Seguindo com os clássicos:
esse gostava da coisa... mulheres... e teve alguma dst também...
Franz Schubert
1797-1828
Em Liechtental, subúrbio de Viena, no dia 31 de janeiro de 1797, nascia Franz Peter Schubert. Décimo-segundo filho de Franz Theodor Schubert e Elizabeth Vietz, o pequeno Franz levou uma infância bem tranqüila. O pai, de origem camponesa, era professor primário, e seu filho homônimo estaria determinado a imitar-lhe a carreira se não fosse por um detalhe: sua bela voz. Fez um teste e, aos onze anos, foi admitido no Stadtkonvikt de Viena como cantor. Um dos examinadores era o compositor italiano Antonio Salieri, famoso por sua suposta rivalidade com Mozart.
Franz ficou no internato de 1808 a 1813. Era um aluno taciturno, melancólico até, mas sempre ativo em termos musicais. Além de conhecer amigos que conservaria por toda a vida, Franz obteve uma cultura musical consideravelmente sólida - e compôs bastante, febrilmente. Sua primeira obra acabada data de 1810: é uma fantasia para piano a quatro mãos, em doze movimentos.
Com a morte da mãe, em 1813, Franz finalmente cedeu à pressão paterna e inscreveu-se como aluno da escola normal. Em um ano já tinha seu magistério concluído e poderia, como o pai, ser professor primário. Mas Franz tinha 17 anos, muitos sonhos na cabeça e, principalmente, muitas obras em seu catálogo: uma sinfonia, vários quartetos, muitas canções, uma missa e até uma ópera. Era inevitável seguir o coração e investir em sua carreira de músico.
Mesmo assim, Franz assumiu seu posto de professor primário, por dois anos, até abandoná-lo definitivamente em 1816. Dava aulas mas não parava de compor: são 193 composições em dois anos, em todos os gêneros possíveis.
Quando decidiu subsistir apenas com sua música, Schubert tornou-se o primeiro compositor a fazer isso deliberadamente. Mozart, é certo, foi posto na rua a pontapés pelo seu empregador e viveu o resto de sua curta vida de maneira independente, mas sempre se valeu do fascínio que exercia como virtuose para obter seu público. E lembremos que o jovem e tempestuoso Beethoven recém-chegado a Viena era pianista dos mais solicitados. Schubert não. Ele ousou viver apenas como compositor, raramente apresentando-se em público.
Nem sempre foi bem-sucedido; aliás, em geral fracassava. Schubert teve uma vida recheada de preocupações financeiras, dívidas e constantes ajudas dos fiéis amigos, que lhe davam abrigo e muitas vezes alimento. Talvez a culpa seja do próprio Schubert, que adotou a estratégia errada para construir sua carreira: obter sucesso compondo óperas. Escreveu mais de uma dúzia delas, todas destinadas ao insucesso.
Mas em um campo Schubert haveria de trinfar: o lied. Aos poucos, foi conquistando o público, os editores e a crítica com suas canções. A primeira obra-prima, Margarida na roca, baseada em uma cena do Fausto de Goethe, foi composta em 1814. É considerado o primeiro grande lied da história. Em seguida vieram O rei dos elfos, A morte e a donzela, A truta e outras tantas maravilhas. O ano de 1815 foi coroado com 146 lieder, além de duas sinfonias (a quarta, dita Trágica, e a quinta), duas missas, quatro óperas, mais sonatas para piano e quartetos. A inspiração parecia nunca acabar!
Embora começando a ser notado como grande compositor de canções, Schubert tinha muitas dificuldades para se impor. Ainda insistia na ópera, sempre sem êxito. A primeira publicação de uma obra sua, finalmente, só veio a acontecer em 1820: o Opus 1 seria o lied O rei dos elfos, composto cinco anos antes. O detalhe é que a edição foi feita através do sistema de assinaturas; a ajuda dos amigos aqui foi novamente providencial.
Justamente nessa época é que Schubert enfrenta sua primeira crise mais séria, tanto psicológica como física. Além de enfrentar uma humilhante, para a época, doença venérea (provavelmente contraída com uma criada dos Esterházy, família da qual foi professor em 1818), os eternos problemas sentimentais - noiva que se casa com outro, contínuos fracassos amorosos - e financeiros, Schubert começou a ver a sua fonte de criação se esgotar. Começou a compor cada vez menos, inclusive menos canções.
Em 1822, em plena depressão, escreveu o revelador texto Meu sonho, que contrasta fortemente com a imagem do alegre e brincalhão animador das schubertíadas vienenses:
Durante anos, senti-me dividido entre a maior das dores e o maior dos amores. Durante anos cantei lieder. Se queria cantar o amor, para mim ele se transformava em dor; se queria novamente só cantar a dor, para mim ela se transformava em amor.
Mas voltou a compor. No mesmo ano terrível, Schubert escreveu a sua Oitava Sinfonia, obra tão angustiada que foi deixada incompleta. A crise aumentaria. Em fevereiro de 1823, muito doente, foi internado no Hospital Geral de Viena. Mas continuava criando. Ainda no hospital, compôs o ciclo de canções Mueller; pouco depois, uma das suas maiores realizações no campo dos lieder, o ciclo A bela moleira.
Schubert aos poucos iria melhorando seu estado mental, mas sua saúde física só deteriorava. Surgiam a todo instante os sintomas degenerativos da sífilis, na época uma doença incurável, que Franz havia contraído alguns anos antes. Além de lhe causar dores de cabeça e vertigens constantes, a doença fez com que seus cabelos caíssem e tivessem de ser substituídos por uma peruca.
Em 1824, a esperança de uma recuperação veio com a segunda estada que fez no castelo dos Esterházy, na Hungria, onde novamente daria aulas para as filhas do conde. Uma delas, Caroline, então com 17 anos, despertou-lhe intensa paixão. Como seria natural, o tímido e melancólico Schubert não chegou a se declarar para a amada.
Mesmo assim, a viagem foi boa para os ânimos do compositor, então com 27 anos. Quando retornou a Viena, as célebres festas realizadas pelos fiéis amigos, as schubertíadas, ganharam força total, assim como o próprio Schubert, que compôs algumas de suas maiores obras-primas neste período: o Octeto, o Quarteto A morte e a donzela, além de começar o trabalho na Nona Sinfonia, a Grande.
Foi uma época produtiva, mas nada isenta de preocupações materiais. Suas obras continuavam sendo recusadas pela maioria dos editores e sucesso de público era algo distante. Sem nenhum dinheiro ou propriedade - nem mesmo o próprio piano - Schubert vivia de eventuais publicações, todas pouco rentáveis, e de empregos mais eventuais ainda, que costumeiramente eram perdidos rápido por conta de seu temperamento.
Em 1827, Schubert chocou-se muito com a morte de Beethoven, por quem nutria um estranho sentimento misto de admiração e temor. Intimamente, o fato fez Schubert sentir próximo o próprio fim. E, justamente nesse período triste, seus amigos, antes inseparáveis, começaram a se afastar: alguns se casavam, outros partiam para outras cidades. A solidão tornou-se a maior companheira do Schubert dos últimos meses.
A sua frágil saúde voltou a dar sinais de piora. No final de outubro de 1828, passou a recusar alimento. No mês seguinte, os médicos detectaram o motivo da recaída: febre tifóide causada por infecções intestinais. Não saía mais da cama. No dia 19 de novembro de 1828, às 3 horas da tarde, em meio a delírios, Franz Schubert fitou o médico que o acompanhava e pronunciou: "aqui, aqui é o meu fim". Foram as suas últimas palavras.
SUA OBRA
Assim como Beethoven, Schubert é um compositor entre dois períodos, o Classicismo e o Romantismo. Enquanto as primeiras obras mostram de maneira inconfundível a influência dos grandes clássicos vienenses, Haydn e Mozart, as últimas podem, com grande justiça, ser consideradas as primeiras grandes realizações do Romantismo musical.
Mas Schubert não pretendia ser um grande revolucionário musical ao molde do ídolo Beethoven. Ao invés de deliberadamente alargar as fronteiras dos gêneros que recebeu dos antecessores, Schubert simplesmente as trabalhava com a mesma liberdade que tinha quando compunha canções. No final das contas, acabou operando o grande passo a frente rumo ao Romantismo: o conteúdo, as idéias musicais, é que determinam suas próprias formas.
Certamente o gênero em que Schubert foi melhor sucedido - e onde mostra mais claramente todo a sua genialidade - é o lied. A canção artística alemã, reciprocamente, teve em Schubert ao mesmo tempo um grande iniciador e o seu expoente máximo. Nos quase 600 lieder que compôs resumem-se todas as características de sua arte: a alternância entre tons maiores e menores, a espontaneidade da criação melódica, a predominância do elemento lírico em detrimento do dramático (e imaginar que Schubert ambicionava sucesso na ópera).
Além do lied, Schubert se destacou especialmente em outros três gêneros: música para piano, música de câmara e sinfonia. Em todos eles, principalmente nos dois primeiros, Schubert deixou sua marca indelével.
Canções
Gênero schubertiano por excelência, a canção também representa a parte mais numerosa de seu catálogo: aproximadamente 600 obras. É nos lieder que Schubert expressa a sua natureza essencialmente poética e todas as suas angústias. Não seria de se estranhar o fato de que inúmeras de suas obras-primas instrumentais sejam inspiradas - e isso inclui aproveitamento temático - em lieder.
As canções mais conhecidas e importantes de Schubert estão agrupadas em ciclos, que geralmente narram uma história ou mantêm uma atmosfera única entre todas as partes. Três deles são considerados os maiores de Schubert: A bela moleira (Die schöne Mullerin), A viagem de inverno (Die Winterreise) e O canto do cisne (Schwanengesang). Os dois últimos foram compostos nos anos finais da vida do compositor e representam, respectivamente, o desespero e o adeus.
A viagem de inverno, ciclo baseado em poemas de Wilhelm Mueller, mostram a chegada do que Schubert chamou de "inverno de minha desesperança". Impregnadas pela idéia da morte, as canções são sombrias, angustiadas e até mesmo perturbadoras. O ciclo é talvez a maior realização de Schubert no campo do lied.
Inúmeras canções de Schubert têm vida independente de ciclos. São jóias de poesia em estado puro: Margarida na roca, O rei dos elfos, A morte e a donzela, A truta, O anão, O viajante, Dafne no riacho, e claro, o mais popular lied schubertiano, Ave Maria, que a posteridade quase transformou em hino sacro.
Em termos de música sacra propriamente dita, não podemos nos esquecer das grandes missas que Schubert compôs, em especial a D.678, em lá bemol maior, e a monumental D.950, em mi bemol maior.
Música para Piano
Schubert era exímio pianista, mas nunca quis obter êxito como intérprete: seu único objetivo era compor. Mesmo assim, compunha muito para piano, especialmente para tocar com os amigos, em especial nas célebres schubertíadas. Dessa maneira, é natural que as miniaturas em forma livre, como improvisos e fantasias, tenham destaque em sua produção, muitas vezes na forma de peças para piano a quatro mãos.
Suas obras curtas para piano são muito próximas em espírito aos lieder: muita expressão e suprema liberdade inventiva condensados em obras de pequena duração. Muitas vezes essas peças são danças, ländler, valsas, polonaises e até mesmo marchas militares. São bastante conhecidos os conjuntos das Valsas sentimentais D.779 e das Valsas nobres D.969, além das três Marchas militares Op. 51 e as Polonaises Op. 61 (as duas últimas séries são para piano a quatro mãos).
De outra espécie são os Improvisos dos Opus 90 e 142. Nessas peças, Schubert mostra o lado mais refinado de sua veia poética. Também dignas de destaque são suas fantasias: a Fantasia Wanderer, para piano solo, baseada na canção O viajante, de clima um tanto amargo e tempestuoso mas de força impressionante; e a sublime Fantasia em fá menor D.940, para piano a quatro mãos, uma de suas mais belas criações.
Schubert enfrentou a sonata com muito menos liberdade e confiança em comparação com sua habilidade nas formas curtas. Tanto que, das 21 sonatas que compôs, inúmeras foram deixadas inacabadas. De qualquer maneira, encontramos tesouros preciosos entre elas: as D.840, dita Relíquia, em dó maior, D.845, em lá menor, D.850, em ré maior, e D.894, em sol maior, são suas primeiras grandes obras no gênero.
Mas Schubert só alcançaria alturas ainda mais elevadas com suas últimas três sonatas, D.958, em dó menor, D. 959, em lá maior, e D.960, em si bemol maior. Peças que revelam uma tristeza profunda, essas três sonatas foram compostas nos seus últimos dois meses de vida. São, talvez, as obras pianísticas mais emocionantes e sentidas que Schubert escreveu.
Música de Câmara
Um dos gêneros em que Schubert foi mestre consumado foi a música de câmara. Em formações como trios, quartetos, quintetos e octetos, Schubert escreveu grandes obras-primas. Em algumas delas, a influência - sempre presente no compositor - dos lieder se faz notar pelo uso de temas de canções.
Os casos mais célebres são o do Quarteto de cordas em ré menor D.810, A morte e a donzela e o do Quinteto para piano e cordas em Lá maior D.667, A truta. Ambos são baseados em canções, cujos temas surgem em movimentos centrais na forma de tema e variações; mas as semelhanças terminam aí. Enquanto o quarteto é uma peça solene e um tanto sombria, o quinteto para piano é uma obra muito leve e jovial.
Schubert também escreveu dois trios. O segundo deles, em mi bemol maior, opus 100, D.929, é o mais conhecido e talvez o maior. Esse trio tem uma inquietação interior, uma qualidade patética raramente encontrada em Schubert. Uma obra-prima, composta um ano antes de morrer.
Mas a maior criação camerística de Schubert é, sem dúvida, o sublime Quinteto de cordas em Dó maior D.956. Instrumentado de maneira singular, para dois violinos, uma viola e dois violoncelos, o quinteto já foi chamado de "o diploma da música romântica". De fato, o seu sabor fortemente nostálgico e melancólico fazem dessa obra monumental (cerca de uma hora de duração) um grande devaneio poético. O movimento lento é, seguramente, uma das mais emocionantes músicas compostas em todos tempos.
Sinfonias
Schubert mantinha um sentimento ambíguo com relação à sinfonia: alternam-se, em sua carreira, fases de grande empolgação com fases de rejeição pela forma. Mas foi no gênero sinfônico que Schubert compôs algumas de suas maiores e mais populares obras-primas.
As três primeiras sinfonias de Schubert foram escritas no início de carreira e mostram a influência muito forte dos mestres Mozart e Haydn. Têm importância apenas relativa. A primeira sinfonia schubertiana realmente de porte é a Quarta, dita Trágica. Escrita em tom menor, o clima é de drama e tensão.
A Quinta é o oposto da Quarta: em tom maior e detentora de um clima muito mais leve. A influência mozartiana novamente se faz sentir. A Sexta é ainda mais extrovertida e alegre. A influência é clara: Rossini, que fazia muito sucesso em Viena na época de composição dessa sinfonia.
A Sétima... bem, a Sétima não existe. O que existe é um mistério em torno da numeração das sinfonias schubertianas: da Sexta, passa-se à Oitava. O porquê desse salto é obscuro. Seria a Sétima o suposto primeiro esboço da Nona, começado em 1825 e citado em cartas como a "grande sinfonia"? Afinal, a Nona só surgiu definitivamente em 1828 e Schubert não costumava demorar-se tanto com uma obra. Ou seria a Sétima o esboço de uma sinfonia em mi maior, composto, sem orquestração, imediatamente antes da célebre Inacabada? Difícil saber.
De qualquer forma, a Sinfonia em si menor, a Inacabada, é tradicionalmente conhecida como a Oitava. É a sinfonia mais conhecida de Schubert. Tensa, dramática, patética, dessa sinfonia só temos os dois primeiros movimentos e um minúsculo fragmento do Scherzo. É uma obra-prima completa, mesmo inacabada.
A última sinfonia, a Nona, em dó maior, é também conhecida como a Grande. O apelido é justíssimo. Certamente esta é a maior - e mais longa - obra sinfônica de Schubert. A Grande tem clima diverso e mais complexo que o da Inacabada: não mais drama, mas movimento e potência. Juntamente com a Júpiter de Mozart e com a Nona de Beethoven, a Nona de Schubert abre o caminho para as futuras sinfonias de Bruckner e Mahler.
A Grande é um fecho monumental para o impressionante legado de Schubert. Legado este que se torna mais impressionante ainda ao pensarmos na idade em que o compositor morreu: apenas 31 anos.