Esta mensagem foi psicodigitada por uma médium. O ideal seria um médium, mas o único disponível era aquele bicha que vende livros fajutos. Assim, tive que dispor de um corpo feminino, que trabalha em um centro de quimbanda, mais afeita à minha índole. Estranho é que sendo um corpo feminino, está usando um OB já encharcado, o que me incomoda deveras.
Digo que a mensagem foi psicodigitada porque, infelizmente, não pertenço mais a este mundo. Passei desta para pior, até porque nunca esperei que iria para o céu depois que batesse a cachuleta.
Ocorreu que eu habitava o corpo de Julius, um homem de boa índole, mas hesitante em resistir aos prazeres da carne. Era seu alter-ego e pouco a pouco fui me apoderando daquele corpo. Comecei de leve, apenas sugestionando alguns atos pueris e pouco a pouco passei a aumentar minha influência. Tudo teve início em um momento de cólera, do qual me aproveitei. Sem que Julius percebesse e até porque achasse curiosa, conveniente, divertida e prazerosa a minha presença, fui afastando aquele caráter politicamente correto, mas enfadonho, até que me vi totalmente dominador. Atingi meu apogeu no GPGuia, onde pude divulgar minhas idéias iconoclastas e epicuristas, agindo como um nobre e influente sibarita. Conheci pessoalmente meus pares e meretrizes de toda as matizes e me deleitei, chafurdando no escárnio.
Todavia, nada é eterno. Um dia, Julius acordou de sua letargia. Percebeu que minha dominação lhe era deletéria, porque eu dominava seu tempo, suas ações e seu corpo. Percebeu que o que eu escrevia, enquanto o utilizava como um cavalo, como se diz nos terreiros de umbanda, influenciava outros, que viam em meus escritos uma inofensiva ode aos prazeres da vida, como se isto fosse algo sem maiores conseqüências. Mesmo que recolhido num canto, viu-se alertado por um forista e percebeu que me deixava incitar a intolerência e divulgação de comportamento e idéias que poderiam levar à ruína de muitas famílias, pois a palavra escrita influencia e inspira ações. Sem muita cerimônia, Julius limitou-se a dizer que não me agüentava mais, agradeceu pelos bons momentos e apunhalou-me, ferindo-me de morte. Disse adeus às amantes que eu tão zelosamente selecionei e angariei e retornou feliz ao recesso de seu lar onde, segundo me disse, seria verdadeiramente feliz.
Estou aqui psicodigitando esta nota de falecimento, porque sei que alguns se perguntariam onde afinal eu teria me enfiado. Pois estou aqui, enfiado no túmulo nº 666 do Cemitério da Quarta Parada, justo eu que detesto a Zona Leste.
Julius, por seu lado, está tentando reunir os cacos do que restou de minha passagem, para colá-los com Super Bonder e ver o que consegue extrair desse vaso partido. Azar o dele, afinal, quem mandou escutar o meu chamado?
Hoje estou aqui, jazendo nesta lúgubre morada, à espera de quem possa me acolher. Aceito visitas, seja de meus amigos putanheiros e das putas que me consideram e até mesmo das que me detestam, porque assim vive e morre um canalha. Aceito oferendas de whisky escocês e pétalas de flores trazidas pelas putas, mas só para dar uma melhorada no aspecto de minha cripta. Até você Bebeloira, se quiser pode visitar minha última morada e levar-me aguardente de malte, flores e um torresmo à pururuca. Peço apenas que não se debruce sobre a laje, porque apesar de reforçada, ela pode ceder ao seu peso.
Sentirei falta de todos.