Mais um da série adaptações de romances...
UM OLHAR DO PARAÍSO (THE LOVELY BONES, no original cinematográfico e literário)
Direção: Peter Jackson (Senhor do Anéis, King Kong...)
Ano: Sei lá...
Elenco: Rachel Weiz, Susan Sarandon, Mark Wahlberg, etc...
Lembro-me de, há uns cinco anos atrás, ler numa das edições da revista SET (da qual alguém por engano fez a assinatura no meu endereço e só cancelou depois de um ano
) a lista das adaptações de romances mais aguardadas. Entre elas, estava o tão comentado sucesso literário de uma escritora americana chamada Alice Sebold. Até então só conhecia o livro de ouvir falar e confesso que o fato de ele ter se tornado um best-seller e tanta gente estar falando bem dele me afastou de conhecê-lo por mais um ano e meio; como já comentei em outros posts tenho uma profunda desconfiança daquilo que a maioria gosta (ou acha certo) ainda mais quando é uma obra que cai no gosto popular, o mainstream. Preconceito? Talvez (nesse caso específico foi), mas eu diria mais que tenho um gosto meio particular e não vou simplesmente engolindo o que me colocam na garganta.
Deixei passar o frenesi inicial (por motivos financeiros também, pois consegui achar o mesmo livro um ano depois pela metade do preço num sebo), revisei as resenhas e percebi que os elogios se concentravam principalmente no estilo poético da narrativa e menos no enredo em si (bem banal).
Comprei-o e, se não foi o melhor livro que já li na vida (não chegou nem perto) estava longe da mediocridade de um Código Davinci ou Crepúsculo da vida.
Foi, então, com uma certa expectativa e apreensão que aguardei pela adaptação aos cinemas; e acima de tudo curiosidade, despertada principalmente pela nomeação de Peter Jackson como diretor. Só o conhecia da saga Senhor dos Anéis (embora não tenha assistido nenhum filme da série) e de King Kong, e me perguntei o que um diretor que construiu sua carreira com filmes, digamos, épicos, cujos principais méritos (fora a magistral adaptação e suas longas durações) eram os efeitos especiais, faria com uma obra mais simples, intimista.
Mas se a fama de muitos diretores é construída através de seus maiores sucessos, qualidades insuspeitas (e interessantes) de alguns é descoberta através de pequenas pérolas esquecidas do grande público - a de Peter Jackson é um filme chamado Almas Gêmeas (Heavenly Creatures), um drama lésbico fantasioso com Kate Winslet, em começo de carreira, num dos papéis principais.
O que um filme tem a ver com outro? Muito. Temas diferentes mas abordagens e estruturas similares.
Vamos às estórias: Heavenly Creatures retrata a estória de um romance lésbico entre duas adolescentes inglesas nos anos 50 que, quando da descoberta de suas famílias e uma tentativa de afastá-las, culmina num homicídio. Ao contrário do que se poderia esperar numa trama desse tipo não há propriamente uma exploração do tema da homossexualidade, preconceito, nem se levanta bandeira alguma; como diz o título original (Criaturas Celestiais) o romance entre as duas é algo puro, ingênuo, assexuado, mais próximo daquela idealização da alma gêmea (feliz tradução para o português) do que de um namoro lésbico dos dias atuais. Há um crime, mas não se envereda pelo caminho do filme policial ou thriller, uma vez que ele é cometido apenas no final do filme e não há dúvida de quem o cometeu. Peter Jackson, através do uso de cores e efeitos especiais modestos, mostra como, pouco a pouco, as mentes criativas das duas garotas alçam voo e se infiltram em todos os campos das vidas delas, até tirar-lhes os pés do chão de tal forma que quando confrontadas com a realidade não lhes resta meios de defesa senão a violência.
The Lovely Bones fala da bomba que explode numa cidadezinha suburbana americana e no coração da família Salmon quando Susan, a filha do meio, desaparece e é dada como morta após um cão encontrar-lhe apenas o cotovelo num milharal. Tudo ocorre em meados dos anos 70 e, como narra a própria Susan do limbo onde sua alma se encontra antes de rumar para o céu, esse tipo de crime não era comum; daí compreende-se o clima de negação, a desorientação dos policiais e o choque posterior na descoberta do que realmente aconteceu.
Já adianto: The Lovely Bones falha tanto em agradar os fãs do livro quanto quem nunca ouviu falar de Alice Sebold. O livro do qual o livro se origina foi o doloroso despertar artístico dessa escritora americana que usou com base uma experiência pessoal - o próprio estupro do qual foi vítima quando fazia faculdade. Ao invés de simplesmente fazer uma obra-terapia, narrando o acontecido e como superou isso, ela imaginou como seria tal experiência para uma criança que, grande sacada, não tivesse sobrevivido e passasse então a acompanhar a desintegração de sua família. É disso que o livro trata. Há um crime, mas não é romance policial, já que como nos livros de Patricia Highsmith o assassino é conhecido desde o começo. Há pedofília mas em nenhum momento isso é explicitado, principalmente porque o criminoso (Mr. Harvey) não tem voz e é até humanizado no livro que, longe de querer desculpá-lo, mostra brevemente seus traumas de infância. Os eventos se passa nos anos 70 mas não se cita acontecimentos daquela época. Tudo na estória é intimista e pertence àquela família, mais ainda a Susie.
Peter Jackson acerta na escolha da atriz com seus enormes olhos verdes, rosto grande e meio infantilizado assim como o corpo de pré-adolescente à moda antiga (seco e reto) mas, como o livro é mais detalhista no dia-a-dia, pensamento e aspirações da protagonista tem-se a impressão de que a Susie no papel é mais nova que a da tela (impressão que poderia ter sido corrigida se escalando uma atriz de aparência ainda mais infantil); o filme passa de forma ligeira pela vida escolar dela, em especial no flerte com o garoto indiano de beleza exótica e sensibilidade acima da média - no livro, porque no filme os cabelos encaracolados e roupas escuras não dão exoticidade suficiente ao tipo boa-pinta do rapaz. O assassinato no filme, assim como no livro, não tarda a acontecer e logo vemos Peter Jackson usando e abusando de efeitos especiais coloridos e de gosto duvidoso, toscos eu diria para mostrar o ponto de vista de uma criança ou pré-adolescente em seu céu. Mas os dados não batem. Não consigo (e acho que muitos não conseguiram) casar os cenários e delírios celestiais infantis com a garota que se vê na tela - os poucos adolescentes que devem ter visto o filme se identificaram menos ainda. Mark Wahlberg e Rachel Weiz (ótimos atores nas mãos certas) estão subaproveitados; mais fragrante ainda é Susan Sarandon em cena, uma das poucas que brilham um pouco mas bem aquém do habitual. Mr. Harvey, que no livro aparece, sim, estereotipado como o sujeito esquisito, solitário, abusado na infância e que acaba se tornando um pedófilo-serial-killer, perde o pouco de humanização do livro (devido a uma certa benevolência da própria Susan que acompanha de perto a urgência dos impulsos assassinos dele e seus anos de infância) e se torna simplesmente um monstro desprezível.
Concluindo, o filme tem duas horas que passam voando (no mau sentido) e explica talvez a pouca divulgação no lançamento e o fato de ter passado em brancas nuvens no cinema e ido logo para DVD.
Nota:6.