um camarada escreveu:
Imortais....
Quis o destino que o cinema perdesse dois de seus maiores nomes no mesmo dia, 30 de julho de 2007. Bergman e Antonioni deixam, pelo menos, umas trinta obras primas. Nesse momento, é bom lembrar que ambos viveram quase um século, aproveitaram esse tempo como poucos e, mais importante, foram capazes de alcançar a imortalidade. Criaram seus estilos, tornaram-se referências. Quantas vezes não ouvimos ou lemos frases como “tal filme é Bergman puro”? Antonioni não fica muito atrás, apesar de ser menos conhecido.
Bergman reinou praticamente sozinho no cinema sueco. Tanto é assim, que Victor Sjöström, um de seus cineastas preferidos e outro grande nome da Suécia, só ganhou ganhou notoriedade mundial ao atuar em seu Morangos Silvestres. Liv Ullmann, sua ex-mulher, mantêm-se na carreira de diretora, e sempre foi encorajada por ele, claramente influenciada por seus ensinamentos. Ullmann fazia parte da “turma” de Bergman, que também contava com Bibi Andersson, Ingrid Thulin, Harriet Andersson, Gunnar Björnstrand, Max von Sydow e Erland Josephson. Eram não só grandes atores, frequentemente escalados para as produções do sueco, mas também seus amigos mais chegados. Sabe-se que, nesse período de reclusão que antecedeu sua morte, Bergman trocava telefonemas semanais com Josephson, que o mantinha informado sobre as novidades do mundo.
O trabalho de Bergman transcende o meio cinematográfico. Autor de roteiros poderosos, finamente elaborados, que ganhavam formas arrebatadoras na tela, ele foi um pensador, um questionador da existência humana. Tratou da morte, do amor, da religião, do sofrimento, dos relacionamentos. Nunca o cinema foi tão forte, tão importante, quanto nas mãos dele. Jean Claude Carriere, roteirista e estudioso do cinema, chegou a afirmar que, no futuro, os filmes de Bergman serão estudados como material filosófico.
Antonioni, ao contrário, produziu em uma Itália que respirava cinema. As décadas de 50 e 60 foram especialmente profícuas para a produção italiana, e lá estava ele, ao lado de Fellini, Pasolini, Visconti e outros, fazendo o “melhor cinema do mundo”, como gosta de dizer Rubens Ewald Filho, em relação a esse período. Em 1960, quando o neo realismo ainda reverberava pela Itália, Antonioni iniciou sua “Trilogia da Incomunicabilidade”, formada por A Aventura, A noite e O Eclipse, rompendo com a crítica social de seus compatriotas e propondo um cinema de questões existenciais. Sua câmera bailava com elegância entre as locações, flagrando aqueles personagens perdidos dentro de seus próprios conflitos. Nessa época, o diretor revelou a atriz Mônica Vitti que, além da trilogia, apareceria ainda no belo Deserto Vermelho. Em 1966, lançou o riquíssimo Blow Up, filme que o consagrou definitivamente. Na década de 70, lançou Zabriskie Point, que conta com trilha musical do Pink Floyd, e Profissão:Repórter, com Jack Nicholson, que seria seu último grande sucesso. Continuou filmando com a competência de sempre até 2004, quando participou de Eros, ao lado de Wong Kar Wai e Steven Soderbergh.
Mais do que diretores, Bergman e Antonioni foram artistas, no sentido mais pleno da palavra e, sem dúvida, responsáveis pela consolidação da arte cinematográfica. O cinema, plataforma jovem, vê partir agora sua primeira geração de mestres, aqueles que souberam enxergá-lo sob uma ótica revolucionária, compreendendo totalmente suas possibilidades de expressão estética, narrativa e social. É claro que, não podemos esquecer, Resnais, Godard e Oliveira estão entre nós, ainda filmando, fortes como nunca (e que fiquem assim por muito tempo). Mas já testemunharam a partida de grande parte de seus colegas, realizadores máximos de sua arte. A Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni, que descansem em paz, o cinema agradece por tudo.