Ritinha era apelido, mas não de infância. Na verdade era nome de guerra. Registrada como Maria Auxiliadora Santos Foltz, era chamada na infância pelo pai de Dôra e pelas vizinhas de Dorinha. Ela odiava ser chamada de Dorinha.
No primeiro dia de trabalho no Hotel Majestique atuou como Dorinha mesmo. Apresentou sua carteira de identidade na gerência, envergonhou-se da foto 3x4 e foi chamada pelo cafetão de Maria.
_ Maria são 50 reais a diária do quarto. O resto é seu.
Ritinha sempre foi chegada numa sacanagem e sempre aproveitou os tributos de seu belo corpo para ganhar um trocado. Fazia isso com os meninos da vizinhança no bairro de sua tia em Ibirité. Já trocou um boquete por um pacote de sucrilhos.
No segundo dia, logo cedo, perguntou a colega do quarto ao lado se ela tinha cara de quê.
_Uai minha filha, cê tem cara é de puta mesmo. Esse seu rostinho não engana.
Ritinha não se zangou, levou na esportiva.
_ Não Nêga, eu digo é um nome que assenta bem pra mim.
_ Ah, deixa-me pensar! Que tal Rita? Melhor Ritinha.
Ritinha acordava diariamente às cinco e meia da manhã. Menos domingo. Não precisava de despertador. Coava o café, comia pão dormido sem manteiga. O banho era demorado, mas se demorasse muito ela perdia a condução que levaria ela de Ribeirão das Neves até o centro da cidade. Gostava de chegar às oito horas em ponto no Hotel.
A média de programas por dia era 12. O lucro diário beirava uns 50 reais, descontando a passagem do ônibus, as refeições, camisinhas, cremes, papel toalha e outros. O dinheiro do aluguel era sagrado. Sagrado também era o dinheiro do cabelo. Que ódio, dizia ela.
Clientes bons, clientes ruins. Presentes não faltavam. De um advogado gorducho ganhava chocolates. De um dentista careca ganhava flores e gorjetas. Clientes de pé sujo, clientes de odores insuportáveis, clientes de gostos “exóticos”, clientes de todo tipo.
Mas nenhum cliente era igual o Francismar. O “Fran” como ela o chamava era um rapaz de 20 anos, branco, magro e que trabalhava no Armarinho Popular a cerca de 30 metros do Hotel Majetisque. Rapaz tímido e estranho, se assim podemos dizer.
Ele freqüentava o Majestique toda quarta-feira. Para ser mais preciso o quarto de Ritinha. Chegava sempre às 18hs em ponto, assim que largava serviço. Nem sempre achava a porta do quarto aberto. Mas sempre aguardava.
Na primeira vez que entrou em seu quarto Ritinha o tratou com educação. Ela pensou: O rapaz é novinho, deve gozar rápido. E falou o que sempre dizia aos fregueses de pouca idade.
_Cadê sua namorada, moço?
_ Não tenho.
Rapidamente Francismar já disse o que tinha que dizer.
_ Senhorita, eu não quero fazer essas coisas não. Vim aqui por que gostaria de ler a Bíblia Sagrada para você. É possível? (detalhe: ele carregava a Bíblia dentro da mochila)
_ O quê?
_ Isso mesmo, eu lhe pago o valor do seu atendimento para ler versículos da Bíblia para você e saio sem lhe tocar.
_ Menino, você pirou?
_ Que mal tem senhorita? É a palavra do Senhor. Prometo não passar de 10 minutos e ainda lhe pago o que você cobra para fazer essas porcarias aí.
_ Está bem. Que Deus nos perdoe.
No primeiro dia ele leu a parte em Gênesis que falava de Adão e Eva. Fez um pequeno comentário.
_Está bom meu filho, já passaram os 10 minutos. Obrigado. Disse Ritinha.
Francismar pagou e foi embora.
Voltou na outra quarta-feira, no mesmo horário e com a mesma proposta.
_ Meu filho, você está maluco. Aqui é um lugar promiscuo, lugar do pecado. Tanto lugar para você pregar a palavra de Deus e você vem logo aqui e justamente comigo.
_ Senhorita, qual o seu nome?
_ Ritinha.
_ Ritinha eu lhe imploro. Por favor!
_ Está bom. 15 reais, você tem?
Passara-se quase um ano e toda quarta-feira Franscismar ia até o quarto da Prostituta Ritinha ler a Bíblia que levava escondida dentro da mochila. Ritinha ouvia, olhava para o relógio e depois de dez minutos dispensava o Fran. Ele nunca a tocara. Mal olhava em seus olhos.
Ritinha se acostumara com a situação. Na verdade não gostava, mas tomou apreço pelo rapaz e não tinha coragem de brigar com ele. Ouvia, não entedia nada, pegava o dinheiro e depois que o menino saía do quarto, gritava:
_Próximo!!!!!!!!!!!!!!!!!
Chegou até o ponto de comentar com a amiga que escovava seu cabelo;
_ Marleide, cê acredita que tem um cara que me paga só para ficar lendo a Bíblia para mim.
_ Cruz Credo!
Marleide sabia do ofício da amiga.
Numa distinta quarta-feira de dezembro, próxima do natal, Ritinha estranhara o fato de Franscismar não ter comparecido ao seu quarto. Na outra quarta-feira também. Na outra também.
_ Ué, o rapaz da Bíblia sumiu.
Por curiosidade Ritinha resolveu passar no Armarinho para ter notícias de Francismar.
_ Senhor, por acaso trabalha aqui um rapaz branquinho que se chama Franscismar?
_ Trabalhava.
_ Como assim, o que aconteceu?
_ O patrão o pôs no olho da rua. Ficou sabendo umas coisas dele.
_ Que coisas?
_O que você é dele?
_ Nada, só conhecida.
Ritinha curiosa como ela só e não se fazendo por satisfeita quis saber o que sucedeu com o rapaz.
_ Moça. O atendente começou a falar baixo.
_Diga meu bem.
_ Andaram fofocando para o patrão que o Franscimar ia toda semana na Zona aí em frente e pagava só para uma puta enfiar o vibrador no cu dele. O patrão não gosta de viado.
_Sério? Tem cada doido nesse mundo né?
Depois desse dia Ritinha passou a não trabalhar mais nas quartas-feiras.
Chinelo Havaiana.
Verão de 2010.