Matéria insteressante na revista Veja de 05/03/2008, condensado.
Farta de ser tolerante, Amsterdã troca bordéis em bairro degradado por lojas e ateliês de arte
A Holanda é um dos países mais liberais da Europa. Comportamentos considerados tabu em muitos países, como eutanásia, casamento gay, aborto e prostituição, são legalmente aceitos pelos holandeses. Em Amsterdã, turistas podem comprar pequenas quantidades de maconha em bares especiais, os coffee shops, e escolher abertamente prostitutas expostas em vitrines, uma tradição da cidade. No passado, De Wallen, o bairro da Luz Vermelha, como é chamado nos guias turísticos, foi relativamente tranqüilo e apinhado de curiosos. Desde que a prostituição foi legalizada, sete anos atrás, tudo mudou. Os restaurantes elegantes e o comércio de luxo que havia nas proximidades foram substituídos por hotéis e bares baratos. A região do De Wallen afundou num tal processo de degradação e criminalidade que o governo municipal tomou a decisão de colocar um basta. Desde o início deste ano, as licenças de alguns dos bordéis mais famosos da cidade foram revogadas. Os coffee shops já não podem vender bebidas alcoólicas nem cogumelos alucinógenos, e uma lei que tramita no Parlamento pretende proibi-los de funcionar a menos de 200 metros das escolas. Ao custo de 25 milhões de euros, o governo municipal comprou os imóveis que abrigavam dezoito prostíbulos. Os prédios foram reformados e as vitrines agora acolhem galerias de arte, ateliês de design e lojas de artigos de luxo. A prefeitura está investindo na remodelação do bairro, para atrair turistas mais ricos e bem-comportados.
De Wallen é um centro de bordéis desde o século XVII, quando a Holanda era uma potência naval e Amsterdã importava cortesãs da França e da Bélgica. Nos últimos vinte anos, a gerência dos prostíbulos saiu das mãos de velhas cafetinas holandesas para as de obscuras figuras do Leste Europeu, envolvidas em lavagem de dinheiro e tráfico de mulheres. Boa parte dos problemas é conseqüência do excesso de liberalidade. O objetivo da legalização da prostituição foi dar maior segurança às mulheres. Como efeito colateral houve a explosão no número de bordéis e o aumento na demanda por prostitutas. Elas passaram a ser trazidas – nem sempre voluntariamente – das regiões mais pobres, como a África, a América Latina e o Leste Europeu. A tolerância em relação à maconha, iniciada nos anos 70, criou dois paradoxos. O primeiro decorre do fato de que os bares podem vender até 5 gramas de maconha por consumidor, mas o plantio e a importação da droga continuam proibidos. Ou seja, foi um incentivo ao narcotráfico.
A experiência holandesa não é a única na Europa. Zurique, na Suíça, também precisou dar marcha a ré na tolerância com as drogas e a prostituição. O bairro de Langstrasse, onde as autoridades toleravam bordéis e o uso aberto de drogas, tornara-se território sob controle do crime organizado. A prefeitura coibiu o uso público de drogas, impôs regras mais rígidas à prostituição e comprou os prédios dos prostíbulos, transformando-os em imóveis residenciais para estudantes. A reforma atraiu cinemas e bares da moda para o bairro. Em Copenhague, na Dinamarca, as autoridades fecharam o cerco ao Christiania, o bairro ocupado por uma comunidade alternativa desde 1971. A venda de maconha era feita em feiras ao ar livre e tolerada pelos moradores e autoridades, até que, em 2003, a polícia passou a reprimir o tráfico de drogas no bairro. Em todas essas cidades, a tolerância em relação às drogas e ao crime organizado perdeu a aura de modernidade.