Glossário culinário
Não sabe o que é uma bouillabaisse? Sempre ficou na dúvida sobre a diferença entre o magret e o confit? Um chef francês vai tentar resolver essas dúvidas
Por Viviane Aguiar
A Revolução Francesa, em 1779, trouxe mais que uma transformação política ou econômica para a França. Ela também foi a responsável por deslocar os chefs de cozinha dos palácios para as chamadas tabernas nas ruas, onde a burguesia, ávida por se adaptar aos costumes refinados da nobreza, começava a se formar.
Os pratos até então preparados por grandes cozinheiros, como o lendário Antonin Carême, passaram a figurar em cardápios mais populares e, com o burburinho formado na França da época, acabaram sendo levados para outros países. É por isso que, até hoje, a maioria dos restaurantes em todo mundo se baseia, senão na técnica de preparo, ao menos na maneira de servir dos franceses, que dividiu a refeição em entrada, prato principal e sobremesa.
No Brasil, não é diferente. Por mais que os pratos típicos não tenham nada a ver com os caros ingredientes, muito da culinária refinada da França é consumida por aqui. Mas antes de tudo é preciso questionar esse termo refinado . Se no Brasil encontramos culturas diferentes na Bahia, em Manaus ou em Santa Catarina, na França, a cada 200 km, é possível achar uma culinária totalmente diferente , revela o chef francês Alain Uzan, do Felix Bistrot, que vai ministrar uma oficina de ostras no festival C´est Si Bon e faz consultoria para os bistrôs da loja Expand Alphaville e Santo André.
Culinárias da França
Tão variada quando a gastronomia brasileira
Região Norte e Nordeste: a base da culinária do norte do país é o creme de leite e a manteiga. Por fazer limite com países como a Alemanha, até o chucrute é tradicional nessa região.
Região Sul e Sudeste: aqui, impera o azeite e o óleo vegetal. Isso porque os países mais próximos são a Itália e os da região Mediterrânia, que usam muito essa base para seus pratos.
Região Sudoeste: a gordura de pato é a base para os pratos dessa região. É aqui que são muito consumidos o foie gras e os cogumelos.
Tradição francesa
A discussão que impera hoje no mundo gastronômico trata da crescente soberania espanhola contra uma aparente estabilização da cozinha francesa. No entanto, os clientes de restaurantes franceses, pelo menos no Brasil, parecem não se importar muito com a rixa. Quem vem aqui é porque gosta mesmo de comida francesa e ninguém vai fazê-lo comer algo diferente , afirma Elizeu Pereira, o brasileiro chef do tradicional Le Coq Hardy.
Mesmo que a maioria freqüentadora do restaurante conheça essa cozinha, ainda existem os iniciantes que chegam a cometer gafes com os nomes não familiares dos pratos. Ah, já pediram um steak tartare bem passado por não saber que esta é uma carne servida crua , conta Elizeu que, nesses casos, prefere trazer à mesa um filé mignon bem passado para não constranger o cliente.
Embora algumas receitas tenham sido abrasileiradas para combinar com o gosto nacional, as diferenças entre a cozinha daqui e a de lá continuam. A terrine de fígado de galinha, por exemplo, existe, mas jamais poderá ser comparada à autêntica feita de foie gras. Até porque o quilo da primeira custa R$ 5,00 e do foie não sai por menos que R$ 180,00 , completa Elizeu.
Beabá de um cardápio francês
A distância entre os idiomas de brasileiros e franceses sempre vai gerar dúvidas com relação ao significado de alguns pratos. Para ajudar quem gostaria de se aventurar por um menu francês, o chef Alain Uzan, que nasceu em Paris, definiu os pratos mais básicos da culinária de seu país.
Bearnaise (subst. masc., pronuncia-se bearnesse ): é um molho à base de ovo, echalote (uma cebola francesa que não existe no Brasil) e manteiga. A dificuldade para derreter a manteiga sem que ela queime enquanto se mistura com a gema de ovo é um dos motivos que fazem desse molho uma das provas de fogo para saber se um cozinheiro domina mesmo as técnicas de cozinha.
Boeuf bourguignon (subst. masc., pronuncia-se bif borguinhôn ): parecido com um picadinho brasileiro, esse prato é comum na região central da França, em especial na Borgonha. Depois da carne cozida em um molho de vinho tinto com cebola, ela é incorporada à cenoura e ao cogumelo Paris. Geralmente é feito com carnes mais duras, como coxão mole ou músculo.
Bouillabaisse: (subst. fem., pronuncia-se builhabésse ): originada no sul da França, ela é uma sopa feita com muitos tipos de peixes. De caráter popular, ela surgiu quando os pescadores se reuniam em regiões distantes para trabalhar e, como não tinham o que comer, cozinhavam vários peixes num mesmo caldo. Geralmente, é dos peixes em que o filé não pode ser aproveitad que se faz uma bouillabaisse.
Cassoulet (subst. fem., pronuncia-se cassulê ): essa é conhecida dos brasileiros. Em uma espécie de caldo feito com feijão branco, é adicionado carne de porco ou pato que, na França, é tão comum quanto o frango. Por isso, a cassoulet é conhecida como a feijoada francesa. É bastante consumida no sul da França.
Confit (subst. masc., pronuncia-se confî ): confundido com o magret, ele corresponde à maneira de cozinhar a coxa do pato em sua própria gordura. A expressão confit de canard (= pato) se refere ao confit da coxa e da sobre-coxa do pato. No entanto, o confit pode ser feito do magret (magret confit), das asas ou do pescoço do pato.
Coq au vin (subst. fem., pronuncia-se cóquovan ): é uma carne de galo - e não de frango - cozida no vinho tinto. Muito consumido no sul da França, esse prato foi criado na época de Luís XVI, ou seja, sua receita tem em média 300 anos.
Creme brulée (subst. masc., pronuncia-se créme brulê ): é uma das mais tradicionais sobremesas da França e consumida em todas as partes. O creme brulée é um creme fácil de ser preparado, feito da mistura de creme de leite, açúcar e gema de ovo. Em alguns locais, se acrescenta canela ao creme pronto - é algo como um curau brasileiro, feito sem milho.
Entrecôte (subst. masc., pronuncia-se entrecôte ): é um corte de carne parecido com um contra-filé e com o chouriço. Na França, o filé mignon custa uma fortuna (entre R$ 70,00 e R$ 80,00) e, por isso, existem entrecôtes feitos com outras carnes.
Filet au poivre (subst. masc., pronuncia-se filé ô poavre ): é um filé criado pelo lendário chef Juliveau, no café de Paris, no século XIX. É um filé com molho de pimenta verde e do reino preta e pode ser apresentado em duas versões: uma com creme de leite e outra sem o creme. Ele é consumido com batata sauté.
Foie gras (subst. masc., pronuncia-se fôi grá ): um dos ingredientes mais típicos da França é nada mais que fígado de pato mulard ou ganso. Os animais passam por um sofrível processo de engorda para que seus fígados inchem e fiquem bons para consumo. Mas é importante não confudir o foie gras com patê: existe patê de foie, mas o foie gras não é patê.
Hachi parmentièr (subst. masc., pronuncia-se rachi parmentiér ): é uma espécie de lasanha, feita com uma camada de purê de batata, carne moída e temperada e purê novamente. Por cima, é adicionado farinha de rosca e leva-se para dourar no forno. Esse é um prato muito comum em toda a França.
Magret (subst. masc, pronuncia-se magrê ): muito confundido com o confit, o magret corresponde ao peito do pato mulard. É retirado de uma espécie de pelação diferenciada que somente este tipo de pato possui. Se o animal for de outra espécie, então a receita passa a ser chamada de filé de canard . Usado em diferentes receitas e de diversos modos, o magret é muito comum na França.
Mulard (subst. masc., pronuncia-se mulár ): espécie de pato própria para o preparo do foie gras porque ele sofre o processo de engorda mais rapidamente em relação aos outros. Também é desse tipo de pato que se retiram os melhores confits e magrets, para o preparo de outros pratos.
Ravioli (subst. masc., pronuncia-se ravióli ): ao contrário do que todos pensam, esse é um prato criado e típico da região de Nice, no sul da França. Consiste em uma massa recheada com sobras de carne, servida com molho de tomates.
Steak tartare (subst. masc., pronuncia-se esteique tartár ): criado em Paris, esse prato é baseado em uma receita russa chamada bitki. Consiste em um filé mignon cru muito bem picado - e não moído, para não perder o sabor - servido com cebola picada, um pouco de alho, alcaparra, páprica e, originalmente, gema de ovo crua. As versões mais modernas levam ovo cozido.
Terrine (subst. fem., pronuncia-se têrrini ): entrada feita originalmente com foie gras. É preparada com a gordura do foie que, quando colocado no fogo ou em banho-maria origina essa pasta consistente. É preciso muita habilidade para não deixar o ingrediente sumir ou virar gordura. No Brasil, existem as versões com fígado de galinha ou com toucinho fresco.
Saiba mais: nem só de tradição vive a cozinha francesa. O chef Yvan Didelot criou uma receita especial com um ingrediente que tem sido muito usado nos restaurantes franceses do país: a costeleta de cordeiro.