"Sequestrada para sonhar". - Autor: Tricampeão

Crônicas semanais sobre putaria

Regras do fórum
Responder

Resumo dos Test Drives

FILTRAR: Neutros: 0 Positivos: 0 Negativos: 0 Pisada na Bola: 0 Lista por Data Lista por Faixa de Preço
Faixa de Preço:R$ 0
Anal:Sim 0Não 0
Oral Sem:Sim 0Não 0
Beija:Sim 0Não 0
OBS: Informação baseada nos relatos dos usuários do fórum. Não há garantia nenhuma que as informações sejam corretas ou verdadeiras.
Mensagem
Autor
Fortimbrás
Forista
Forista
Mensagens: 3715
Registrado em: 06 Mar 2004, 20:42
---
Quantidade de TD's: 33
Ver TD's

"Sequestrada para sonhar". - Autor: Tricampeão

#1 Mensagem por Fortimbrás » 18 Jan 2011, 16:35

Trinta sonhos era o tributo que devia ser pago mensalmente ao Conquistador pelos habitantes de Portocalzoni.

No princípio, recorreram aos sonhos amontoados no tesouro municipal, fruto do dormir incansável das gerações pregressas. Com o passar dos anos, entretanto, os estoques atingiram níveis mínimos, e os portocalzonienses passaram a ser obrigados a comparecer ao Palácio do Governo para de viva e presente voz ofertar ao tirano suas venturas, suas perplexidades e seus terrores noturnos, pois de outra forma não sabia o ditador conciliar o sono.

Desejando dar boa impressão ao insigne governante, e também ao resto do mundo, pois o espetáculo do adormecer do Conquistador era televisionado ao vivo para mais de oitenta países, Portocalzoni designava para a tarefa os exemplares mais nobres da sua juventude: atores de novelas, atletas, modelos de passarela, cantores bregas, leitores de teleprompter, especuladores na bolsa, enfim, todos os que se encontravam temporaria ou permanentemente em evidência na mídia portocalzoniana contribuíam para que o irascível monarca desfrutasse um soninho de bebê após suas cruentas jornadas.

E assim, a cada noite um valeroso portocalzoniano percorria as amplas galerias do Palácio do Governo, ladeadas de obras de arte bravamente saqueadas pelo mundo afora, imponentes palmeiras centenárias e lojas de grife, atingia a alcova do tirano após atravessar a ponte pênsil sobre o fosso de óleo fervente e os três labirintos consecutivos que a separavam do exterior, introduzia-se no recinto onde era aguardado pelo médico pessoal do Conquistador, Dr. Pancho Vásquez, que lhe ministrava os necessários soporíferos, despia as roupas de grife, vestia o pijama de grife, deitava-se na antiga cama de ferro trabalhado do século dezoito requisitada por decreto a um fazendeiro da região e dormia e sonhava.

Mas os jovens abastados de Portocalzoni passavam o dia no salão de beleza, no bistrozinho da moda ou em frente à televisão, e os sonhos que sua esgarçada imaginação engendrava eram todos muito parecidos, o que acabou por desagradar ao exigente mandatário. E cada vez que um infeliz visitante relatava mais uma intriga inverossímil, um outro caso de gêmeos separados no nascimento, uma nova aventura de pobre que virou rico, espumava de cólera o Conquistador, frustrado em sua expectativa de ouvir algo que desviasse sua atenção dos crimes cometidos naquele dia e lhe permitisse repousar, e primeiro bramia um bramido como mil trovoadas, e depois amaldiçoava em termos veementes o inepto sonhador e toda a família deste, e em seguida convocava o chefe do Judiciário de Portocalzoni, licenciado Manolo Rodríguez, e o mandava redigir novo decreto que confiscasse as propriedades da família caída em desgraça, e depois ordenava a apensão de uma cláusula que detalhava as sevícias a que seus integrantes deveriam ser submetidos, e então devorava o infeliz pra ver se de barriga cheia conseguia dormir, e usava o sangue para assinar o decreto, desfecho que deleitava sobremaneira aos telespectadores dos demais oitenta países e enchia de apreensão os munícipes, e que era na minha opinião o principal responsável pela enorme audiência obtida por esse programa televisivo, apesar do horário adiantado em que era transmitido.

A juventude proeminente de Portocalzoni foi escasseando, e as autoridades viram-se na contingência de enviar ao Conquistador membros menos destacados do jet-set local. A escolha coube ao eminente jurista e chefe do Judiciário, licenciado Manolo Rodríguez, que deliberou que a cada noite a polícia raptasse uma trabalhadora de alguma casa de tolerância que estivesse em atraso com os impostos, taxas e/ou propinas devidas, vestisse-a com o apuro de uma dançarina de axé e a mandasse à alcova do tirano ao encontro da morte.

Não me lembro direito qual era o nome de guerra da primeira puta que foi atirada compulsoriamente no convívio do Conquistador. Infelizmente, a memória me falha nesse ponto, tudo isso se passou há muitos anos. Fábia, talvez, ou Pepita, ou Chérom, sim, acho que Chérom era o que usava naquele tempo.

Enquanto subia as luxuosas escadarias de granito do Palácio do Governo, a puta não lamentava sua sorte. Não posso alongar-me na descrição dos pensamentos que voaram pela sua cabeça nem dos prodígios arquitetônicas do edifício, mas cumpre mencionar que, mais do que a carroça que carregava os cadáveres dos executados naquela manhã, chamou sua atenção a ausência de mendigos sob as portentosas marquises, e que, mais do que a azáfama dos soldados que violentavam as aldeãs cujas casas haviam queimado naquela tarde, suscitou seu assombro a quantidade de funcionários que acendiam os lampiões, lavavam as lápides, poliam as espadas cerimoniais e espanavam a poeira dos retratos que contavam pormenorizadamente a vida do Defensor da República, e que, mais do que o chafariz com o leão de mármore que despejava uma torrente de sangue pela boca, aterrorizou-a o som do ar condicionado que mantinha os vinte e oito hectares do prédio na temperatura requerida pela saúde debilitada do Herói da Revolução.

Encontrou o Conquistador sentado numa cadeira de encosto alto, voltado para a porta, a alva cabeleira hirsuta, os olhos vermelhos pela vigília tenaz, uma baba de ódio escorrendo pelo canto dos lábios, a escrivaninha ao lado apresentando marcas de dentes, certamente frutos da impaciência do tirano, o pijama azul marinho de bolinhas brancas que já conhecia da televisão, meias e polainas em tom pastel, e ao fundo o médico pessoal do Conquistador, Dr. Pancho Vásquez, que a aguardava com os fármacos preparados para pronta administração. A puta quase sucumbiu ao hábito e pediu ao ditador para ir tomar um banhinho enquanto ela postava umas fotinhas na Internet, gato, deslize que certamente acarretaria funestas consequências naquele momento tão solene, pensou em dar um selinho para melhor predispor o cliente, pois no fundo era assim que o via, na sua simplicidade de operária sexual, apenas mais um cliente, mas saber-se observada por milhões de pessoas e possivelmente narrada por Galvão Bueno e comentada por Falcão e Casagrande constrangia-a ligeiramente, procurou então relaxar e agir com naturalidade, e sem aguardar pela intervenção do médico pessoal do Conquistador, Dr. Pancho Vásquez, e suas drogas infalíveis, foi logo tirando a roupa e deitando-se na cama inteiramente nua, como sempre havia feito, o que deu ensejo a notáveis comentários não apenas de Falcão e Casagrande mas também de Arnaldo Cézar Coelho, que por limitações de espaço aqui não reproduziremos, limitando-nos a assinalar a estupefação que tomou conta do médico pessoal do Conquistador, Dr. Pancho Vásquez, agora é que o bode velho não dorme mesmo, ressoou seu íntimo pensamento pelos alto-falantes ligados à máquina de ler pensamentos escondida debaixo do vaso de samambaias, bem como a imediata e providencial intervenção do preclaro jurisconsulto e chefe do Judiciário, licenciado Manolo Rodríguez, que sugeriu que o Guardião das Liberdades de Portocalzoni aproveitasse a ocasião e fizesse um programinha com aquela puta safada, sugestão que, por sábia e inegavelmente bem vertida em palavras pelo fiel auxiliar, foi imediatamente acatada.

O Conquistador, que só tinha até aquele momento praticado o doce esporte do sexo com as insípidas flores da sociedade portocalzônica, levou tal surra de buceta que adormeceu logo que os sonhos da puta começaram a acariciar seus ouvidos. Sonhos maravilhosos que ele nunca antes havia escutado semelhantes: Chérom no altar com um pagodeiro de cabelos oxigenados, Chérom encontrando uma fonte de colônia Victoria's Secret no meio do deserto, Chérom passando perto do sofá e o namorado daquela bruxa da Karolâine olhando e tomando um beliscão. A vadia caiu nas graças do ditador. Que passou a querer foda todas as noites, antes da sessão de sonhos. Fascinado na mesma medida pelo sexo canalha e pelos sonhos inauditos proporcionados por aquela estranha mulher, não apenas casou-se com Chérom e fez-lhe uma filha, como também decidiu aventurar-se pelos puteiros em busca de outras fêmeas da mesma estirpe.

A partir daí, precipitaram-se os acontecimentos. O velho passou a ser visto todos os dias nos lupanares, a princípio acompanhado pelo seu médico pessoal, Dr. Pancho Vásquez, e pelo chefe do Judiciário, licenciado Manolo Rodríguez, e depois acompanhado apenas pelos amigos Pancho Vásquez e Manolo Rodríguez, que se viciaram em putaria também, e dos puteiros passavam aos botecos para comer empanadas a altas horas da madrugada, e durante o dia dormiam e falavam de mulher e reclamavam dos altos preços que as putas andavam cobrando, e com isso as verbas do Exército foram sendo desviadas para a subvenção da atividade putanhística dos altos escalões da República, e depois os funcionários de segundo escalão encontraram também um meio de desviar recursos para financiar-se a eles próprios, e os territórios vassalos foram paulatinamente se libertando por meio de sangrentos levantes, e os agricultores voltaram aos magotes para as terras das quais haviam sido expulsos, e as ditas terras foram adubadas com os restos mortais dos que tombaram em combate, o paiol de pólvora foi transformado em escola agrícola, os tanques de guerra fundidos para deles fazerem-se enxadas, arados e, imaginem, flautas, e depois os funcionários de terceiro escalão lograram também eles usar a munificência dos cofres públicos para subsidiar-lhes as lides putanhísticas, e hoje os pesados escudos de bronze da milícia pessoal do ex-ditador servem de bebedouro aos pombos que visitam as ruínas do antigo Palácio de Governo.

- E o que aconteceu com a Chérom, mamãe?

Continuou sonhando, minha filha, sonhando com safáris em florestas inóspitas, com perversões sexuais em um harém clandestino, com céus estrelados, com ilhas abandonadas, com tesouros enterrados, sonhando até com aquela vaca da Karolâine, pois que toda la vida es sueño, y los sueños sueño son e agora trata de dormir pois já é quase manhã e eu preciso acordar.

Link:
Esconder link da mensagem
🔗

Fortimbrás
Forista
Forista
Mensagens: 3715
Registrado em: 06 Mar 2004, 20:42
---
Quantidade de TD's: 33
Ver TD's

Re: "Sequestrada para sonhar". - Autor: Tricampeão

#2 Mensagem por Fortimbrás » 18 Jan 2011, 16:44

Caros amigos.

Confesso que nunca espero nada menos do que algo muito bom quando o que se está falando é uma crônica do Tricampeão. O cara é o Pelé desta porra.

Confesso que , desta vez, o cara se esmerou. Não é qualquer mané que mistura putanhismo fantástico, reality shows, comentários de CalçaGrande com algo que me remeteu imediatamente a um dos maiores clássicos da literatura universal - " As Mil e uma noites " - aqui devidamente revestida com algo de Borges e Garcia Marques.

Uma leitura como essas é como aquele sorvete - e aqui temos o gordalhão submetido a um regime ávaro falando - que você faz questão de saborear com aquelas colherinhas de café, pra ver se demora mais pra acabar.

Coisa de gênio.

Link:
Esconder link da mensagem
🔗

pepsicool
Forista
Forista
Mensagens: 3084
Registrado em: 02 Abr 2010, 19:14
---
Quantidade de TD's: 75
Ver TD's

Re: "Sequestrada para sonhar". - Autor: Tricampeão

#3 Mensagem por pepsicool » 18 Jan 2011, 17:05

Realmente muito bom.Tem grande facilidade em "costurar" realidade com ficçao.Lembrou-me tbm ,Gabriel Garcia Marques em "Cem anos de Solidáo".

parabens



Link:
Esconder link da mensagem
🔗

Avatar do usuário
Nazrudin
Forista
Forista
Mensagens: 7313
Registrado em: 22 Mai 2005, 19:50
---
Quantidade de TD's: 441
Ver TD's

Re: "Sequestrada para sonhar". - Autor: Tricampeão

#4 Mensagem por Nazrudin » 18 Jan 2011, 17:56

"Mil e uma noites" foi uma analogia acertada, a brinadeira com o título de Garcia Marques, "Me alugo para sonhar", mas em determinado momento lembro-me de que me veio "João e o pé de feijão" como referência. Muito bom, o que mais gosto na literatura do Trica é essa generosidade para com os causos - diários e ininterruptos - do GPguia. Também o "fio da navalha" pelo qual ele nos deixa pendurados, não se sabe ao certo o que é ironia, projeção, crença, crítica ou criptografia. Sempre um prazer a leitura.

Link:
Esconder link da mensagem
🔗

Peter_North
Forista
Forista
Mensagens: 4809
Registrado em: 24 Jun 2005, 15:01
---
Quantidade de TD's: 190
Ver TD's

Re: "Sequestrada para sonhar". - Autor: Tricampeão

#5 Mensagem por Peter_North » 22 Jan 2011, 12:07

"putanhismo fantástico" é a melhor forma de descrever essas obras do Trica. Parabéns! Excelente como sempre.

Link:
Esconder link da mensagem
🔗

leteseu
Forista
Forista
Mensagens: 20038
Registrado em: 17 Set 2002, 18:23
---
Quantidade de TD's: 36
Ver TD's

Re: "Sequestrada para sonhar". - Autor: Tricampeão

#6 Mensagem por leteseu » 22 Jan 2011, 17:51

Aquele cursinho de técnicas de escrever textos que a adm te pagou até que enfim está rendendo elogios hein senhor caracóis.

Link:
Esconder link da mensagem
🔗

Responder

Voltar para “Crônicas”