Vocês podem estranhar minha presença neste espaço, afinal não passo de uma alma penada. Alma penada sim, mas minha energia vital não está totalmente esgotada, de forma que ainda sinto os eflúvios vindos desse mundo de expiação e provas habitado pelos caros colegas.
Aqui em minha cripta as coisas andam movimentadas. Vez por outra saio, dou uma volta pela necrópole para encontrar alguns amigos. Estou até agora procurando pelo meu herói, o Spirit, mas o pessoal daqui já me disse que ele só aparece quando o Will Eisner, seu pai, resolve flanar até as necrópoles brasileiras. Fico no aguardo.
Na igreja - sim eu entrava em igrejas, mas somente nas missas de sétimo dia, batismos casamentos e crismas - sempre me disseram que a morte é o descanso eterno. Bem, não é, principalmente quando a Bebeloira resolve aparecer para rogar-me pragas e certificar-se de que estou realmente com as narinas cheias de algodão. Não suporto mais ver aqueles ridículos bonequinhos de voodoo castrados e com um alfinete no cu, que ela teima em jogar em meu túmulo. Mas vou avisando que não adianta nada, pois sou espada até na morte e se não tenho o perispírito fechado (corpo já não há), garanto que pelo menos meu cu, ainda que energético, está bem vedado.
Não me é permitido visitar o andar superior, tenho acesso apenas ao subsolo. Tem muitas putas neste lugar, o que a princípio poderia ser uma vantagem. O problema é que as putas aqui do inferno têm, todas elas, a cara da Vanessa Vanelli, não importa como elas foram em vida. Por isso é que é o inferno. O máximo que eu consigo fazer é conversar e, pelo que pude apurar, as que aqui estão foi porque mandavam outras colegas no lugar, cobravam adiantado, faziam hora de 50 minutos, esmeravam-se no PPP e exigiam adicional para tocar o lado B do disco. Merecido.
A vantagem de morar por aqui e este é meu consolo, é o fato de encontrar muita gente que me criticava e irritava, hoje são colegas de desventuras. O que tem de pastores evangélicos, padres, beatas, motoboys, deputados, senadores, cantores de axé/sertajenos/pagode, atendentes de telemarketing é uma enormidade. Disse-me o Dr. Coisa Ruim, meu chefe, que eles ao mesmo tempo que pagam penitência, são instrumentos do castigo Divino aos outros moradores. Não fosse isto suficiente, na televisão daqui só passam programas policiais vespertinos, “Fala que eu te escuto”, “shoptime”, jogos do Íbis e do Arapiraca, horário eleitoral gratuito e discursos políticos de Fidel Castro, Hugo Chaves, George W. Bush e Leonid Brejnev. Os do Brejnev ninguém entende, mas o castigo é ficar olhando a cara dele.
Se precisamos ir a algum lugar, somente podemos utilizar a frota de Fiat 147 a álcool, com o rádio chiando em uma estação em que o Pastor Davi Miranda faz um exorcismo com tradução simultânea para o espanhol.
Realmente, o inferno não é fácil e às vezes chego a rezar a Deus para me tirar deste lugar e me levar ao menos para o purgatório. Segundo alguns anjos missionários que aparecem aqui de vez em quando para resgatar algumas almas regeneradas, isso é um bom sinal, pois assim se alcança a purificação.
Às vezes tenho uma folga e volto para meu túmulo, mas quando chego por lá a Bebeloira está sempre sapateando em cima da laje, gritando “bem feito!”. Um dia esta merda desaba. Já tentei até tirar partido disto e dizer ao pessoal que registra a contagem regressiva para a redenção, que as visitas dela contam como tempo de purgação dos pecados, mas os cretinos me disseram que as visitas dela ou a ela contam tempo apenas para ingressar no inferno. Assim não dá, eu, um morto, sendo obsediado por uma viva! Nunca imaginei que meu inferno pessoal pudesse ser tão contundente!
Porém, há horas em que eu tenho folga. Ocorreu que num desses momentos revigorantes, ouvia eu o radinho de pilha do coveiro, quando surgiu a notícia de que um assessor parlamentar do PT fora preso tentando embarcar com US$ 100,000.00 (cem mil dólares) na cueca. Revirei-me no túmulo.
Se existe algo sagrado na vida de um homem, esse algo é sua cueca. A cueca é o templo que guarda a virilidade masculina e ela não pode, em nenhuma hipótese, ser vilipendiada pelo vil metal. Ou vil papel, que seja!
Nos meus tempos de encarnado, minha cueca pela manhã era imaculadamente branca. Durante o dia e também à noite, sempre honrei minha cueca. Ao final da jornada, as marcas que ela exibia eram aquelas dignas de um verdadeiro homem: manchas de urina, esperma e batom, além das indefectíveis freadas na retaguarda.
Constato transtornado, que a política desvirtuou a veste guardiã de nossas virtudes. A corrupção maculou o mais sagrado paramento masculino.
Isso sim é um dinheiro sujo. Sujo de porra e sujo de bosta. Indignamente sem batom. Nada mais emblemático, afinal a política, desde sempre fode nossas vidas e nos deixa na merda, qual um cuzão que não pega ninguém. Segundo minhas fontes e isto não foi publicado nos periódicos, a situação para os policiais federais que apreenderam o dinheiro foi de uma insalubridade atroz. Quando preso, o assessor petista, nervoso, cagou-se nas calças.
Talvez eu seja um purista conservador, do tempo em que um homem honrava suas calças e claro, suas cuecas. Talvez o melhor lugar para o dinheiro vindo da corrupção seja mesmo a cueca, mas aquela cueca do fim do dia de quem almoçou sarapatel com feijoada. Combina melhor.
Com licença que eu vou voltar para o inferno, assistir à pena de castração diária do Adhemar de Barros. Criativos esses juízes do inferno. Não vejo a hora do Maluf chegar.