25.11.2004 | Clinton (os nomes foram escolhidos pelos próprios entrevistados para esta reportagem) guarda a aliança em sua carteira e cuida para que ninguém o veja deixando o carro – a essas alturas já imaginou uma desculpa para explicar o tempo fora do ar. Toma rumo do apartamento onde a moça o recebe após contato telefônico. Será bonita, ele já a viu na Internet. Paga em dinheiro, nunca dá o nome verdadeiro. O importante são os detalhes, é cuidar neuroticamente para não deixar rastros. "Eu não poderia decepcionar minha família por causa de minha irresponsabilidade." Tem quarenta e poucos anos, vinte de casado, três filhos.
Despem-se – "não sou idiota, sei que ela não terá prazer". Quando pergunta se ele é casado, responde que sim. Elas sempre perguntam. Quer apenas respeito. Se tira a aliança, é em respeito a sua mulher, em casa. Acha que seria ofensivo trazer a marca do casamento para aquele quarto. Respeito, sempre, também pela moça com quem se deita. "Tem gente que acha que só porque está pagando pode fazer qualquer besteira." Combinados os detalhes, vê tudo como uma relação contratual – compra o tempo e irrita-se caso o próximo cliente chegue durante sua vez. Só repetiu garotas de programa duas vezes. Não se envolve.
A primeira vez com uma prostituta foi no cais de Santos. Tinha 17 anos e estava com amigos. Pagou, transou mecanicamente e rápido, queria que tudo acabasse logo. Na época, ninguém usava camisinha. Ficou mais de mês com medo de ter pegado doença.
"Não fui educado dessa forma, meu pai nunca deu exemplo disso. Não sou idiota de achar que é normal. É um demérito moral; um vício." Beleza lhe é fundamental. Recorre a garotas de programa uma vez a cada dois meses, mais ou menos – prefere as amantes. Durante seis meses, gerenciou três ao mesmo tempo; por quatro anos, gerenciou duas. "É uma maluquice." Hoje, tem uma. Não corre atrás – mas se uma moça bonita parece interessada, não resiste. Prefere as casadas. "A diferença da amante está na qualidade do sexo, há o envolvimento emocional mas o desgaste do casamento não está presente."
O envolvimento emocional tem custo; a vantagem da garota de programa, quando as procura, é a praticidade. Repete o mantra dos putanheiros: "não pago pelo sexo, pago para que ela vá embora." Putanheiro é o cliente assíduo de garotas de programa.
Clinton chega ao escritório, em São Paulo, todo dia por volta das sete, um profissional liberal de terno e gravata. Às vezes, quando acorda, sente-se como o alcoólatra que sabe que, um dia, terá de acabar com tudo isso. Um dia eternamente postergado. Sobra-lhe a angústia.
Codenys
No íntimo, Codenys não vê muita diferença entre uma garota de programa e outra, em suas palavras, "normal" – e diz normal para depois dar um riso na tentativa de encontrar outro adjetivo. Ao menos uma vez por semana, reúne-se com amigos em alguma das boates onde as meninas trabalham. Conversa com elas, troca sorrisos, seduz. "Eu não pagaria para uma menina com quem não ficaria, o critério é o mesmo. Tem de ser bonita, simpática, tem que ter química."
Prefere as boates especializadas, sempre. Não gosta da idéia de marcar pelo telefone com alguém que não conheça. "Outros putanheiros às vezes preferem a indicação de uma menina que faz um bom oral, um bom anal, isso não funciona comigo." Também não gosta da hora marcada, de ter de funcionar naquele momento específico. "Gosto de ir ficando com tesão ao longo da noite, da conversa, e, se acontecer, aí faço o programa."
Viveu junto durante um ano e meio com uma moça – no total, de namoro e casamento foram quase quatro anos. No fim, discutiam por causa da falta de dinheiro. Trabalha na construção civil, um setor que passa por crise em São Paulo, e recebe a encomenda de menos projetos. Tem 33 anos. Quando a estabilidade financeira vier, talvez se case novamente, talvez tenha filhos. Ou talvez aconteça antes – "a vida às vezes prega peças". Se por acaso está saindo com alguém, tende a evitar as garotas de programa. Por um tempo. No final do casamento, já estava de novo na noite. Vive sozinho.
Sua primeira vez com uma garota de programa foi acompanhando uns amigos quando cursava a faculdade. Pegaram meninas do tipo que ficam na rua. Nada marcante, nem bom, nem ruim. Aí começou a freqüentar boates. Há de todo tipo. Numas, há cabines, noutras é preciso sair para um motel; em algumas, o preço do programa é fixo, noutras combina-se com a menina à parte; às vezes elas vestem biquínis ou rendas e só, noutras tantas vestem-se como se fosse uma boate normal. Em média, uma noitada sai por uns 250 reais, mas é possível encontrar lugares onde saia por bem menos. Também há casos em que o preço é consideravelmente mais alto.
Não costuma falar muito sobre sua vida como putanheiro, mas sente que há mais receptividade hoje do que há dez anos. "Até um tempo atrás era mais complicado falar com mulheres sobre isso." Já levou duas amigas a casas de suingue.
Uma vez, conheceu uma moça numa boate convencional, em que tais serviços não se prestam. Não chegaram a namorar, viram-se constantemente por pouco mais de três meses. Codenys apaixonou-se, ela era vaga sobre o ramo no qual trabalhava – dizia ser algo como produção de eventos. Depois do desenlace, ficou sabendo que ela trabalhava numa clínica de massagens. Guardou algumas lições do caso: passou a respeitá-las mais e deixou de entrar de cabeça nas relações.
Não é que sinta ter perdido o interesse em relacionamentos. "Às vezes é legal ter a conquista mas também enche o saco. Você fica a noite inteira conversando para dar um beijo no fim, depois tem de ir a um restaurante pagar um jantar e só então pode ir a um motel." Gosta das boates como quem gosta de dançar ou de varar a noite num barzinho, mesmo que, no final, decida não sair com nenhuma das meninas.
Suzuki
Desde agosto, todas as quintas-feiras, Suzuki deixa seu escritório de moto e segue até o Casal e Companhia, um clube de suingue no Ibirapuera, em São Paulo. Só entram casais. A cada semana, acompanha-o uma moça diferente, sempre bonita, que contrata a uma média de 150 reais. Chega por volta das 21h e sai quando passa pouco da 1h – precisa trabalhar cedo no dia seguinte. Ao longo do período, mantém relações sexuais com tantas mulheres quanto possível. "O truque é não gozar", explica, "porque gozou uma vez, acaba."
As moças na casa podem ser outras garotas de programa ou mulheres que acompanham seus maridos – nunca está muito claro e é de bom tom não perguntar. Uma única vez, levou a secretária de um amigo que estava curiosa para acompanhá-lo e ver. Não gostou da experiência – teve de ficar com ela, só. Os casais espalham-se pelas cabines, saunas ou num único reservado onde não é possível que outros participem. Mas, mesmo neste caso, observar a atividade é franqueado aos outros através do entrelaçado das paredes.
Suzuki jamais tira a aliança – não vê motivo para disfarçar o casamento. Casou-se antes de completar vinte, sua mulher é mais nova. Hoje, tem 32 anos e um filho pequeno. Quando tinha sete anos de casado, envolveu-se com uma amiga da mulher, ela descobriu. Ficaram quase um ano separados. Quando tornaram a viver juntos, decidiu que amante, nunca mais – o envolvimento emocional, os telefonemas furtivos, a gerência das duas relações culminariam por certo em nova crise. Passou a contratar o sexo por hora.
Em São Paulo, conhece de tudo. Como o Predião, na Barão de Limeira. O cliente paga 10 reais para entrar e vai subindo os oito andares pela escada. Umas duzentas meninas trabalham ali e vão convidando o incauto que passa para uma das divisórias de 1,5 por 2 metros – o programa sai por uns 20 reais. Mas isto é para os tempos de dinheiro curto – ele costuma preferir a companhia de meninas que descobre pela Internet, que providenciam seus próprios apartamentos ou o acompanham para o suingue.
"Até hoje não me apeguei a nenhuma puta." Em termos – tem, na verdade, uma amante, uma menina de quem era cliente e que casou. Uma vez por mês ela liga, encontram-se. Não paga mais. "Mas você acredita em ex-puta?" Não há amor, há sexo. O sentimento é mútuo. Trata as meninas sempre bem.
Foi há uns dez anos que se envolveu pela primeira vez com uma garota de programa. Viu o anúncio de uma clínica de massagens no jornal, decidiu experimentar. Não sabia que sexo era um dos serviços oferecidos, mas não se fez de rogado. Da última vez que esteve na clínica, a moça ainda trabalhava lá. Após a reconciliação com sua mulher, fez das raparigas um hábito.
Com a mulher, mantém uma vida sexual ativa e comportada. É outra pessoa. Em casa, é o empreiteiro respeitável que trabalha oito horas por dia no escritório e em obras, orientando os peões para que o serviço saia bem feito. Quando chega do trabalho, espera encontrar o filho bem tratado e o jantar na mesa. "Pode dizer que sou um machista à moda antiga." Não dá motivos para que a mulher desconfie. Por conta do estresse, negocia um dia por semana de alvará – alvará de soltura, gíria de putanheiro. "Todo homem é putanheiro, está no sangue."
Antes de encantar-se pelo clube de suingue, costumava sair duas vezes por semana para TDs – test drives com as profissionais. Se não de noite, no intervalo entre a visita a uma obra e outra – "para trocar o óleo". Uma vez, seu irmão começou a namorar uma menina com quem já tinha saído. Apresentou-a para sua mulher, agiram como se não se conhecessem. Da mesma forma, foi apresentado à família da moça. "O mesmo medo que eu tenho é o medo que ela tem." Já cruzou com outras, conhece tantas, pela rua ou pelo shopping. Fingem não se verem. "Não pago pelo sexo, pago para irem embora." Suzuki não tem angústias.