Aquiles, o BOPoeta
O BOP chamava-se Aquiles. Advirto, porém, os incautos que julgarem que este cidadão era simplesmente mais um entre tantos espécimes desta seita pouco admirada de nossa classe, por conta do título desta crônica. Aquiles era um BOP, sim, mas circunspecto, austero e, até certo ponto, sisudo no trato com seus semelhantes. E, assumia essa persona apenas dentre quatro paredes, quando dividia a alcova de um quarto vagabundo com alguma rameira qualquer. Ria e falava sempre de forma parcimoniosa e era raro vê-lo em momentos de euforia, mesmo depois de ter absorvido muitas dozes de destilados de alto teor alcoólico. Costumava dizer, inclusive, que seus comparsas bopísticos eram uma ameaça séria a causa putanheirística, que ele dizia levantar a bandeira com entusiasmo e fervor. E fazia mesmo, só que a sua maneira: dúbia.
Aquiles, porém, era um desses desclassificados, mesmo que de uma estirpe mais elevada, de fino trato e de uma aparente aversão a afetação estúpida que é peculiar aos BOPs mais arrojados e notórios. Para esses, Aquiles sempre reservava um doze avos de seu veneno, com tiradas filosóficas que tinham o intuito de ridicularizar o comportamento perdulário e leviano destas criaturas. Poucos sabiam da face BOP oculta de Aquiles; o próprio só reconheceu a sua verve bopólica no leito de morte, há pouco tempo atrás, para este mensageiro que vos fala. Apertando a minha mão, com os olhos arregalados, em seus últimos suspiros: “Mendoncinha, sabes que sempre fui um deles! Não me queira mal por conta disso...”. Não eram poucos os que conviviam intimamente com ele, e, no entanto, ignoravam que, por muitos e muitos anos, talvez já em tenra idade e em dias de sua iniciação propriamente dita na cadeira da Metelançologia, na qual foi um incontestável catedrático, costumava tratar suas eleitas de uma forma que não condizia com a sua alardeada indiferença e desconforto ao mundinho BOP.
Como um de seus comparsas mais recorrentes, porém, sempre soube e nunca o desmenti ou questionei seu discurso aparente em público; apenas me limitava a sorrir e essa atitude deveria soar para o resto da putada que costumeiramente nos acompanhava como um claro sinal de aprovação à retórica ácida de Aquiles, quando o mesmo estava longe de sua puta eleita e em momentos de confraternização com seus colegas e conhecidos , todos putanheiros, em maior ou menor escala.
Quem me abriu os olhos para esta aterradora face de nosso estimado confrade, foi uma de suas eleitas, em tom de segredo de alcova e pedindo, como era esperado, sigilo total.
- Pois saiba então que o Aki é um dos caras mais doces que já me comeram. Um príncipe!
- Quem é Aki?
- O Aquiles, ora.
-Deixa de prosopopéia, vai, Sayuri. O homem parece até um cavalo e nunca fica com chamego com as quengas que eu sei...
-É sério! Ele é super sensível e, inclusive, sussura versos enquanto come o nosso brioco. E especialmente quando entregamos a ele o fiofó. O Aki fica quase que tomado por outra pessoa, se transforma, parece até o Bardo das putas!
Certa ocasião, enquanto esperava Aquiles trocar de roupa antes de uma jornada pelos labirintos infernísticos de Sampa, em rara situação de alvará total e pleno, vi, largado em cima da mesa um caderno, todo surrado, cheio de orelhas e, devido ao aspecto, parecia algo que era manuseado diariamente. Abri, já que não tinha mais o que fazer enquanto o aguardava e me dediquei à leitura do conteúdo do caderno a título de matança temporal. Sempre fui pouco afeito a esse tipo e convenção burguesa que prega que devemos respeitar a privacidade dos outros, ainda mais quando estamos na casa dos outros, e mexendo em cadernos surrados e deixados acidentalmente ao alcance de sacolões como eu. Li.
Antes não tivesse colocado as mãos naquele objeto nauseante!
- Isso é que não... – murmurei, incrédulo.
Centenas e centenas de versinhos, poemas, pequenas dissertações, rascunhos de bilhetinhos para suas escolhidas, ou musas, cujo mote era apenas um: louvar, adorar, venerar as ratazanas eleitas por ele em determinados momentos de sua vida. E esse caráter épico era perceptível não só pelo aspecto do caderno em si, com as páginas extremamente amareladas pelo tempo como pelo tipo da brochura: era bem parecido com aqueles cadernos das antigas, mesmo.
Eis aqui a transcrição, já que o memorizei rapidamente por não ser assim, muito, original, dos primeiros versos de seu arsenal:
De tudo a minha Mayume serei atento
Antes e comerei muito, e com tal zelo e sempre e tanto,
Que mesmo em face de maior buzanfa,
Atrás dela estarei, como um jumento.
Quero sodomizá-la em cada vão momento,
E em seu louvor, hei de ejacular a minha porra,
E rir meu riso, chamar-lhe de cachorra,
Ao seu pesar, o meu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a impotência, angústia de quem vive
Quem sabe o casamento, fim de quem labuta
Eu possa então dizer, da piranha (que tive)
Que não seja terna, posto que é puta
Mas que seja infinito, o meu pau duro.
Um príncipe, pois sim... Os amantes da poesia certamente considerariam tal adaptação chula e desprovida de propósito, mas eu até que achei bacana... E tinha outra também:
Das loiras e seus negrões aboiolados,
Do axé tão boçal, desta colônia lusitana
Por rádios, seus cd’s tão executados
Que cativam estúpidas muito além de Copacabana
Chiclete com Banana e trios elétricos amaldiçoados
Mais do que suporta a mente humana
Entre essas ostras, como tu, amada Katielle Costner fornicaram
Tais delicinhas, que tamanho mal gosto ostentaram
E continuava ainda:
Cessem do sábio Prego e do Goiano,
As fornicações grandes que fizeram,
Cale-se o comentarista mala da TV, o Trajano
A fama das surubas grandes que tiveram
Que eu canto seu seio ilustre lusitano,
A quem Netuno e Marte obedeceram
E louvo e prezo tudo que minha Musa linda canta,
Pois meu pau mais duro se alevanta!
Após a leitura dessas e outras “poesias” , aproximei-me da porta do banheiro e ouvi que o nosso bardo das putas cantarolava inocentemente enquanto purificava seu corpo pra oferecê-lo jubilosamente em sacrifício para alguma vagabunda suada e gorda (Aquiles tinha tara por índias mais cheinhas) :
“Cas suuuuuuuuas peitóóóóóóóóóla...
Me faz a espanhoooooooooooola...
Depois vem me dar...
Teu cúúúúúúúúúúúúúúúúúú
É assim... sua puta é assim...
Tua bunda sobre mim,
Teu patê agora eu vou pilaaaaaaaaaaaaaaaaaar
Nunca mais, quero ouvir você falar,
Que não vai mais dar pra mim,
Eu preciso o teu lordo agora esmurraaaaaaaaaaaaar...”
Nesse dia eu tive a confirmação do que mais temia, ou seja, de que o que Sayure tinha dito fosse verídico.
Aquiles, sob o seu verniz debochado e sua reputação irretocável, era um BOP. Essa descoberta poderia ter arruinado a nossa amizade, se eu não tivesse as poucos, adquirido a habilidade de respeitar a opção putanheira de meu confrade, para não melindrá-lo ou deixá-lo exposto aos seus desafetos BOPs assumidos, revelando sua veia poética apenas para sacaneá-lo em um dia desses, por uma querela qualquer.
Mas o Aquiles era brother.
Que descanse em paz, irmão. Comerei uma puta hoje por ti.
Autor: Fortimbrás