"Daslu só dá certo porque Brasil é desigual", diz filósofo
Carolina Vasone
UOL Moda
FI/Moacyr Lopes Junior
Interior da nova Daslu, que tem inauguração só para convidados no sábado (4) e abre na quarta (8)
A partir da próxima quarta-feira (08), a tão esperada nova Daslu abre as portas para o público (no sábado, 04/06, acontece uma pré-abertura para convidados). Os 20 mil metros quadrados de "luxo e riqueza", com venda de helicópteros (um deles pendurado no meio da loja), lanchas, apartamentos em Miami e Nova York, e claro, roupas que podem custar o preço de um carro ou o sinal de um imóvel, solidificam, embalados no enorme prédio neoclássico à beira da Marginal Pinheiros, mais do que o sucesso, a febre do consumo de luxo no Brasil.
Há quem diga que o fenômeno Daslu é único no mundo. "Não existe loja em nenhum país que venda apartamento, lancha e roupa no mesmo lugar. O prestígio e o luxo como tudo é apresentado também não têm comparação em relação a outros magazines", diz Carlos Ferreirinha, consultor em mercado de luxo e coordenador do MBA "Gestão do Luxo", da Faap (Fundação Armando Álvares Penteado).
Os números da "Villa Daslu", como foi batizada a versão mega do empreendimento que começou há mais de quarenta anos na casa da mãe da dona, Eliana Tranchesi, fazem o possível para comprovar esta idéia. O investimento é estimado em R$ 200 milhões (a Daslu não divulga esse tipo de dado), com 120 grifes representantes do que há de mais glamouroso na moda. A Chanel, por exemplo, abriu seu maior espaço da América Latina, com 200 metros quadrados, dentro da loja. Marcas como a própria Chanel e Galliano fizeram peças exclusivas especialmente para vender na Daslu (no caso da Chanel, são camélias em tons mesclados de verde, amarelo e branco, no de Galliano, uma camiseta bordade de flores azuis e brancas). Isso sem contar outros itens vendidos para pouquíssimos, como o carro Masserati de R$ 760 mil exposto no andar dedicado aos homens, o terceiro dos quatro do prédio.
O êxito da empreitada é realmente impressionante. Principalmente porque o Brasil não é a Suíça.
Na realidade, o país está, segundo dados divulgados pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) na última quarta (1), muito mais próximo da paupérrima Serra Leoa, na África, que tem a pior distribuição de renda do mundo. O Brasil fica um pouco à frente, como a segunda nação com o maior abismo entre ricos e pobres. "A Daslu só dá certo por causa da desigualdade no Brasil, onde 1% da população detém o equivalente à renda de 50%", afirma Renato Janine Ribeiro, professor de Ética e Filosofia Política da USP.
Segundo o filósofo, o luxo só funciona na base da desigualdade e na sensação de ser "único" para ser "melhor". "O fenômeno da Daslu tem a ver também com o descompromisso social do rico brasileiro.
Ele pode achar perfeitamente normal pagar R$ 30 por hora de estacionamento (preço cobrado dos que não recebem o cartão de cliente da loja), sem se preocupar com o fato disso equivaler, em muitas regiões do país, a uma semana de trabalho de um brasileiro", completa.
Para Janine Ribeiro, o gasto desmedido com o luxo é prova de que os "ricos deveriam ser menos ricos". "Mesmo tendo dinheiro, ele deveria ser gasto em coisas mais importantes, como na educação dos filhos e em doações para instituições como museus, por exemplo", diz.
Doutora em Filosofia pela USP, professora de moda do Centro Universitário Senac e da Faculdade de Artes Plásticas da Faap, Magnólia Costa tem opinião parecida com a de Ribeiro. "O consumo excessivo de bens luxuosos é uma falta de ideologia pessoal de que proveito tirar do dinheiro", acredita. "Não que a Daslu seja culpada de algo. O comércio é apenas o pólo catalizador desse comportamento", completa.
Maior representante do gênero, a Daslu não é a única a mostrar provas irrefutáveis de que o brasileiro compra sem dor na consciência neste setor. A loja no shopping Iguatemi da Louis Vuitton, uma das marcas mais copiadas mundialmente e ícone de status por meio da moda, é a segunda da grife que mais vende no globo. Já a loja brasileira da cobiçada marca de jeans Diesel foi a que mais vendeu de todas as suas filiais no mundo em 2004, passando para trás endereços em países ricos como França, EUA e Inglaterra.
Diretora de Marketing do IBModa (Instituto Brasileiro de Moda), Luciane Robic tem uma explicação para este boom do consumo de luxo no país. "Sempre tivemos potencial, mas agora o acesso é maior", acredita. A compra desenfreada de artigos luxuosos, no entanto, é uma tendência em pleno declínio mundial, diz Robic. "Aqui, a gente compra para ostentar. Em outros países, começa uma preocupação em usar o luxo não para mostrar, mas para viver melhor", conclui.
Enquanto não passa a moda de sair por aí carregando uma mala de dinheiro vestida no corpo, a clientela de lojas antes exclusivíssimas para uma parcela milionária da população cresce. "Quem está no topo (dos endinheirados) não consegue sustentar toda essa máquina. O futuro (do luxo) é a classe média. Aliás, a classe média já compra na Daslu", afirma Carlos Ferreirinha.