A espada se forja no fogo e a lâmina se afia na pedra.
A dedicação desse ofício abriga o sentido mais exato da arte de persuadir. É uma máxima que todo bom Tímido deveria ter como guia.
A espada é a palavra, o discurso é a lâmina.
Ser tímido assemelha-se a um castigo injusto quando somos muito jovens. Porém, ao amanhecer da maturidade, passamos a compreender que a timidez pode ser um dom que sempre traz incubado um talento a ser desenvolvido.
Nunca conheci um fanfarrão que tenha se tornado tímido, mas tímidos que se exilam da timidez geralmente se tornam fanfarrões. É o preço pago por quem abandona a família.
O Tímido nasce tímido e sua timidez é um segredo anunciado que ele busca ocultar desesperadamente e, justamente, quando tenta disfarçá-la é que ela o denuncia.
O sentido de toda essa introdução é confessar-lhes que sou um tímido e, como membro assumido dessa espécie peculiar da humanidade, venho aqui, de peito aberto, colaborar com meus irmãos de infortúnio revelando como aprendi a burlar ocasionalmente essa Senhora perversa e rigorosa, a Timidez.
Quais são os maiores desafios que podem existir para um Tímido? Aprender a se tornar um sedutor, convencer, falar pra fora, exteriorizar-se.
O Tímido, ao contrário do sertanejo de Euclides da Cunha, é antes de tudo um fraco. Entretanto, nossa raça singular é dotada de um extremo instinto de autopreservação que leva cada indivíduo a encontrar alternativas personalizadas que permitam a continuidade da sua sobrevivência discreta nessa exuberante selva que nos rodeia.
O Tímido para existir tem que trapacear sua própria condição.
A Timidez, tal qual Proteu, assume formas diferentes para cada Tímido, ela se adapta como luva à vida dessas criaturas. Ser Tímido é como namorar uma coroa ciumenta e possessiva que não suporta a idéia de integração social.
Todo Tímido é um náufrago de si mesmo.
Existem pré-requisitos para ser Tímido, um deles é conviver em paz com os inúmeros rótulos e erros de interpretações dos quais somos vitimas e que se revelam depois que ganhamos alguma intimidade com quem se torna familiar.
- Olha, quando ainda não te conhecia, te achava muito antipático. – Esse é um dos rótulos mais comuns que recebemos.
- Cara, agora que já nos conhecemos posso dizer, antes da gente começar a se falar eu cheguei a pensar que você fosse veado...he, he, he... – Outro desaforo que, volta e meia, temos que engolir.
- Nossa, menino, que jeitinho carente e manhoso que você tem! – Mais uma etiqueta comum que nos colocam.
Os maiores inimigos da nossa classe são as almas ignorantes e preconceituosas que nos tiram por idiotas.
O Tímido, enquanto não descobre sua vocação, é um abnegado que padece num Inferno sem o contraponto do Paraíso.
A primeira vez que fitei nos olhos da minha Timidez eu era um jovem prestes a alcançar os vinte anos e foi na boate Mistura Fina da Barra onde a fera escolheu mostrar o rosto. Estávamos eu e uns dois amigos em noite de azaração.
Eu gostava de ficar à beira da pista de dança, envolvido pelo som da música, jogando o corpo com a discrição de um barco à deriva e pescando com os olhos as mulheres mais bonitas. Era uma pacata e agradável contemplação.
Foi nesse estado quase letárgico que meu olhar esbarrou em outro que, também, me rastreava. Eis o maior dos desconfortos para um Tímido: ser encarado.
Era uma menina bonita: morena, cabelo estilo Joãozinho, vestida numa calça branca justíssima e com uma blusa onde o decote quase alcançava o umbigo, transpirava sensualidade. Lembrava a Monique Evans quando bem mais nova.
Vocês sabem o que acontece a um Tímido numa situação como a que estou lhes contando? Ele paralisa, trava, se tortura. A timidez, nessa hora, se torna um masoquismo pessoal.
A mulher me olhava e eu retribuía ao mesmo tempo em que desviava os olhos, ela chegou a me sorrir e eu quase chorei diante da invalidez que me impedia a aproximação.
A parte mais emocionante da vida de um Tímido acontece no espaço da sua imaginação. Ali, nas paragens dos que sonham acordados, ele é um Rei, um arrebatador. Foi somente nesse mundo onírico que me vi capaz de ir de encontro à garota que me fixava os olhos, eu chegava cheio de ginga, colava nela jogando meia dúzia de palavras mal pensadas e provava sua boca num amasso quentíssimo.
Fui puxado desse doce devaneio pela voz nasalada de um dos meus amigos que percebeu o flerte em que eu havia me envolvido.
- Cara, você não vai chegar junto não? – Disse ele com voz de horrorizado.
- Vou falar o que com ela, Teixeirinha? To sem dinheiro aqui, não dá nem pra oferecer uma bebida. – Retruquei com o velho hábito de justificar a inércia.
- Que isso, cara?! A mulher não pára de olhar!!! Vou lá perguntar o nome dela pra você.
- Faz isso não! Vai queimar o filme! – Respondi.
- Vou sim, vou lá! – Insistiu o chato do Teixeirinha.
E foi... Outra desgraça para um Tímido é ter como amigo um fanfarrão. Logo, ele voltaria.
- Falei que você queria saber o nome dela. É Lucélia, mas não entendeu porque você mesmo não foi perguntar.
- É, Teixeirinha? Ela não entendeu?? Obrigado por esse favor.
Lucélia... Preferia não ter conhecido seu nome, é um fantasma que até hoje habita na minha memória. Lucélia foi a primeira mulher que ganhei numa boate. Ganhei, mas não peguei, tipo um prêmio que você sabe que é seu, mas esquece de ir receber. Lucélia...
A noite não havia chegado ao seu final e terminaria por ver a Lucélia encarrapitada com outro sujeito que ousou se apresentar. Era o fim.
Enquanto voltávamos para casa, fiquei desejando que o nosso carro fosse interceptado por assaltantes, queria que eles me espancassem, eu queria ser espancado naquela noite, era o que eu merecia.
Depois desse encontro tão explícito com a Timidez, resolvi que não mais passaria por aquele suplício novamente. Seguindo um conselho de outro membro da etnia dos Tímidos, passei a freqüentar Forrós, ele me dizia que esses locais seriam bons para eu desenvolver minha autoconfiança com as mulheres, seria um estágio para me transformar num comedor.
Virei forrozeiro, penso que ganhei até sotaque nordestino nessa época. Era Forró da Praia, Forró do Catete (Alegria do Catete), Forró Lua e Estrela, Forró de Copacabana, Asa Branca, Malagueta, etc.
Aprendi a dançar pelas generosas mãos das pernambucanas, cearenses e paraibanas. Ganhei a alcunha de TED LOVER (Terror das Empregadas Domésticas) de um repentista baiano que se tornou meu camarada. Inventei um script que me auxiliava na hora de abordar as domésticas e balconistas, nunca me apresentava com meu nome, criei um Alter Ego, enxerguei o poder da mentira e do sexo. Foi um período áureo, comecei a vislumbrar um talento.
Aos poucos, me arrisquei por outros cantos, descobri os bordéis e testemunhei que as prostitutas também amam. Fui me convertendo no pior dos sedutores, o mentiroso.
Só compreende o Amor quem aprende a mentir.
Foi então que chegou aquilo que foi um presente dos Deuses para toda a população dos Tímidos, a Internet. Era o anonimato, a sedução sem olhos, o lobo atrás de um teclado. Quando o mundo virtual apareceu, eu já era um guerreiro treinado e invadi suas planícies com voracidade.
Nunca me separei da Timidez, permaneci casado com ela e vivendo no celibato. Através do meu alter ego, usufruo das minhas amantes consentidas. Hoje, sou um Tímido feliz.
DANTE
A dedicação desse ofício abriga o sentido mais exato da arte de persuadir. É uma máxima que todo bom Tímido deveria ter como guia.
A espada é a palavra, o discurso é a lâmina.
Ser tímido assemelha-se a um castigo injusto quando somos muito jovens. Porém, ao amanhecer da maturidade, passamos a compreender que a timidez pode ser um dom que sempre traz incubado um talento a ser desenvolvido.
Nunca conheci um fanfarrão que tenha se tornado tímido, mas tímidos que se exilam da timidez geralmente se tornam fanfarrões. É o preço pago por quem abandona a família.
O Tímido nasce tímido e sua timidez é um segredo anunciado que ele busca ocultar desesperadamente e, justamente, quando tenta disfarçá-la é que ela o denuncia.
O sentido de toda essa introdução é confessar-lhes que sou um tímido e, como membro assumido dessa espécie peculiar da humanidade, venho aqui, de peito aberto, colaborar com meus irmãos de infortúnio revelando como aprendi a burlar ocasionalmente essa Senhora perversa e rigorosa, a Timidez.
Quais são os maiores desafios que podem existir para um Tímido? Aprender a se tornar um sedutor, convencer, falar pra fora, exteriorizar-se.
O Tímido, ao contrário do sertanejo de Euclides da Cunha, é antes de tudo um fraco. Entretanto, nossa raça singular é dotada de um extremo instinto de autopreservação que leva cada indivíduo a encontrar alternativas personalizadas que permitam a continuidade da sua sobrevivência discreta nessa exuberante selva que nos rodeia.
O Tímido para existir tem que trapacear sua própria condição.
A Timidez, tal qual Proteu, assume formas diferentes para cada Tímido, ela se adapta como luva à vida dessas criaturas. Ser Tímido é como namorar uma coroa ciumenta e possessiva que não suporta a idéia de integração social.
Todo Tímido é um náufrago de si mesmo.
Existem pré-requisitos para ser Tímido, um deles é conviver em paz com os inúmeros rótulos e erros de interpretações dos quais somos vitimas e que se revelam depois que ganhamos alguma intimidade com quem se torna familiar.
- Olha, quando ainda não te conhecia, te achava muito antipático. – Esse é um dos rótulos mais comuns que recebemos.
- Cara, agora que já nos conhecemos posso dizer, antes da gente começar a se falar eu cheguei a pensar que você fosse veado...he, he, he... – Outro desaforo que, volta e meia, temos que engolir.
- Nossa, menino, que jeitinho carente e manhoso que você tem! – Mais uma etiqueta comum que nos colocam.
Os maiores inimigos da nossa classe são as almas ignorantes e preconceituosas que nos tiram por idiotas.
O Tímido, enquanto não descobre sua vocação, é um abnegado que padece num Inferno sem o contraponto do Paraíso.
A primeira vez que fitei nos olhos da minha Timidez eu era um jovem prestes a alcançar os vinte anos e foi na boate Mistura Fina da Barra onde a fera escolheu mostrar o rosto. Estávamos eu e uns dois amigos em noite de azaração.
Eu gostava de ficar à beira da pista de dança, envolvido pelo som da música, jogando o corpo com a discrição de um barco à deriva e pescando com os olhos as mulheres mais bonitas. Era uma pacata e agradável contemplação.
Foi nesse estado quase letárgico que meu olhar esbarrou em outro que, também, me rastreava. Eis o maior dos desconfortos para um Tímido: ser encarado.
Era uma menina bonita: morena, cabelo estilo Joãozinho, vestida numa calça branca justíssima e com uma blusa onde o decote quase alcançava o umbigo, transpirava sensualidade. Lembrava a Monique Evans quando bem mais nova.
Vocês sabem o que acontece a um Tímido numa situação como a que estou lhes contando? Ele paralisa, trava, se tortura. A timidez, nessa hora, se torna um masoquismo pessoal.
A mulher me olhava e eu retribuía ao mesmo tempo em que desviava os olhos, ela chegou a me sorrir e eu quase chorei diante da invalidez que me impedia a aproximação.
A parte mais emocionante da vida de um Tímido acontece no espaço da sua imaginação. Ali, nas paragens dos que sonham acordados, ele é um Rei, um arrebatador. Foi somente nesse mundo onírico que me vi capaz de ir de encontro à garota que me fixava os olhos, eu chegava cheio de ginga, colava nela jogando meia dúzia de palavras mal pensadas e provava sua boca num amasso quentíssimo.
Fui puxado desse doce devaneio pela voz nasalada de um dos meus amigos que percebeu o flerte em que eu havia me envolvido.
- Cara, você não vai chegar junto não? – Disse ele com voz de horrorizado.
- Vou falar o que com ela, Teixeirinha? To sem dinheiro aqui, não dá nem pra oferecer uma bebida. – Retruquei com o velho hábito de justificar a inércia.
- Que isso, cara?! A mulher não pára de olhar!!! Vou lá perguntar o nome dela pra você.
- Faz isso não! Vai queimar o filme! – Respondi.
- Vou sim, vou lá! – Insistiu o chato do Teixeirinha.
E foi... Outra desgraça para um Tímido é ter como amigo um fanfarrão. Logo, ele voltaria.
- Falei que você queria saber o nome dela. É Lucélia, mas não entendeu porque você mesmo não foi perguntar.
- É, Teixeirinha? Ela não entendeu?? Obrigado por esse favor.
Lucélia... Preferia não ter conhecido seu nome, é um fantasma que até hoje habita na minha memória. Lucélia foi a primeira mulher que ganhei numa boate. Ganhei, mas não peguei, tipo um prêmio que você sabe que é seu, mas esquece de ir receber. Lucélia...
A noite não havia chegado ao seu final e terminaria por ver a Lucélia encarrapitada com outro sujeito que ousou se apresentar. Era o fim.
Enquanto voltávamos para casa, fiquei desejando que o nosso carro fosse interceptado por assaltantes, queria que eles me espancassem, eu queria ser espancado naquela noite, era o que eu merecia.
Depois desse encontro tão explícito com a Timidez, resolvi que não mais passaria por aquele suplício novamente. Seguindo um conselho de outro membro da etnia dos Tímidos, passei a freqüentar Forrós, ele me dizia que esses locais seriam bons para eu desenvolver minha autoconfiança com as mulheres, seria um estágio para me transformar num comedor.
Virei forrozeiro, penso que ganhei até sotaque nordestino nessa época. Era Forró da Praia, Forró do Catete (Alegria do Catete), Forró Lua e Estrela, Forró de Copacabana, Asa Branca, Malagueta, etc.
Aprendi a dançar pelas generosas mãos das pernambucanas, cearenses e paraibanas. Ganhei a alcunha de TED LOVER (Terror das Empregadas Domésticas) de um repentista baiano que se tornou meu camarada. Inventei um script que me auxiliava na hora de abordar as domésticas e balconistas, nunca me apresentava com meu nome, criei um Alter Ego, enxerguei o poder da mentira e do sexo. Foi um período áureo, comecei a vislumbrar um talento.
Aos poucos, me arrisquei por outros cantos, descobri os bordéis e testemunhei que as prostitutas também amam. Fui me convertendo no pior dos sedutores, o mentiroso.
Só compreende o Amor quem aprende a mentir.
Foi então que chegou aquilo que foi um presente dos Deuses para toda a população dos Tímidos, a Internet. Era o anonimato, a sedução sem olhos, o lobo atrás de um teclado. Quando o mundo virtual apareceu, eu já era um guerreiro treinado e invadi suas planícies com voracidade.
Nunca me separei da Timidez, permaneci casado com ela e vivendo no celibato. Através do meu alter ego, usufruo das minhas amantes consentidas. Hoje, sou um Tímido feliz.
DANTE