Qui, 20 Jul - 14h03
Café: herói ou vilão?
Agência Estado
Café: herói ou vilão?
Por Julia Trevisan, Especial para a Agência Estado.
Recente pesquisa realizada pelo instituto norte-americano Kaiser Permanente, na Califórnia (Estados Unidos), apontou mais um benefício do café à saúde: a bebida ajuda a prevenir a cirrose alcoólica, doença crônica do fígado que destrói seu tecido e é causada pelo alcoolismo. Além da óbvia boa notícia, o estudo contribui com mais informações para o antigo debate sobre os possíveis benefícios e prejuízos à saúde do consumo do café.
A pesquisa, que reuniu informações de 125.580 pacientes sobre o consumo de café, álcool e chá, entre 1978 e 1985, e as comparou com registros seguintes de casos de cirrose nos mesmos pacientes, mostrou que quanto maior a quantidade de café ingerida, menores as probabilidades de desenvolvimento da doença. O consumo excessivo de álcool por longo período é a causa mais comum de cirrose nas sociedades ocidentais (na China e em outras partes da Ásia, o vírus de hepatite é a mais comum).
Darcy Lima, professor do Instituto de Neurologia da Universidade Federal do Rio do Janeiro (UFRJ), vai além: "O remédio usado para tratar alcoolismo é um antagonista opióde de nome genérico naltrexona. Ele bloqueia a vontade de beber. E o café possui antagonistas opióides naturais - as quino-lactonas formadas durante a torra", diz. "Quem toma mais café, bebe menos e tem menos depressão", afirma ele, que possui a patente mundial de um fitoterápico de café com um laboratório nacional, que está prestes a ser lançado.
Os resultados da pesquisa não significam, no entanto, que a recomendação geral seja para o alto consumo de café. "A maneira de evitar prejuízos acarretados pelo álcool não é balancear seu consumo pesado com o de café, que não reduz todos os outros riscos do alto consumo de álcool", alerta, em entrevista por e-mail, Arthur Klatsky, cardiologista do Kaiser Permanente e coordenador do estudo. "A melhor maneira de evitar a cirrose é evitar bebidas alcoólicas", concorda Bruce Cronstein, professor de medicina, patologia e farmacologia da New York University School of Medicine.
TEORIA - Não se sabe exatamente como funciona a proteção contra a cirrose, nem que substância no café é responsável por ela. Mas como o consumo de chá não foi relacionado à melhora da doença, os pesquisadores acreditam que a cafeína não esteja envolvida, mas sim outra substância. Darcy Lima afirma que são as quino-lactonas com ação antagonoista oipióide do café, uma idéia que ele já apresentou em palestra no Kaiser Permanente, em 1998, a convite de Arthur Klatsky e que foi aceita.
A cafeína, no entanto, está na lista de benefícios de outras pesquisas na área. De acordo com Bruce Cronstein, da NYU School of Medicine, assim como a teofilina (usada no tratamento de asma e presente no chá), a substância conseguiria bloquear os receptores de adenosina, o A do ATP (repositório de energia armazenada na célula). "O álcool pode prejudicar o fígado de várias maneiras diferentes, mas um dos mais importantes mecanismos é a indução da formação de radicais de oxigênio, cujo efeito nas células é a decomposição química de ATP", explica.
A decomposição libera a adenosina, que causa a vasodilatação pela ativação de seus receptores nos vasos sangüíneos e a sonolência pelos receptores do cérebro. "Nosso laboratório demonstrou recentemente que a adenosina e um de seus receptores desempenham um papel na cicatrização de ferimentos e este mês reportamos que a adenosina e seus receptores parecem desempenhar um papel na fibrose do fígado. Assim, tomar café contendo cafeína aumentaria a substância no corpo, bloqueando seus receptores no fígado, entre outras partes do corpo", conta o médico.
PRÓS E CONTRAS
Hoje em dia, a lista de benefícios do café é grande. Inclui efeitos antidepressivos e menores riscos de suicídio, ajuda na redução de colesterol, diminuição do desenvolvimento da doença de Parkinson, proteção contra diabetes do tipo 2 (graças a compostos oxidantes) e até mesmo ação antioxidante, que atua contra o envelhecimento das células, e auxilia em processos de emagrecimento. Um projeto liderado por Darcy Lima propõe, inclusive, a inclusão do café com leite na merenda escolar. "É mais saudável que junk food e não está relacionado à obesidade infantil como os refrigerantes", afirma o médico. A prevenção de alguns tipos de câncer, como de cólon e de reto, também foi demonstrada em pesquisas.
Além disso, existem as propriedades mais conhecidas. "O café ajuda a manter as pessoas despertas e alertas e seu uso por motoristas de longa distância e outras pessoas que precisam manter a vigília é bem conhecido", afirma Cronstein. É importante ressaltar também que o café não causa dependência e que a cafeína foi retirada da lista de substâncias que causam doping pela Agência Mundial Anti-Doping em 2004.
"Muito tem sido falado, mas a evidência objetiva para os prejuízos não está aí. Na verdade, vários estudos publicados, incluindo um dos nossos, sugere que não há relação entre tomar café e a taxa de mortalidade, um bom marcador global de conseqüência na saúde", conta Arthur Klatsky. "Pode haver uma fraca relação entre o consumo intenso de café e o alto colesterol ruim (LDL) e, assim, de ataques cardíacos, mas este efeito parece ocorrer apenas de café fervido e filtros de papel removeriam este fator. Para a maioria das pessoas, o consumo moderado de café é inofensivo", acredita ele.
Como ainda não há consenso entre médicos e alguns problemas causados pelo café são claros (como manchas nos dentes, irritação do estômago, levando à gastrite, palpitação e insônia, já que a cafeína é estimulante do Sistema Nervoso Central), a melhor receita é não exagerar na dose. "Em excesso, tudo faz mal", afirma Darcy Lima. "Três xícaras de café por dia para adultos não causa problemas e ainda faz bem para a saúde", recomenda.
Mais informações:
www.cafeesaude.com.br