Fonte original :
http://www.istoe.com.br/reportagens/111 ... FINO+TRATO?
N° Edição: 1875 | 21.Set - 10:00 | Atualizado em 14.Nov.09 - 17:38
Moças de fino trato
Lindas, bilíngües, com nível superior e contas bancárias recheadas, as novas garotas de programa trocam o cafetão pela internet
Juliana Vilas e Ricardo Miranda
Empresária de “eventos”, agenciadora de mulheres ou simplesmente cafetina, Jeany Mary Corner – a mulher que teria agenciado garotas de programa para políticos, com recursos das empresas de Marcos Valério – é a ponta do iceberg de um negócio de tamanho antártico que transformou a profissão mais antiga do mundo em uma máquina lucrativa. Em Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba, entre tantas cidades, mulheres lindas, jovens, bilíngües, com diploma, roupas de grife, carro da moda e até investimentos em ações vivem o fascínio – e também o preconceito – de ser a menor distância entre homens endinheirados e seus desejos. Em uma vida paralela, desconhecida pela família, trocam as apertadas repúblicas por flats caros e os anúncios nos jornais por sites especializados em acompanhantes de luxo, criando a figura do cafetão virtual. Em comum, a busca por dinheiro rápido, uma organização profissional do trabalho, com regras, horários e rotinas, e um atalho tortuoso até a elite brasileira.
Alicea, 23 anos, começou na profissão este ano. Enfermeira, pulou de um emprego num hospital público para o leito de um flat onde atende, na zona sul do Rio de Janeiro. “Faço isso por dinheiro, nunca ganhei tanto”, conta ela, que faz um curso de inglês intensivo para atender melhor os turistas que procuram seu “tipo exportação”: mulata, bonita, 1,60 m de altura e 105 cm de quadril. Bianca, nome de guerra da gaúcha de 21 anos, loira, 1,73 m e 63 quilos, escolheu o Rio para trabalhar. E se deu bem. Mora em um flat no Leblon, bairro nobre da cidade, tem carro importado na garagem, fala inglês e espanhol e cursa a segunda faculdade, de turismo; a primeira foi de comunicação. Há dois anos, trocou a profissão de modelo por um cachê mais fácil e rápido. “Não me considero prostituta. Para os meus clientes, sou psicóloga, orientadora sexual, mãe, amiga, massagista e guia turística”, enumera Bianca, que leva a sério essa última função. De olho na vocação mais óbvia da cidade, criou um “pacote sexo-cultural”. Por R$ 500, passa o dia com o cliente – começando por uma praia pela manhã, depois um tour nos principais museus da cidade e terminando com o gran finale. Religiosa, reza antes de cada programa. Politizada, acompanha as intempéries políticas e preocupa-se com o desaguar das denúncias que envolvem Jeany Mary e suas “recepcionistas”. Qual a Geni da música de Chico Buarque, Bianca também tem seus princípios. “Não deito com homem corrupto. Tenho nojo deles”, diz. “Eu acho que as meninas de Brasília deviam boicotar esses políticos safados. O problema é que eles são bons pagadores.”
Blog – Formado por uma extensa rede clandestina
que sobrevive a todos os governos, o negócio da prostituição passa hoje por mudanças significativas.
A internet revolucionou a relação das chamadas “modelos” com suas ditas empresárias. Muitas
já atuam por conta própria e contam apenas com
sua agenda de contatos e anúncios em sites especializados. A paulistana Bruna, 20 anos, por exemplo, só atende através do seu blog. Ali, na rede,
ela se agencia e compartilha com clientes e curiosos
o dia-a-dia de uma carreira que começou há dois
anos, quando, revoltada com pais supercontroladores, fugiu de casa. “Fingi que ia para a escola e saí andando sozinha pela cidade, com uma malinha e algumas mudas de roupa”, recorda. “Recortei endereços de casas noturnas no jornal e fui pedir emprego lá. Não era o ideal mas deu tudo certo,
graças a Deus”, completa.
Atualmente Bruna ganha cerca de R$ 5 mil por semana e divide um apê em um flat do badalado bairro de Moema, em São Paulo, com uma colega de trabalho, seu gato siamês e bonecas que coleciona da gatinha Hello Kitty. Para ela, a vida de messalina de luxo está com os dias contados. Até o final do ano, pretende se casar com o namorado, um ex cliente. “Mas depender de homem, nem pensar. Vou trabalhar, mas como agenciadora de acompanhantes pela internet.” A investida na sofisticada indústria sexual da internet é promissora.
Entre os sites especializados em encontros de luxo, está o Executivo Club, que ostenta orgulhoso uma relação que até há pouco tempo era mantida em reserva. Na seção “capa de revista”, além da tradicional descrição cintura-busto-quadril, aparece no currículo de cada uma das meninas as revistas onde posaram para ensaios – Sexy, Ele & Ela, Playboy etc. “Tem gente que quer menina bonita e desconhecida, olhos claros, do Sul. E tem quem prefira as famosas, mesmo que não sejam tão bonitas quanto as anônimas, só para contar para os outros”, diz um conhecido “empresário” do ramo, com um grupo de 40 modelos e outras “freelas”. “Nada é impossível, depende só do valor. Você me diz que garota quer e eu prometo fazer o convite chegar até ela. Aí te digo: sim ou não”, conta ele. Se a inquirida posou para revista, mas não foi capa, pode cobrar até R$ 2,5 mil por um dia de trabalho. Se for famosa, pode pedir até R$ 10 mil.
Nos eventos – A maioria dessas garotas de programa faz faculdade ou já se formou, muitas são de famílias de classe média e em quase todos os casos os pais não sabem o que fazem – para eles, elas, no máximo, “trabalham com eventos”. A faixa etária vai de 20 a 30 anos. “Elas querem dinheiro rápido. Mas não é fácil, como dizem. É o pior dinheiro que existe”, afirma uma empresária do setor, que foge dos holofotes como vampiro da luz. “A sociedade é hipócrita e falsa. Só existe um monte de garotas de programa porque existe um monte de clientes”, diz ela. “Todo mundo pode fazer parte do esquema. A garota do lado, a menina do shopping, a secretária do chefe, a boazuda da praia”, aponta outra empresária – “aposentada”, mas antenada com o mercado.
Analisando a crise provocada quando o senador Demóstenes Torres (PFL-GO) colocou o nome de Jeany Mary na roda, ela diz que Brasília “está de quarentena” esperando as coisas esfriarem. O foco voltou-se para São Paulo, considerada
meca do setor. “É a cidade onde existem eventos o ano inteiro”, explica. Para Elisiane Pasini, da ONG Themis Estudos de Gênero, a existência de prostitutas
de luxo só evidencia que as diferenças sociais também dividem essas profissionais. “As acompanhantes de luxo não se entendem como prostitutas e não admitem
ser comparadas com as colegas que se vendem nas ruas”, explica Elisiane, doutora em ciências sociais pela Unicamp. “Atender na rua é inadmissível, fim
de linha”, dizem.
Como toda pretty woman, sonham se apaixonar, casar e ter filhos. “Não sou garota de programa, estou garota de programa”, recita uma delas, repetindo o clichê. É difícil, mas não impossível. Um empresário do ramo conta que uma vez apresentou uma moça a um empresário português. Ele, recém-separado. Ela, no primeiro trabalho. Os dois se apaixonaram e vivem felizes para sempre – ou pelo menos até o fechamento dessa edição.