'No Brasil, a realidade está superando a caricatura'
O desenhista da série ‘Avenida Brasil’ diz que a realidade das cidades e do governo superou a caricatura. Caruso, no entanto, se mantém crítico o suficiente para fazer uma charge por dia. E, o melhor, rir delas.
Paulo Caruso
Você nasceu desenhista?
Existe talento inato, mas depende de prática também. Eu e meu irmão (Chico Caruso, seu irmão gêmeo) desenhamos desde 4 ou 5 anos . Um dos grandes incentivadores foi meu avô materno, que era pintor amador. Ele segurava minha mão para me ensinar a desenhar.
Você ainda se diverte desenhando?
Com tudo o que eu faço, sempre busco me divertir, ver um lado que seja bizarro para fazer humor. Mas, em algumas ocasiões no Roda Viva, da TV Cultura, por exemplo, eu me diverti mais do que o normal e os técnicos ficavam olhando para mim e estranhando: “Do que aquele cara está rindo?” E às vezes acontece de um assunto árido se tornar divertido. Isso distingue o que é profissional e o que é amador. O amador é o cara que se diverte enquanto faz, o profissional não se diverte mais. O que acontece é que a realidade está superando a caricatura.
Em que campo?
Um tempo atrás, logo que começou essa história de violência do Rio de Janeiro, eu tinha feito uma cena da guarda nacional em volta do Cristo Redentor, fazendo a segurança. Agora, há algumas semanas, saiu nos grandes jornais exatamente essa foto. Ou seja, aquilo que era para ser uma piada absurda passou a ser realidade. A violência do dia-a-dia, na cidade e na política, faz com que a caricatura fique aquém de sua capacidade política.
A caricatura está menos crítica?
Acho que depende muito do parâmetro. Antigamente você tinha a ditadura, então a crítica estava posta para quem era a favor da democratização. Com a abertura política, isso significou um esvaziamento dos assuntos para a crítica política. Mas agora com esse Congresso que nós temos aí, de boiadeiros, é uma coisa que desmoraliza tanto a política, que fica difícil fazer a crítica.
Como fica o trabalho dos cartunistas simpatizantes do PT, agora que o partido é governo?
No fundo são mais simpatizantes, mesmo. Não sou filiado. O PT teve muita simpatia porque era oposição, assim como agora o PSOL e o PV contam com essa simpatia. É aquela coisa de ter o sentimento de justiça de Robin Hood, tirar dos ricos e dar aos pobres. Agora, com a coisa populista e carismática do Lula, temos aí uma realidade nova: pela primeira vez, a cara do povo está no poder. E isso está gerando uma condução da comunicação por esses novos poderosos. É o ditado de ‘quem nunca comeu melado, quando come, se lambuza’. Pegar o cara com tanto dinheiro na cueca é uma coisa inimaginável. O risco da TV pública ser chapa branca é uma tendência, apesar de o Franklin Martins (ministro da Comunicação Social) negar. Assim como aconteceu com Hugo Chávez (presidente da Venezuela), corremos o risco de passar por isso aqui.
Você faz parte do grupo que se diz decepcionado com o governo?
Sim, né? Eu votei no PT sete ou oito vezes, o partido resistiu à ditadura, que naquela época era uma ameaça, e tinha um comentário: “Foi para isso que nós fizemos a revolução?” Agora é o momento de a gente se perguntar: “Foi para isso que nós fizemos a redemocratização?”
Qual o presidente mais caricato?
Eu imaginava que o general Figueiredo fosse ser o mais bizarro, o mais grotesco. Mas aí veio o Fernando Collor. Francamente, né? Deu pano para manga. E o Itamar? Melhor ainda! O Fernando Henrique Cardoso era politicamente correto, bonito, e até me gozavam dizendo que dele eu não ia ter motivo para fazer caricatura. Mas aí ele começou a cometer gafes com preto, pobre. Já o Lula superou as expectativas, por falar de improviso, por ser culturalmente limitado, apesar de sua inteligência e de seu carisma.
Qual é seu preparo para fazer as charges?
Eu leio todos os jornais, vejo os noticiários da TV até chegar a outro ângulo da questão. A bagunça da minha casa, minha mulher, meus filhos, tudo isso também me ajuda a criar. Artista é o cara que não amadureceu, uma coisa Peter Pan.
Como se mantém no mercado?
Depende de muita coisa. Meu irmão começou aos 17 anos, eu comecei com 18. Na época em que comecei, tinha um grupo de sustentação no meio. Isso mudou porque os que estavam à frente morreram - ficaram os herdeiros e a molecada começou a mandar na redação. Em compensação, depois de 10, 15 anos, seu trabalho tem a visibilidade por ele mesmo. E aparecem os convites. E também faço música, shows com a minha banda, mas eu sou amador também nessa área. É aquilo: o humorista não ri, guarda para o palco. A gente gosta de gozar e ser gozado. O fato de ser gêmeo também ajuda muito nesse comportamento. O fato de ser uma piada da natureza estimula muito.
Você e seu irmão competem?
Nunca trabalhamos juntos, mas rola uma competição pelo fato de sermos gêmeos. Quando ele foi chamado para o Jornal do Brasil foi um buraco na minha vida. Eu dizia: “você morreu para mim”. (risos)
Você ficou famoso com a charge?
Eu nunca fui famoso. Só sou famoso porque todo mundo pensa que eu sou o Chico. Às vezes, até eu acho. (risos)
Como você começou a freqüentar o Salão de Humor de Piracicaba?
O Salão começou em 1974, na ditadura mais brava, quando um grupo de boêmios de Piracicaba resolveu fazer uma coisa de confronto com a situação. O júri era o Millôr, o Fortuna, o Ziraldo, o Zéli e o Fernando Coelho. Foi lá que eu conheci todo mundo. Porque eles não me deixavam entrar no Pasquim, falavam: “Garoto, o Jaguar tá ocupado, não pode não”. E eu vendo os pezinhos dele lá em cima (risos). Aquilo lá era meu Olimpo. No Salão, começamos a brincar e virei colega deles.
O Salão não é mais o mesmo?
Depois de 34 anos, claro que o evento ganha outra dimensão, mas é um dos mais importantes do mundo. As verbas vão se enxugando. Surgem novos talentos lá todo ano.
O que você acha do futuro da charge nos outros meios, como a TV?
É um beabá, está-se aprendendo a fazer animação no computador. Na revista, o desenho se faz com o cinema, que se forma na cabeça do leitor. A animação está perfeita ali porque é sugerida. Na internet, você não tem o mesmo tempo de fazer uma animação boa. Mas o desenho nunca vai acabar no Brasil.
Por que a volta da publicação O Pasquim não vingou?
Primeiro, todo jornal quando acaba, acaba. Ele começou bem, mas depois caiu, em função do projeto dele mesmo, que é caro. Era um jornal semanal, então imagine. Ali eu criei os maiores desenhos da minha vida. Eu tenho saudade, porque o Zelio e Ziraldo davam espaço para a gente. Você se sentir dono do jornal é uma boa, dá liberdade.
E você? Algum dia pensou em ser dono de jornal?
Já, já pensei muito. Mas não tenho um talento administrativo. Para isso, eu teria que ser um pouco mais organizado, mais profissional, é o que eu disse: eu me divirto muito, ainda.
É mais fácil fazer caricaturas com desconhecidos?
Eu tenho experiência de fazer as pessoas na hora, eu acho melhor. Porque quando você não conhece, vê a pessoa grosseiramente. Quando conhece sabe as sutilezas, e precisa muita prática para conseguir fisgar. Na verdade, eu virei um especialista em fisionomia e fiz também uns 30 anos de análise...
Aquele mito de que os humoristas são mau-humorados é verdade?
Ah, humorista em geral guarda o humor para aquilo que ele publica, para o palco. Tem vários bravos e briguentos. Mas eu não sou um deles.
Entrevista completa em:
http://www.jt.com.br/editorias/2007/07/ ... 02.6.1.xml
O desenhista da série ‘Avenida Brasil’ diz que a realidade das cidades e do governo superou a caricatura. Caruso, no entanto, se mantém crítico o suficiente para fazer uma charge por dia. E, o melhor, rir delas.
Paulo Caruso
Você nasceu desenhista?
Existe talento inato, mas depende de prática também. Eu e meu irmão (Chico Caruso, seu irmão gêmeo) desenhamos desde 4 ou 5 anos . Um dos grandes incentivadores foi meu avô materno, que era pintor amador. Ele segurava minha mão para me ensinar a desenhar.
Você ainda se diverte desenhando?
Com tudo o que eu faço, sempre busco me divertir, ver um lado que seja bizarro para fazer humor. Mas, em algumas ocasiões no Roda Viva, da TV Cultura, por exemplo, eu me diverti mais do que o normal e os técnicos ficavam olhando para mim e estranhando: “Do que aquele cara está rindo?” E às vezes acontece de um assunto árido se tornar divertido. Isso distingue o que é profissional e o que é amador. O amador é o cara que se diverte enquanto faz, o profissional não se diverte mais. O que acontece é que a realidade está superando a caricatura.
Em que campo?
Um tempo atrás, logo que começou essa história de violência do Rio de Janeiro, eu tinha feito uma cena da guarda nacional em volta do Cristo Redentor, fazendo a segurança. Agora, há algumas semanas, saiu nos grandes jornais exatamente essa foto. Ou seja, aquilo que era para ser uma piada absurda passou a ser realidade. A violência do dia-a-dia, na cidade e na política, faz com que a caricatura fique aquém de sua capacidade política.
A caricatura está menos crítica?
Acho que depende muito do parâmetro. Antigamente você tinha a ditadura, então a crítica estava posta para quem era a favor da democratização. Com a abertura política, isso significou um esvaziamento dos assuntos para a crítica política. Mas agora com esse Congresso que nós temos aí, de boiadeiros, é uma coisa que desmoraliza tanto a política, que fica difícil fazer a crítica.
Como fica o trabalho dos cartunistas simpatizantes do PT, agora que o partido é governo?
No fundo são mais simpatizantes, mesmo. Não sou filiado. O PT teve muita simpatia porque era oposição, assim como agora o PSOL e o PV contam com essa simpatia. É aquela coisa de ter o sentimento de justiça de Robin Hood, tirar dos ricos e dar aos pobres. Agora, com a coisa populista e carismática do Lula, temos aí uma realidade nova: pela primeira vez, a cara do povo está no poder. E isso está gerando uma condução da comunicação por esses novos poderosos. É o ditado de ‘quem nunca comeu melado, quando come, se lambuza’. Pegar o cara com tanto dinheiro na cueca é uma coisa inimaginável. O risco da TV pública ser chapa branca é uma tendência, apesar de o Franklin Martins (ministro da Comunicação Social) negar. Assim como aconteceu com Hugo Chávez (presidente da Venezuela), corremos o risco de passar por isso aqui.
Você faz parte do grupo que se diz decepcionado com o governo?
Sim, né? Eu votei no PT sete ou oito vezes, o partido resistiu à ditadura, que naquela época era uma ameaça, e tinha um comentário: “Foi para isso que nós fizemos a revolução?” Agora é o momento de a gente se perguntar: “Foi para isso que nós fizemos a redemocratização?”
Qual o presidente mais caricato?
Eu imaginava que o general Figueiredo fosse ser o mais bizarro, o mais grotesco. Mas aí veio o Fernando Collor. Francamente, né? Deu pano para manga. E o Itamar? Melhor ainda! O Fernando Henrique Cardoso era politicamente correto, bonito, e até me gozavam dizendo que dele eu não ia ter motivo para fazer caricatura. Mas aí ele começou a cometer gafes com preto, pobre. Já o Lula superou as expectativas, por falar de improviso, por ser culturalmente limitado, apesar de sua inteligência e de seu carisma.
Qual é seu preparo para fazer as charges?
Eu leio todos os jornais, vejo os noticiários da TV até chegar a outro ângulo da questão. A bagunça da minha casa, minha mulher, meus filhos, tudo isso também me ajuda a criar. Artista é o cara que não amadureceu, uma coisa Peter Pan.
Como se mantém no mercado?
Depende de muita coisa. Meu irmão começou aos 17 anos, eu comecei com 18. Na época em que comecei, tinha um grupo de sustentação no meio. Isso mudou porque os que estavam à frente morreram - ficaram os herdeiros e a molecada começou a mandar na redação. Em compensação, depois de 10, 15 anos, seu trabalho tem a visibilidade por ele mesmo. E aparecem os convites. E também faço música, shows com a minha banda, mas eu sou amador também nessa área. É aquilo: o humorista não ri, guarda para o palco. A gente gosta de gozar e ser gozado. O fato de ser gêmeo também ajuda muito nesse comportamento. O fato de ser uma piada da natureza estimula muito.
Você e seu irmão competem?
Nunca trabalhamos juntos, mas rola uma competição pelo fato de sermos gêmeos. Quando ele foi chamado para o Jornal do Brasil foi um buraco na minha vida. Eu dizia: “você morreu para mim”. (risos)
Você ficou famoso com a charge?
Eu nunca fui famoso. Só sou famoso porque todo mundo pensa que eu sou o Chico. Às vezes, até eu acho. (risos)
Como você começou a freqüentar o Salão de Humor de Piracicaba?
O Salão começou em 1974, na ditadura mais brava, quando um grupo de boêmios de Piracicaba resolveu fazer uma coisa de confronto com a situação. O júri era o Millôr, o Fortuna, o Ziraldo, o Zéli e o Fernando Coelho. Foi lá que eu conheci todo mundo. Porque eles não me deixavam entrar no Pasquim, falavam: “Garoto, o Jaguar tá ocupado, não pode não”. E eu vendo os pezinhos dele lá em cima (risos). Aquilo lá era meu Olimpo. No Salão, começamos a brincar e virei colega deles.
O Salão não é mais o mesmo?
Depois de 34 anos, claro que o evento ganha outra dimensão, mas é um dos mais importantes do mundo. As verbas vão se enxugando. Surgem novos talentos lá todo ano.
O que você acha do futuro da charge nos outros meios, como a TV?
É um beabá, está-se aprendendo a fazer animação no computador. Na revista, o desenho se faz com o cinema, que se forma na cabeça do leitor. A animação está perfeita ali porque é sugerida. Na internet, você não tem o mesmo tempo de fazer uma animação boa. Mas o desenho nunca vai acabar no Brasil.
Por que a volta da publicação O Pasquim não vingou?
Primeiro, todo jornal quando acaba, acaba. Ele começou bem, mas depois caiu, em função do projeto dele mesmo, que é caro. Era um jornal semanal, então imagine. Ali eu criei os maiores desenhos da minha vida. Eu tenho saudade, porque o Zelio e Ziraldo davam espaço para a gente. Você se sentir dono do jornal é uma boa, dá liberdade.
E você? Algum dia pensou em ser dono de jornal?
Já, já pensei muito. Mas não tenho um talento administrativo. Para isso, eu teria que ser um pouco mais organizado, mais profissional, é o que eu disse: eu me divirto muito, ainda.
É mais fácil fazer caricaturas com desconhecidos?
Eu tenho experiência de fazer as pessoas na hora, eu acho melhor. Porque quando você não conhece, vê a pessoa grosseiramente. Quando conhece sabe as sutilezas, e precisa muita prática para conseguir fisgar. Na verdade, eu virei um especialista em fisionomia e fiz também uns 30 anos de análise...
Aquele mito de que os humoristas são mau-humorados é verdade?
Ah, humorista em geral guarda o humor para aquilo que ele publica, para o palco. Tem vários bravos e briguentos. Mas eu não sou um deles.
Entrevista completa em:
http://www.jt.com.br/editorias/2007/07/ ... 02.6.1.xml