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Fernando
"Clientes e garotas de programa mantêm fóruns virtuais para marcar 'test-drives', trocar idéias e comentar desempenhos
sexopago.com
por Pedro Doria
No carro de Gabrielle há livros para todos os lados. Leu todo "Harry Potter", "O Senhor dos Anéis" e as histórias vampirescas de Anne Rice ali, no trânsito, congestionada em um canto ou outro de São Paulo. O nome que usa, Gabrielle, tirou-o duma personagem de Rice. Ela diz ter 25, uma moça morena, alta, muito branca, olhos verdes; parece saída de um quadro do renascentista italiano Sandro Botticelli. Desde julho, troca sexo por dinheiro.
Gabrielle formou-se em administração e seguiu pulando de um emprego a outro, sempre por melhores salários, muitas vezes acumulando dois trabalhos, um de manhã, outro à tarde. Gastava de acordo. No final do primeiro semestre do ano passado, com uma lauta conta de cartão, foi demitida. Pegou um empréstimo pessoal num banco e, sem novo emprego, encarou um segundo empréstimo para pagar o primeiro. Não quis pedir nada aos pais, com quem mora, gente boa mas rígida, responsáveis. O dela é o primeiro diploma superior na família.
Foi no jornal, lendo a história de uma garota de programa, que teve a idéia. Coisa de impulso. Entrou na rede, buscou uma sala de chat sobre sexo e em uma hora de papo tinha quatro programas agendados, o primeiro para dali a uma hora. O cliente foi gentil, tudo menos difícil do que achava. Gostou, até. No segundo dia, arranjou na mesma sala de bate-papo um sujeito cujo fetiche era fotografar. Fotografou-a num quarto de motel, ela publicou as imagens na web. Gabrielle já pagou sua dívida, fez plano de previdência privada e junta todo o resto do dinheiro que ganha com dois programas ao dia, algo entre R$ 6.000 e R$ 9.000 reais por mês.
Seu terceiro cliente fez mais por ela. Entrou num fórum da rede dedicado a discutir a performance de garotas de programa e a resenhou elogiosamente. Há quatro desses fóruns na internet brasileira, três em São Paulo e um no Rio. O mais antigo é também o mais popular, existe há dois anos. Nesses ambientes virtuais, freqüentadores da prostituição dão nota para as moças que encontram na vida real, detalham seus encontros, oferecem links para fotos e celulares de contato. Cada garota de programa costuma ter dois telefones móveis: um pessoal, o outro para trabalho.
Por conta da resenha elogiosa, Gaby não parou mais de trabalhar. De manhã, deixa a casa dos pais, que nem imaginam a dupla jornada, e segue para um emprego tradicional, na central de suporte de um grande provedor de acesso. À tarde, dirige por São Paulo para o encontro com clientes em motéis que escolhe. Por conta do fórum, eles sabem do que ela gosta, felação, por exemplo, e do que não gosta, sexo anal.
Para que um programa funcione, ela carece de conversar um pouco com quem vem. "Tenho de perguntar a ele 'Como você está? Qual o seu ânimo?', se tem pressa, se é carente, sem essas coisas não sei me portar." De cada quatro, três lhe são agradáveis. O emprego da manhã, ela conserva para manter as aparências e porque não quer esquecer que dinheiro não vem fácil. "Se não tiver os dois, perco a estrutura."
Na adolescência, teve dois namoradinhos. O terceiro é que foi importante, ficaram juntos sete anos. Quando finalmente terminaram, tinha pouca experiência sexual e muita curiosidade. Um casal de amigos a convidou para acompanhá-los a uma casa de suingue, ela foi. Não faz nem um ano. A primeira hora foi um choque, nunca imaginou que veria tantas pessoas nuas, entregues ao ato, uma após a outra. Depois, acostumou-se. Descobriu que não liga muito para sexo com mulheres e que tinha um bocado a aprender.
Pescou do curso de administração as regras que aplica ao trabalho. Atendimento cortês ao cliente, ampla divulgação. Quando percebeu que o caminho para ser conhecida na rede passava pelos fóruns, inscreveu-se neles para interagir com a freguesia. Sua persona virtual é simpática e participativa, uma ativa conversadora.
Numa das áreas dos fóruns, são publicados os TDs, sigla para test-drive, gíria para os programas. A tela abre uma janela e nela há uma lista de nomes de meninas; o clique sobre uma delas leva às resenhas, dezenas e dezenas nos casos das favoritas. Quando alguém escreve algo novo, o nome da moça resenhada sobe ao topo da lista. As 38 mais recentes aparecem na primeira página, daí em diante é preciso ir navegando de 38 em 38 até a página 19. As garotas que calham de ficar mais para o fim dificilmente recebem ligações. Por isso, simpatia contumaz com os participantes do fórum gera novas resenhas, o nome da simpática fica próximo ao topo, há mais trabalho. Gabrielle é profissional no jogo.
Os donos dessas tribunas virtuais são obcecados pelo anonimato e ainda não apareceu quem ganhe dinheiro com o negócio. São diletantes. Nesse mundo, Gaby é tão profissional que parece veterana. Quando um deles decidiu criar um quinto fórum, não para os clientes, mas para as meninas, convidou-a para ser uma das moderadoras, o tipo que organiza a discussão e impede a pancadaria eventual.
A outra moderadora atende no ramo pelos nomes Ingryd Teodoro ou Stefani Shinaider. Diz que tem 24, uma morena voluptuosa de cabelos oxigenados, parece atriz numa cena de Fellini. Também vive com os pais, também é formada, na área médica, também trabalha de manhã, com crianças, num dos maiores hospitais de São Paulo.
Ingryd está na vida há mais tempo que Gabrielle. Num janeiro há dois anos, uma amiga curitibana que trabalhava nisso a convidou para atender uns clientes em dupla. Ela gostou do serviço. Quando a moça voltou ao Paraná, Ingryd herdou seu flat, em Pinheiros, e a secretária. Trata-se de uma senhora pouco além dos 40 que atende o telefone, mantém sua agenda, cuida da conta bancária, deixa bilhetes que termina com frases do tipo "te adoro" e dorme no flat mediante um salário e a amizade. De uma televisão ligada ao sistema de segurança na portaria, ambas vêem a cara do desconhecido que subirá antes de autorizá-lo pelo interfone. Então a secretária desce para que Ingryd se deite.
Antes, Ingryd Teodoro teve três namoros de vários anos, foi infiel em todos, nunca de forma comedida. Diz que não aprendeu nada quando virou garota de programa, já sabia tudo, a primeira relação foi aos 12. Desde pequenina, tinha fascínio, passava de carro pela Augusta à noite, via as moças de rua e perguntava "Quem são, papai, o que fazem?", e assim seu trabalho é também um pouco fantasia, um pouco seu desejo. Fez terapia durante um tempo, terminou na cama do terapeuta. Aí largou.
Mais ativa que Gabrielle, atende um mínimo de quatro, faz até sete programas por dia. O dinheiro já lhe rendeu a sociedade numa clínica de estética feminina, planeja comprar o resto tão logo possa: precisa de R$ 80 mil para isso. Retomou a terapia de novo, dessa vez direitinho. A questão é que gosta do que faz. Se um dia parar com a vida de garota de programa, não sabe como viverá sem a quantidade de sexo e a variedade de parceiros de hoje. "Meu prazer é vivendo a Ingryd."
Às vezes é difícil. Algum paciente, pode ser um guri de quatro ou cinco anos, morre de manhã e ela tem de servir clientes depois. Suas tardes servem de escape para a dureza que assiste todas as manhãs; mas não há escape quando chega a noite. Uma vez teve um acesso de choro, assim gratuito, não por nada, apenas veio, quando, dirigindo, voltava para a casa que divide com os pais, profissionais liberais que também desconhecem esse outro lado.
Ingryd e Gabrielle são amicíssimas de almoçar juntas quando dá e, se há briga de ciúme pelo cliente perdido, defendem-se uma à outra no fórum das garotas que dirigem com mão gentil. Inicialmente, era para ser só delas, mas os clientes vieram para ler o que podiam. O espaço que seria dedicado a resenhar não elas, mas eles, mixou por conta. Nenhuma quer perder o ganha-pão e, fora a denúncia de um ou outro caloteiro, não há quem se comprometa com críticas.
Mas há outras coisas a discutir. Gabrielle é toda politizada, tenta mobilizar as meninas, principalmente as novinhas, para que façam uma previdência privada, para que juntem dinheiro, tenta atiçar a discussão de como tornar legal seus trabalhos. A maioria não liga.
Ambas trabalham por conta própria, mas nem todas as garotas de programa são assim. Aquelas que atendem em casas especializadas, em vez dos R$ 100, R$ 150 por hora, muitas vezes fazem R$ 20, não muito mais. Se Gabrielle e Ingryd não trabalham quando estão indispostas, as meninas com patrão não têm escolha. E o fórum delas serve também a essas conversas. Na rede, aliás, terminaram por encontrar um lugar que não existia antes, que ajuda a filtrar melhor os clientes e pôr em discussão o que não era dito.
Até o fim do ano, pode ser que Ingryd consiga ser a dona de sua clínica de estética; será só dela e talvez, se tudo for bem com a terapia, chegue o momento de repassar o flat para uma nova garota. Gabrielle, que já pagou a dívida e agora junta dinheiro, pensa também num negócio próprio. Ainda não sabe o quê. Quem sabe, é uma das possibilidades, uma casa de massagens. Ela odeia a palavra, mas pode virar cafetina. E planeja tratar melhor as moças contratadas.
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