Essa cena é grande, mas hoje estou com tempo:
De volta ao pináculo onde os gigantes erigiram o Valhala, a Natureza ressente-se da ausência de Freia: nuvens carregadas tapam o Sol, as árvores estão murchas, a grama tornou-se cinzenta. Wotan exige de Alberich o pagamento de um resgate para soltá-lo: nada menos que o ouro do Reno. Pra salvar as aparências, gente fina é outra coisa, o deus argumenta que o anão não pode reclamar, porque ele mesmo havia obtido o metal por meio de roubo. O nibelungo, embora contrariado, chama seus súditos e lhes ordena que tragam o ouro, consola-se com a idéia de, uma vez livre, poder mandá-los retirar das entranhas da terra mais do fúlgido material. Trazido o ouro, Loge ainda inclui o elmo mágico como parte do resgate, essa foi de lascar, Alberich fica puto, mas não pode fazer nada, consola-se pensando que Mime poderia facilmente criar-lhe outro idêntico, e entrega o valioso objeto. Pensa que vai ficar livre, mas agora Wotan diz que quer todo o ouro, ou seja, o anel está incluído, isso não, protesta o infeliz cativo, por esse anel renunciei ao mais precioso dos bens, o amor, vemos pela expressão de Wotan que ele não está nadinha sensibilizado, na verdade o cara perde a paciência logo e com a ponta de sua inseparável lança esmaga o dedo do baixinho, toma o anel e ordena a Loge que liberte Alberich.
Que fez então o sapo barbudo, baixinho, gordinho e sem um dedo, já sei o que pensaram, não sejam engraçadinhos, no tempo de Wagner o Brasil ainda era um Império, o infeliz não podia candidatar-se à presidência, o que fez foi rogar uma violenta praga: todos cobiçariam o anel, de maneira que seu possuidor nunca teria nem um momento de sossego, a inveja e a discórdia seriam suas eternas companheiras. O nibelungo se manda pra casa, arrasado.
Os outros deuses saúdam o retorno com sucesso de Wotan, puxa-saco é foda, ninguém nem quis saber se o Loge tinha ajudado em alguma coisa, mas não há muito tempo pra conversa, os gigantes voltam pedindo seu pagamento. Uma novidade, enquanto estiveram juntos, Fasolt apaixonou-se por Freia e agora não quer devolvê-la nem em troca do tesouro, precisa ser ameaçado pelo companheiro Fafner. Finalmente, concorda, contanto que o ouro esconda de seus alucinados olhos a figura da amada, é pra já, diz Wotan, manda os súditos empilharem a bufunfa, grande psicólogo esse Wagner, mostra como os poderosos odeiam qualquer tipo de trabalho. No final, dá a conta certinha de tampar a gostosona, mas Fasolt consegue ainda vislumbrar o brilho das douradas melenas de Freia, banhadas pela luz do poente, ameaça rejeitar a barganha, e Loge é obrigado a colocar o elmo mágico em cima da pilha. Agora sim, não dá pra ver nada, mas o danado do gigante percebe uma minúscula fresta na dourada muralha, por onde enxerga os doces olhos da gutcha, diz que não conseguirá deixá-la para trás. Fafner percebe o anel místico brilhando no dedo de Wotan, diz que é o que falta para tampar o buraco, mas Wotan não aceita entregar o anel de jeito nenhum, e complementa a eloquência de suas palavras com o brandir furioso da lança.
Nesse momento, entra uma velhinha claudicante, trata-se de Erda, a deusa primordial que, pela sua idade, é a mais sábia de todos. Diz que, normalmente, manda suas filhas, as Nornas, dar conselhos através dos sonhos, mas esse assunto era tão importante que ela veio pessoalmente falar com Wotan, entrega o anel, meu filho, não vai doer nada, claro que não disse essas palavras, já viram que estou parafraseando, de qualquer maneira conseguiu convencer o teimoso.
Richard Wagner escreveu:
Erda
Weiche, Wotan! Weiche!
Flieh' des Ringes Fluch!
Rettungslos
dunklem Verderben
weiht dich sein Gewinn
De posse de todo o ouro, os gigantes começam a dividi-lo. Fafner quer ficar com mais do que Fasolt, um BOPão que quase estraga todo o negócio, tudo bem, Fasolt só faz questão do anel, porra nenhuma, o anel é meu, o barraco termina com Fafner matando o colega e indo embora com todo o tesouro. Wotan assombra-se com a demonstração da eficácia da praga rogada por Alberich.
Aos deuses restou o castelo, e também a bucetuda da Freia, é claro. Donner, deus do trovão, conjura uma providencial tempestade de maneira a limpar o céu, após a qual Froh faz aparecer um arco-íris que serve de ponte que leva à entrada do Valhala. Nesse instante, ouve-se o lamentoso canto das ninfas do Reno, esperavam justiça de Wotan e ficaram na mão. Loge mostra-se chateado mas o mais poderoso dos deuses só está preocupado com suas futuras conquistas e glórias. Loge recusa-se a entrar com os demais no castelo, prefere viver ao ar livre até chegar o momento de destruir todo o universo através do fogo, elemento que o obedece.