A história do whisky, suas lendas e leis
No século V, os Scots - que constituíam uma tribo irlandesa – de origem celta, emigraram da Irlanda para a Escócia pelas ilhas e pelo litoral do Oeste, na direção das terras altas, levando a língua gaélica para a região, bem como seu nome, depois adotado para todo o país. Acredita-se que os Scots tenham, mais tarde, trazido consigo a arte da destilação da cevada, presumivelmente desconhecida pelos Picts, os mais primitivos habitantes da Escócia e que ocupavam o Extremo Norte e o Nordeste das terras altas. Douglas Young, um poeta escocês, afirma que o whisky foi inventado pelos irlandeses para embrocação em mulas doentes. Quando trazido para a Escócia, seu uso foi desvirtuado da aplicação tópica em animais para
consumo interno humano. Evidentemente, o poeta era um abstêmio fanático, e sua história, uma divertida invenção. Não obstante, com base em lendas e também em registros
históricos, há muitas razões para acreditar que a arte de destilar cevada teve mesmo suas remotas raízes na Irlanda. Porém, sem o deboche do poeta, suas
origens são, na verdade, mais respeitosas e quase santas, pois esta arte teria
sido trazida por monges missionários cristãos, inicialmente para as terras altas, espalhando-se depois para as terras baixas e as ilhas da Escócia. Os dois mais importantes centros de destilação de hoje, Dufftown (em Speyside nas Highlands) e a ilha de Islay, foram também das comunidades monásticas que inicialmente se instalaram na Escócia para pregação do cristianismo. A primeira menção, oficialmente reconhecida, a um álcool
destilado da cevada maltada consta dos registros do Fisco Escocês, do ano de 1494,
que especifica o suprimento de "Eight Bolls of Malt" para que o frei John Cor produzisse "Aqua Vitae". É claro que tal tipo de destilação já era praticado na Escócia há muito mais de trezentos anos, no entanto, o registro oficial aponta o piedoso frei John Cor como um dos primeiros fiéis devotos do malte-whisky, "áqua da vida". A Origem da Palavra Whisky (Aqua Vitae) : Aqua Vitae é o correspondente em latim ao gaélico "Uisge Beatha"; e, dialeto celta "Usquebaugh" e depois passando pelos anglos-saxônicos como "Usky", chegou hoje a whisky. O whisky a partir daqueles seus primórdios na Escócia passou a ter fama de excelentes virtudes medicinais, um santo remédio para tratamento de muitas doenças como cólicas, hidropsia, gripes, erisipela, escarlatina e outros males, os mais variados. Em 1505, o Conselho do condado de Edimburgo procurou restringira fabricação, venda e uso do whisky, através de decreto que entre outras determinações sobre a bebida, estabelecia que "somente os cirurgiões e barbeiros estavam autorizados a receitá-la". A aguardente escocesa começou efetivamente a ficar sob controle governamental em 1597 quando foi limitada a produção de cevada, em razão
da aguda escassez de alimentos causadora da fome que assolou a Grã-Bretanha e outros países da Europa naqueles tempos. Meio século depois, em 1664, o Parlamento Escocês aprovou o "Act of Excise", o primeiro ato legislativo regulando o comércio de whisky, fixando impostos sobre a produção e comercialização das bebidas alcoólicas resultantes da destilação. Essa taxação à época considerada abusiva e intolerável pelo povo, iniciou uma longa e turbulenta história de contrabando de whisky, baseada numa extensa rede de produção ilícita da bebida. O governo, ao aperfeiçoar o sistema de fiscalização de impostos, foi impondo paralelamente uma variedade de taxas e restrições cada vez
mais rigorosas para com a produção e o comércio de bebidas, especialmente do popular destilado de cevada produzido na Escócia. Tal atitude foi criando uma reação violenta da população através de levantes e distúrbios contra a autoridade constituída. O governo procurava dar castigos exemplares aos subversivos, fabricantes, bebedores
e contrabandistas de whisky, que eram açoitados em praça pública, condenados às galeras, ou degredados para trabalhos forçados nas colônias de ultramar. No primeiro aniversário da união da Escócia com a Inglaterra, uma estatística oficial revelava que haviam sido destilados 50.800 galões de whisky naquele ano de 1708. Cinqüenta anos depois, este volume era
ridículo em face da quantidade de whisky distribuído ilegalmente. Para ilustrar
esta disparidade, vale o registro que, em 1777, em Edimburgo, haviam 408 alambiques destilando whisky, mas somente 8 delas contavam com o conhecimento oficial. Da mesma forma, na região de Speyside - maior produtora de whisky, e que distribuía por todo o país uma bebida de melhor gosto e qualidade, o vale do rio Spey nas Higjhlands, não registrava, à época, a existência de nenhum alambique. O grande volume dessa destilação ilegal, com o indiscutível apelo popular de uma transação ilícita através do contrabando, foi até estimulando e educando o gosto pelo destilado de cevada maltada, bem como criando apreciadores fiéis à bebida. Isto aconteceu em uma época em que a preferência da população estava enormemente voltada para o consumo do destilado de vinho (entre os quais o cognac) que nas Ilhas Britânicas foi conhecido como brandy. Este nome é uma corruptela da denominação alemã "gebranntwein", ou holandeza "brandewijn" ou seja, vinho queimado, também usado pelos franceses até o século XVII como "brandevin". Também na Inglaterra usava-se até mais ou menos o ano de 1650 a expressão "brandy wine" para degustar o destilado então preferido pela maioria. Todos os recursos de disfarce e ocultação eram usados pelos contrabandistas para o transporte da disputada bebida, inclusive recipientes estreitos que eram presos debaixo das amplas saias usadas pelas mulheres escocesas. Aliás, as damas mais distintas da Escócia deviam ser não só prendadas no cozinhar, mas também na sofisticada arte doméstica da destilação. Para que se avalie a intensidade dessa atividade ilícita na Escócia, somente na região de Elgin nas Highlands, em julho de 1824, foram detidas mais de 3.000 pessoas envolvidas com a fabricação e venda ilegal do whisky, segundo registros policiais de então. Mas foi nesse mesmo ano, 1824 que o Duque of Gordon, um dos maiores donos de terras da Escócia, sugeriu taxas menos pesadas para a fabricação de whisky e a mais ampla legalização dos pequenos produtores. E foi um arrendatário seu que, aproveitando o novo Whisky Act então editado, veio a legalizar sua atividade. O nome desse arrendatário era George
Smith, um arquiteto que fazia da destilação e do contrabando um próspero negócio
e tornou o seu "The Glenlivet" até hoje, um dos mais conhecidos single malts whiskies da região do rio Spey. Do século XIX para a frente, o Scotch whisky tornou-se mais e
mais popular fora da Escócia e isto pode ter começado com a construção do
castelo de Balmoral para abrigar a família real na Escócia no início de 1850. A partir daí, a rainha Vitória passou a popularizar todas as boas coisas feitas na Escócia, especialmente o seu néctar oficial. A inteligente rainha que não recusava generosos, porém sempre discretos, goles do bom single malt, concedeu certificados reais para os whiskies Dewar's e Lochnagar.
Esta e outras atitudes da rainha deram crescente prestígio ao whisky,
conferindo nobreza real à bebida. Em decorrência desses "Royal Warrants" surgiu a expressão BY APPOINTMENT TO HRMQ VICTORIA. Mas o grande sucesso mundial do Scotch pode ser atribuído mais fortemente a dois importantes eventos: o primeiro foi a invenção do
"patent still" ou destilador de coluna, em 1827 pelo escocês Robert Stein, mais tarde aperfeiçoado pelo irlandês Aeneas Coffey. O segundo grande motivo da expansão do Scotch foi o aparecimento de um parasita denominado "Phylloxera vastatrix " que devastou os vinhedos da Europa, especialmente da França , na segunda metade do século XIX. Como consequência, quebraram as indústrias de vinho e do brandy. Sendo o brandy a bebida preferida da Inglaterra, a sua falta deu oportunidade para o Scotch, que a partir daí ocupou seu devido lugar e criando também fama por todo mundo, especialmente junto aos grandes mercados dos Estados Unidos e Japão. Os grandes empreendedores escoceses do século 19 (como Dewar, Walker, Mackie e outros) aproveitaram-se da crise e, valendo-se do produto industrial muito mais barato saído dos Coffey Stills a partir de outros grãos alem da
cevada maltada (principalemtnte milho e, em menor escala, o trigo) introduziram
uma bebida mais ao gosto dos mercados mundiais, o BLENDED WHISKY, onde os tradicionais Malt Whiskies das Highlands apareciam em pequenas proporções. À medida que o tempo passou, as misturas eram normalemente realizadas por taberneiros nem sempre escrupulosos. Havia demanda para Malts, e para Blendeds. Mas o que se servia era na maioria das vezes era whiskies adulterados com a adição de destilados jovens em grande proporção. Na
virada do Século XX a prática foi se tornando endêmica até que em 1905 o Conselho de Islington, ao norte de Londres, começou a fazer intimações a quem enganava o público, servindo bebida muito inferior ao que o freguês estava esperando. Aí começou A Guerra do "O QUE É WHISKY?". Houve debates tão acalorados que em 1907 se estabeleceu uma Comissão Real que passou a ouvir autoridades no campo da saúde, engenharia, química, e destilação do whisky (de malte e de cereais). Depois de muitas idas e vindas os destiladores de Single Malts aceitaram que o whisky de cereais também poderia ser chamado
de whisky, contanto que não ultrapassasse 50% da mistura final. Um produtor chegou a dizer: "Se não fosse pelo Malte das Highlands o Scotch não existiria e se não tivesse sido suavizado pelo Grain das Lowlands, não teria gozado de popularidade mundial..." Foi então promulgada a Lei do Whisky. Todos ficaram felizes pois os produtores de Malt Whisky chegaram à
conclusão que precisavam dos Blended Whiskies para sobreviverem. O consumo direto de Single Malts não era suficiente para fazê-los alcançar o "ponto de
equilíbrio" financeiro. Mesmo com a grande expansão havida no início do século XX, nos períodos anterior e imediatamente posterior à primeira grande guerra a indústria de whisky teve que submeter-se a novas restrições e aumento de impostos. O Ministro inglês Austen Chamberlain aumentou as taxas sobre a bebida, porém proibiu o aumento do seu preço, que ficou "congelado", criando sérias dificuldades aos fabricantes. (Diz John McFall em coluna no jornal da Internet ePolitics.com: In the budget of 1920, the chancellor, Austen Chamberlain, raised the duty on spirits by 40%. When challenged over the huge leap and the lack of any tax on wine, he responded that he would not tax the latter because "no-one drinks wine". Now, 82 years later, drinking patterns have changed radically but there has been no corresponding revolution in the UK duty structure.) Da mesma forma, a lei seca nos Estados Unidos, durante quase toda a década dos anos vinte, a que se seguiu a Grande Depressão em 1929 com o colapso de Wall Street, foram motivos de abalo na indústria, acarretando a falência de grande número de empresas destiladoras. O final da lei seca em 1933 e o consequente acréscimo na demanda recolocou os destiladores escoceses no caminho da prosperidade. A Segunda Grande Guerra novamente afetou a indústria britânica, quando CHURCHILL PROIBIU A EXPORTAÇÃO DE CEVADA, bem como seu consumo como alimento. E a produção de whisky só veio a se normalizar por volta de 1949. Daí foi crescendo até o ano de 1979, a partir do qual se verificou um sensível decréscimo na produção e na demanda do produto, levando ao fechamento muitas destilarias. Do início da década de 90 para os dias de hoje a indústria do Scotch voltou lentamente a crescer, irradiando uma esperançosa vitalidade. Os últimos anos viram o ressurgimento dos Single Malts engarrafados para consumo final.