Eu particularmente gostei de o filme brasileiro escolhido para a disputa do Oscar, "O ano em que meus pais saíram de férias", não ter sido nem indicado.
Explico.
Esse filme, que até é bonitinho, dá pra levar a família pra assistir, traz carga nostálgica ao “Bomra Antigo”, mas não é algo que chame a atenção do mundo para a nossa realidade.
Na verdade, coincidência ou não, o filme do Cao Hamburguer segue um "manualzinho" de clichês e agrados à Academia Americana de Cinema: tem criança nos papéis principais (desde “Cinema Paradiso” não há ano em que não se use esse clichê), expõe a cultura judaica (os votantes são na maioria judeus? esse clichê é óbvio demais) e Copa do Mundo (Brasil é o país do futebol).
Mas não funcionou.
Por que?
Há quem diga que é porque não é um filme brasileiro, que é um filme que bem poderia ser feito em qualquer outro lugar, que não aqui.
Não rejeito essa tese. Ele me faz lembrar até o filme iugoslavo "Quando meus pais sairam em viagem de negócio", muito mais do que só título.
Mas acho que mais do que isso é porque, além de recheado de clichês "pra agradar Academia", a temática do filme é velha.
Essa história de contar "causos" passados na época da ditadura militar brasileira está "fora de moda". A idéia é batida, não choca mais.
Ao menos não quando realizado dessa forma convencional.
Fosse o filme feito no início dos anos 1980, durante o governo Figueiredo, causaria até um impacto, porque o mundo estava se voltando para o desrespeito à democracia pelos governos da América do Sul.
Basta lembrar que nos nos 1980 dois filmes sobre o tema ganharam Oscar: "Missing" de Costa Gravas e o argentino "A História Oficial".
O filme de Cao Hamburguer, no entanto, é uma versão "sessão matinê" do muito bom "Machuca". "O ano..." nem mesmo tem violência moral que o filme chileno mostra com certa originalidade.
Mais uma vez, os "homens da cultura" brasileiros subestimam os norte-americanos.
Com efeito, eles não são fregueses fáceis de enganar.
De qualquer forma, não dou tanta razão a quem acha que deveríamos ter mandado "Tropa de Elite" em seu lugar.
É um retrato mais fiel do Brasil, não há dúvida, mas acho que iria confundir um pouco a cabeça de quem ainda acha que Buenos Aires é a capital do Brasil e que a floresta amazônica fica no Rio de Janeiro.
O fato de "Tropa..." ter ganho o Urso de Ouro não me dá a impressão de que os europeus estejam mais a par da nossa realidade do que os americanos.
Acho mesmo que ganhou o Urso de Ouro porque Costa Gravas, que presidiu a banca, gostou do filme.
Tanto é assim que a crítica nos jornais europeus ao "Tropa..." foram muito parecidas com as que surgiram no Brasil, acusando o filme de fascista.
E o filme não deixa mesmo de ser fascista, essa é uma verdade.
O Capitão Nascimento não é um herói bonzinho, nem paladino da democracia. Ele faz o que tem de fazer - ou o que acha que tem de fazer -, custe o que custar e por cima da lei.
Disso não discordo.
Mas querem saber? Eu fui um dos que aplaudiu as cenas de incursão do BOPE na favela.
E não vejo porque me sentir envergonhado disto.
Para entender bem o que é o fenômeno "Tropa de Elite" tem de viver aqui e alcançar um certo grau de indignação com a criminalidade e a corrupção da Polícia.
Tem de ficar com a paciência no limite de ver a bandidagem ganhando a guerra, enquanto quem deveria fazer alguma coisa só se preocupa em "ganhar mais uns trocos".
Tem de chegar à conclusão de que esse discurso pelos direitos humanos é conversa pra boi dormir - e pra alguém ganhar dinheiro escuso com ONGs suspeitas.
Tem de achar que direitos humanos são pra quem é humano, característica abandonada por grande parte dos que estão no crime.
Por isso me parece improvável a compreensão do filme por quem viva em Zurique, se dedique a produzir vinho nas planícies de Bordeaux ou se divirta perdendo dinheiro nos cassinos de Montecarlo.
Num paralelo, acho pouco provável que alguém daqui do Brasil entenda o ódio descomunal entre sérvios, bósnios, kosovares e outros ex-iugoslavos. Igual idéia faço das guerras nos países africanos e do Oriente Médio.
Mas, então, não teríamos filme algum para ser enviado a concorrer o Oscar?
E qual o problema de não tê-lo?
Por que essa obsessão com o Oscar, se os nossos cineastas insistem em dizer que o público americano só entende mesmo o cinema americano?
Dos que se dizem “acima desse sonho infantil pelo Oscar” - porque a maioria só diz isso da boca pra fora -, a pequena parcela de autênticos peca ainda por desprezar o cinema americano, ignorando o que fizeram diretores como Billy Wilder, Nicholas Ray, Elia Kazan, George Stevens, Brian de Palma, Francis Coppola, John Ford, Stanley Kramer, John Huston, Woody Allen, Martin Scorcese, dentre outros.
Os filmes americanos, com todos os seus defeitos, têm o mérito de não dependerem de nenhum pseudo-experto para serem entendidos pelo grande público.
Diferentemente dos nossos desfiles de Carnaval.
Digam pra mim: alguém aqui conseguiria, sozinho, fazer correlação exata entre os motivos dos carros alegóricos e das fantasias dos integrantes das escolas de samba com o samba-enredo cantado, sem precisar ouvir a explicação de um apresentador de TV ao lado de um especialista em Carnaval?