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Sento-me em um bar e escrevo este relato ao som de Bryan Ferry - com “All Along the Watchtower”. Estou na Lapa, berço libertino, berço da noite. Ébrio. Se houve, um dia, o nascimento do primeiro libertino, ele brotou em uma noite estrelada da Lapa. Somos poucos, pois os homens sucumbem aos instintos, casam-se, procriam. O libertino é quem escolheu ser desgarrado. Sim, é uma filosofia de vida, um sacerdócio que também exige o voto do celibato.
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A noite está fria, opaca, poucas almas transitam, a dose de Salinas desce quente e faz minhas pupilas dilatarem, o mundo brilha, a euforia me toma e eu escrevo em frenesi. Escrever é encontrar a própria voz, é buscar a voz do outro. Aqui, meu nome é Dante, o poeta que se confunde com o homem que escreve, ambos pisam pelos descaminhos do Inferno, querem resgatar-se, talvez se tornarem apenas um. Dante é o eco de quem escreve, é ele que me guia pelas curvas dos corpos macios, é ele que enxerga o norte através das estrelas. Um lobo que não uiva, mas sussurra no ouvido de mulheres tão perdidas quanto ele. Dante, me chamo Dante diante desse copo de Salinas. Escrevo forçando a vista contra a luz vazia do smartphone, sentado em um boteco que resiste como boteco no coração de uma Lapa tantas vezes renascida.
Tantos lugares, tantas mulheres, tantos corpos nus, tanto para conhecer, mas a vida é uma poeira que não percorre mais do que um quarteirão. Escrever é me libertar do corpo, é romper as leis da física, é reencontrar tudo o que meus sentidos captaram antes que eu me esqueça. A vida é um esquecimento que termina por nos esquecer.
Filósofo? Não, sou um libertino, dos mais legítimos, dos mais perdidos. A música dita o ritmo. Onde está o sexo? — você perguntaria — ele vem por aí, mas agora eu curto o efeito que o bom orgasmo me causa, um alucinógeno que me relaxa os músculos, que faz a minha mente girar como um caleidoscópio viciado. Às vezes, perguntam pelo meu nome, quase confundo, Dante é um nome que vai se tornando maior do que o meu “eu”. Envelhecido, minhas pernas cansam mais do que há alguns anos, a visão turva no escuro. Dentro do libertino existe uma chama indomável, ela não diminui com a decadência do corpo, a caça, a sede, a fome por um prazer fugaz. Somos vampiros que precisam alimentar uma libido feroz.
Marquei novamente com a Juhly em um hotel da Lapa noturna. A Lapa também é mulher, mulher que não envelhece porque renasce. Beijos, carícias, toques que provocam suspiros, línguas que causam murmúrios. Juhly tem estilo, é quente. Eu gozo, e morro, e renasço como a Lapa, para a Lapa. A Lapa é libertina, é da natureza que não se transforma, da natureza que não aceita a extinção.
Em algum ponto, o libertino desaparece, não deixa marcas, não deixa herdeiros, não entrega seu código genético. Some, devorado pelo tempo. Por isso escrevo como quem rabisca palavras na areia. Se algum dos bêbados tristes que me rodeiam me repararem nesta mesa, escrevendo neste aparelho que emite uma luz oca, se algum desses bêbados perguntar meu nome, só saberei responder o nome que foi batizado com a cachaça.
— Dante. Meu nome é Dante. Mais uma dose...