um tal de Dimas, que dizia ser um velho amigo dele.
- Dimas? Velho amigo? Você tem certeza, meu rapaz? – perguntou, incrédulo para o assistente. O único Dimas que conhecera foi desta para melhor há pelo menos vinte anos! - Pode passar , guri.
A qualidade da ligação, infelizmente, estava terrível. Não era propriamente um chiado, mas um som parecido com uma ventania terrível, dessas que assobiam e balançam os galhos das árvores, em um ritual de dança bizarro e assustador; pelo menos era assim que sempre lhe pareceram essas ventanias que parecem preconizar o final do mundo.
- Alô!
- ... me aguar... hoje... precis... convers...
- Alô! Quem ... mas que diabo! Que brincadeira é essa! Dimas é você?
- hoje... o tempo urg... à meia noit... ... na sua casa...
E logo depois a ligação caiu.
Não podia ser o Dimas, o seu bom e velho amigo. Dimas estava morto. Ninguém poderia atestar esse fato melhor do que ele. Morrera na sua frente, quando faziam uma lauta refeição no restaurante do uruguaio, perto de sua casa , após uma escapada para o puteiro preferido do finado amigo. Entre muitas canecas de chopp e churrasco da melhor qualidade, Dimas simplesmente morreu. Falavam sobre amenidades, quando lhe pareceu que Dimas se abaixou para amarrar o sapato ou coisa parecida. Só percebeu que havia algo grave quando, instantes depois, o garçom correu para a mesa deles e pareceu tentar sentir a respiração do amigo, aparentemente desmaiado. De lá voaram para um hospital, ligações para a viúva, choro e perplexidade Naquele dia perdera o sócio, o melhor amigo e companheiro de esbórnia. A putaria nunca mais seria a mesma para ele, como se pode facilmente imaginar.
Sem saber bem o que fazia, Mendoncinha ligou para a mulher e avisou que chegaria um pouco mais tarde na insuportável reunião familiar tradicional que fazia todos os anos, para agradar a mulher. A esse comunicado seguiu-se uma ríspida discussão e um aviso de que, se não fosse com ela, no horário costumeiro, melhor seria nem mesmo comparecer.
As mulheres parecem dar uma importância extrema a eventos inúteis e deprimentes, como aniversários, ceias de natal e reuniões de ano novo, onde a negada fica olhando os fogos de artifício no céu, murmurando expressões de espanto ensaiadas entre pensamentos que previam, na verdade, quantos minutos ainda deveriam esperar antes de encher a cara de verdade com a negada chegada numa bebida mais forte do que cidras e champanhes.
Foi direto para casa, logo após o encerramento do horário comercial e não participou da reunião dos gerentes e o tradicional amigo secreto que sempre ocorre nessa data.
22:50 . Mimi ligou, perguntando se estava tudo bem, se não queria que seu sobrinho fosse buscá-lo. Seu tom de voz parecia muito diferente do que ouvira há horas atrás.
- Fique em paz, querida, estou me sentindo bem. Apenas um pouco cansado. Vou comer alguma coisa e já vou dormir. Nos vemos amanhã, no almoço, está bem? Feliz Natal para você também, diga a todos que desejo o mesmo a eles.
Sentou-se na sala, após comer alguma coisa e tomar um banho e olhou para o relógio. 24:02. Sorriu, entre aliviado e divertido, com o horário. Deve ter sido algum trote. Algum de seus sobrinhos deve ter feito a ligação e agora devem todos estar gargalhando às suas custas com a traquinagem toda. Foi bem divertida mesmo a peça que pregaram nele, foi pensando consigo mesmo, enquanto caminhava, como que deslisando indolentemente os chinelos, para o quarto. Já estava se deitando quando ouviu um barulho, da sala. Um ruído que parecia o som de passos pesados e de uma corrente sendo arrastada. E aquele som de ventania que tanto lhe causa espécie.
- Mas será o Benedito! Essa molecada não tem mais limites! Agora eu fiquei puto!
E foi para a sala bufando, para ver que diabos estava acontecendo, quando deparou-se com o espectro. Lá estava ele, com a mesma roupa do dia em que morreu, com um aspecto terrível e atormentado, parado no meio da sala.
- Mendoncinha... tenho muito pouco tempo... venho do purgatório, onde deverei ficar ainda por muitas e muitas eras, para pagar por toda a vida de egoísmo, sadismo, violência e insanidade que vivemos , meu velho.. – nesse momento, faz um gesto para que Mendoncinha não dissesse nada - Mas você ainda tenho uma chance,meu bom camarada, e conto contigo para que me ajude a abrandar a força de minha sentença!
- Dimas... meu velho e querido amigo...
- Por ser seu amigo estou aqui, Mendoncinha... Por consideração a nossa sincera amizade no plano terreno, preciso que faças algo o quanto antes, meu caro, enquanto o seu sangue ainda corre quente pelas veias...
- Qualquer coisa, meu velho, qualquer coisa... Mas já adivinho o que tens a dizer, meu estimado e gélido camarada ! E me sinto , vendo-o na presente condição, aliviado em dizer que não puteio há muitos e muitos anos... Estou aposentado não só da putaria, mas da cerveja, do cachimbo, do uísque, do futebol aos domingos de manhã, de... tanta coisa...
- ... que já te sentes um fantasma penitente ainda em posse de tuas flácidas e enrugadas carnes! – emenda Dimas, que parecia , nesse comentário, ter reencontrado o seu tom galhofeiro e debochado dos velhos tempos.
- Sim... me parece que seja isso mesmo - concordou, um pouco envergonhado, o Mendoncinha.
- Nada temas de seu passado putanheiro, a não ser que tenhas procedido de forma pecaminosa e leviana enquanto consumidor de bucetas de aluguel. Se não tens em sua consciência o peso de um procedimento BOP perdulário, se nunca contratou uma GP completa com o intuito de ser enrabado por uma delas , nada tens a temer. Na verdade, o que eu queria lhe pedir, digo, avisar, admoestar, instar, é assunto diverso!
- Pois então, diga o que é meu caro, que sou todo ouvidos!
- Mendoncinha, meu velho, antes de morrer, deixei muitos assuntos inacabados na terra. Prejudiquei muita gente que não merecia e isso não me ajudou em nada por essas bandas. Preciso de tua ajuda, já que não sei mais a quem poderia recorrer em uma situação como essa. Se puderes me fazer um pequeno favor em uma situação que não foi por mim criada, que me remete a um sincero constrangimento, poderia abrandar e muito o fardo que ora me vejo obrigado a expiar...
Dimas, senta-se no sofá e coça o queixo, fazendo aquele mesmo trejeito que tantas vezes o vira fazer em vida, com o olhar em algum ponto perdido no horizonte e uma fisionomia pensativa e preocupada. Geralmente, notícias ruins eram precedidas por esse ritual.
- Meu caro Abelardo... o fato é que... Encontro-me em um apuro desgraçado, como você pode atestar facilmente através destas imensas correntes e grilhões que prendem meu corpo espiritual ao plano em que me encontro. E há algo que poderias fazer para me ajudar . Me refiro a Amélia.
- Amélia? O que tem a Mimi? – pergunta desconfiado o Mendoncinha.
- Bem. Há alguém aqui que... gosta muito de seu temperamento ... hã... diligente... cordato... e... como direi... devotado e ao mesmo tempo... sexy. É . Sexy.
- Sexy? Que mer...
- Calma lá, homem! Espere até que eu termine a minha explanação e depois você me diz o que pode ser feito, certo?
- Não vejo em que a Amélia pode ser útil, para você ou quem quer que seja aí no meio do inferno em que te metestes, meu caro. Deixemos a Amélia de fora desse nosso colóquio, é o que lhe digo.
- Lamento, meu caro Abelardo. Mas , a sua Mimi é a chave para a minha redenção. Há alguém aqui que gostaria de ... reencontrá-la... Trata-se do chefe da divisão infernal em que ora me encontro,que, por sua vez, era um conhecido de sua esposa; um certo Dorneles, que diz ser alguém que você não chegou a conhecer . Pois bem, esse Dorneles me disse ainda há pouco que... se você permitir , através de seu livre arbítrio, que ele ... hã... porra, Mendoncinha!!!! Você sabe, caralho!!!!
- Dimas... se você não fosse um fantasma, eu juro, e você me conhece e sabe que estou falando sério, que você iria se transformar em um agorinha mesmo. – rosna Mendoncinha, já em com os punhos fechados e pronto pra qualquer eventualidade.
- Pense bem, Mendoncinha, além de me ajudar você poderia vir a ficar novamente muito rico... Mas muito rico mesmo...Eu, poderia ver esses ferros diminuírem sensivelmente em tamanho e peso e o Dorneles poderia passar alguns momentos de alegria e prazer com sua patroa... Todos sairíam ganhando, todos nós!
- Ponha-se daqui pra fora, seu alcoviteiro traíra dos infernos! Volte pra lá e fique longe de minha mulher seu... seu... – sente o coração prestes a rebentar e perde os sentidos.
Horas mais tarde, é acordado pela sua mulher, que viera ao seu encontro depois de várias tentativas de falar com ele pelo telefone, da casa de seu sobrinho.
Sua mulher o salvara, mais uma vez.
Mendocinha olhava comovido para ela, que lhe perguntava naquele momento repetidas vezes se estava passando mal ou se não queria ir a um hospital.
-Não, minha querida. – respondeu Mendoncinha, que agora se sentia bem melhor.
Ficaram por ali pelo resto dia, depois de alguns telefonemas tranqüilizando o resto da família.
De qualquer forma, não disse nenhuma palavra sobre o ocorrido, e muito menos a respeito da indignação e do ciúme que sentira ao perceber o quanto ainda aquela velhinha lhe era querida e necessária. Afinal de contas, ela poderia ficar muito vaidosa com isso e a disciplina precisava ser mantida. Como sempre e agora mais do que nunca, a disciplina precisava ser mantida.
14:50 minutos. Em um escritório modesto do centro de São Paulo, ainda trabalhavam três pessoas: Abelardo Mendonça de Colombo, o decadente administrador de uma rede de lojas conhecida como Magazine Mendonça; um jovem auxiliar de escritório, Clóvis, de 28 anos e pouquíssima iniciativa e Sueli Cristina, secretária de peitolas turbinadas e cacho eventual do combalido comerciante.
Mendoncinha estava então com 67 anos, contemplando a chegada da morte, que se avizinhava sem maiores receios pelo horizonte. Havia dias em que miravam-se serenamente diante do espelho, tendo o reflexo sempre alguma coisa a mais a dizer na forma de rugas, pés de galinha e olheiras cada vez mais eloqüentes. Nos últimos dezoito meses teve dois infartes, sentia-se cada vez mais cansado e farto de tudo. Infelizmente, não podia dar-se ao luxo de parar de trabalhar. Não tivera filhos em seu casamento com Amélia e ambos possuíam uma renda risível do INSS. Com ela, não poderiam pagar nem mesmo os seus respectivos planos de saúde, caríssimos.
Diante de tal horizonte, lá estava Mendoncinha em seu escritório, com um mal humor infernal, acompanhando o movimento de suas sete estropiadas e desabastecidas lojas ( de uma rede que já chegara a ter 59 ) pelo sistema de computador. Naquele momento, as vendas estavam cerca de 25% abaixo do ano anterior, que já não tinha sido exatamente um sucesso, por assim dizer. Estava quebrado, sabia disso e em janeiro, muitas mudanças aconteceriam em seus negócios.
Em suma, as coisas iam mal, em todos os sentidos. Muito mal. Mendoncinha acessava naquele momento a internet, lendo um forum adulto muito interessante, quando um telefonema o interrompeu.
Clóvis, tapando o bocal do telefone anunciava quem era: um tal de Dimas, que dizia ser um velho amigo dele.
- Dimas? Velho amigo? Você tem certeza, meu rapaz? – perguntou, incrédulo para o assistente. O único Dimas que conhecera foi desta para melhor há pelo menos vinte anos! - Pode passar , guri.
A qualidade da ligação, infelizmente, estava terrível. Não era propriamente um chiado, mas um som parecido com uma ventania terrível, dessas que assobiam e balançam os galhos das árvores, em um ritual de dança bizarro e assustador; pelo menos era assim que sempre lhe pareceram essas ventanias que parecem preconizar o final do mundo.
- Alô!
- ... me aguar... hoje... precis... convers...
- Alô! Quem ... mas que diabo! Que brincadeira é essa! Dimas é você?
- hoje... o tempo urg... à meia noit... ... na sua casa...
E logo depois a ligação caiu.
Não podia ser o Dimas, o seu bom e velho amigo. Dimas estava morto. Ninguém poderia atestar esse fato melhor do que ele. Morrera na sua frente, quando faziam uma lauta refeição no restaurante do uruguaio, perto de sua casa , após uma escapada para o puteiro preferido do finado amigo. Entre muitas canecas de chopp e churrasco da melhor qualidade, Dimas simplesmente morreu. Falavam sobre amenidades, quando lhe pareceu que Dimas se abaixou para amarrar o sapato ou coisa parecida. Só percebeu que havia algo grave quando, instantes depois, o garçom correu para a mesa deles e pareceu tentar sentir a respiração do amigo, aparentemente desmaiado. De lá voaram para um hospital, ligações para a viúva, choro e perplexidade Naquele dia perdera o sócio, o melhor amigo e companheiro de esbórnia. A putaria nunca mais seria a mesma para ele, como se pode facilmente imaginar.
Sem saber bem o que fazia, Mendoncinha ligou para a mulher e avisou que chegaria um pouco mais tarde na insuportável reunião familiar tradicional que fazia todos os anos, para agradar a mulher. A esse comunicado seguiu-se uma ríspida discussão e um aviso de que, se não fosse com ela, no horário costumeiro, melhor seria nem mesmo comparecer.
As mulheres parecem dar uma importância extrema a eventos inúteis e deprimentes, como aniversários, ceias de natal e reuniões de ano novo, onde a negada fica olhando os fogos de artifício no céu, murmurando expressões de espanto ensaiadas entre pensamentos que previam, na verdade, quantos minutos ainda deveriam esperar antes de encher a cara de verdade com a negada chegada numa bebida mais forte do que cidras e champanhes.
Foi direto para casa, logo após o encerramento do horário comercial e não participou da reunião dos gerentes e o tradicional amigo secreto que sempre ocorre nessa data.
22:50 . Mimi ligou, perguntando se estava tudo bem, se não queria que seu sobrinho fosse buscá-lo. Seu tom de voz parecia muito diferente do que ouvira há horas atrás.
- Fique em paz, querida, estou me sentindo bem. Apenas um pouco cansado. Vou comer alguma coisa e já vou dormir. Nos vemos amanhã, no almoço, está bem? Feliz Natal para você também, diga a todos que desejo o mesmo a eles.
Sentou-se na sala, após comer alguma coisa e tomar um banho e olhou para o relógio. 24:02. Sorriu, entre aliviado e divertido, com o horário. Deve ter sido algum trote. Algum de seus sobrinhos deve ter feito a ligação e agora devem todos estar gargalhando às suas custas com a traquinagem toda. Foi bem divertida mesmo a peça que pregaram nele, foi pensando consigo mesmo, enquanto caminhava, como que deslisando indolentemente os chinelos, para o quarto. Já estava se deitando quando ouviu um barulho, da sala. Um ruído que parecia o som de passos pesados e de uma corrente sendo arrastada. E aquele som de ventania que tanto lhe causa espécie.
- Mas será o Benedito! Essa molecada não tem mais limites! Agora eu fiquei puto!
E foi para a sala bufando, para ver que diabos estava acontecendo, quando deparou-se com o espectro. Lá estava ele, com a mesma roupa do dia em que morreu, com um aspecto terrível e atormentado, parado no meio da sala.
- Mendoncinha... tenho muito pouco tempo... venho do purgatório, onde deverei ficar ainda por muitas e muitas eras, para pagar por toda a vida de egoísmo, sadismo, violência e insanidade que vivemos , meu velho.. – nesse momento, faz um gesto para que Mendoncinha não dissesse nada - Mas você ainda tenho uma chance,meu bom camarada, e conto contigo para que me ajude a abrandar a força de minha sentença!
- Dimas... meu velho e querido amigo...
- Por ser seu amigo estou aqui, Mendoncinha... Por consideração a nossa sincera amizade no plano terreno, preciso que faças algo o quanto antes, meu caro, enquanto o seu sangue ainda corre quente pelas veias...
- Qualquer coisa, meu velho, qualquer coisa... Mas já adivinho o que tens a dizer, meu estimado e gélido camarada ! E me sinto , vendo-o na presente condição, aliviado em dizer que não puteio há muitos e muitos anos... Estou aposentado não só da putaria, mas da cerveja, do cachimbo, do uísque, do futebol aos domingos de manhã, de... tanta coisa...
- ... que já te sentes um fantasma penitente ainda em posse de tuas flácidas e enrugadas carnes! – emenda Dimas, que parecia , nesse comentário, ter reencontrado o seu tom galhofeiro e debochado dos velhos tempos.
- Sim... me parece que seja isso mesmo - concordou, um pouco envergonhado, o Mendoncinha.
- Nada temas de seu passado putanheiro, a não ser que tenhas procedido de forma pecaminosa e leviana enquanto consumidor de bucetas de aluguel. Se não tens em sua consciência o peso de um procedimento BOP perdulário, se nunca contratou uma GP completa com o intuito de ser enrabado por uma delas , nada tens a temer. Na verdade, o que eu queria lhe pedir, digo, avisar, admoestar, instar, é assunto diverso!
- Pois então, diga o que é meu caro, que sou todo ouvidos!
- Mendoncinha, meu velho, antes de morrer, deixei muitos assuntos inacabados na terra. Prejudiquei muita gente que não merecia e isso não me ajudou em nada por essas bandas. Preciso de tua ajuda, já que não sei mais a quem poderia recorrer em uma situação como essa. Se puderes me fazer um pequeno favor em uma situação que não foi por mim criada, que me remete a um sincero constrangimento, poderia abrandar e muito o fardo que ora me vejo obrigado a expiar...
Dimas, senta-se no sofá e coça o queixo, fazendo aquele mesmo trejeito que tantas vezes o vira fazer em vida, com o olhar em algum ponto perdido no horizonte e uma fisionomia pensativa e preocupada. Geralmente, notícias ruins eram precedidas por esse ritual.
- Meu caro Abelardo... o fato é que... Encontro-me em um apuro desgraçado, como você pode atestar facilmente através destas imensas correntes e grilhões que prendem meu corpo espiritual ao plano em que me encontro. E há algo que poderias fazer para me ajudar . Me refiro a Amélia.
- Amélia? O que tem a Mimi? – pergunta desconfiado o Mendoncinha.
- Bem. Há alguém aqui que... gosta muito de seu temperamento ... hã... diligente... cordato... e... como direi... devotado e ao mesmo tempo... sexy. É . Sexy.
- Sexy? Que mer...
- Calma lá, homem! Espere até que eu termine a minha explanação e depois você me diz o que pode ser feito, certo?
- Não vejo em que a Amélia pode ser útil, para você ou quem quer que seja aí no meio do inferno em que te metestes, meu caro. Deixemos a Amélia de fora desse nosso colóquio, é o que lhe digo.
- Lamento, meu caro Abelardo. Mas , a sua Mimi é a chave para a minha redenção. Há alguém aqui que gostaria de ... reencontrá-la... Trata-se do chefe da divisão infernal em que ora me encontro,que, por sua vez, era um conhecido de sua esposa; um certo Dorneles, que diz ser alguém que você não chegou a conhecer . Pois bem, esse Dorneles me disse ainda há pouco que... se você permitir , através de seu livre arbítrio, que ele ... hã... porra, Mendoncinha!!!! Você sabe, caralho!!!!
- Dimas... se você não fosse um fantasma, eu juro, e você me conhece e sabe que estou falando sério, que você iria se transformar em um agorinha mesmo. – rosna Mendoncinha, já em com os punhos fechados e pronto pra qualquer eventualidade.
- Pense bem, Mendoncinha, além de me ajudar você poderia vir a ficar novamente muito rico... Mas muito rico mesmo...Eu, poderia ver esses ferros diminuírem sensivelmente em tamanho e peso e o Dorneles poderia passar alguns momentos de alegria e prazer com sua patroa... Todos sairíam ganhando, todos nós!
- Ponha-se daqui pra fora, seu alcoviteiro traíra dos infernos! Volte pra lá e fique longe de minha mulher seu... seu... – sente o coração prestes a rebentar e perde os sentidos.
Horas mais tarde, é acordado pela sua mulher, que viera ao seu encontro depois de várias tentativas de falar com ele pelo telefone, da casa de seu sobrinho.
Sua mulher o salvara, mais uma vez.
Mendocinha olhava comovido para ela, que lhe perguntava naquele momento repetidas vezes se estava passando mal ou se não queria ir a um hospital.
-Não, minha querida. – respondeu Mendoncinha, que agora se sentia bem melhor.
Ficaram por ali pelo resto dia, depois de alguns telefonemas tranqüilizando o resto da família.
De qualquer forma, não disse nenhuma palavra sobre o ocorrido, e muito menos a respeito da indignação e do ciúme que sentira ao perceber o quanto ainda aquela velhinha lhe era querida e necessária. Afinal de contas, ela poderia ficar muito vaidosa com isso e a disciplina precisava ser mantida. Como sempre e agora mais do que nunca, a disciplina precisava ser mantida.