Diante desse quadro diário, joguei a bituca do cigarro pela janela e preparei-me para a única missão daquele dia: sacar a grana no banco da minha última parcela do seguro-desemprego, com a qual eu pagaria a bebida e o cigarro do mês. Então, abri meu guarda-roupa, apanhei um blazer daqueles que todos sabem que é de brechó, vesti uma calça jeans, calcei meu sapato velho e empoeirado e desçi as escadas. O elevador estava quebrado, como hoje. Na rua, percorri os quinze minutos que separam minha casa do banco, onde saquei minha grana.
Sem muitos planos para aquele dia, caminhei por algumas ruas do centro até que entrei em um botequim. Pedi uma cerveja, bebi-a vagarosamente. Pedi a segunda, a terceira e a quarta garrafa. Após uma pausa para ir ao banheiro dar uma mijada, ao retornar ao balcão, deparei-me com uma cena bastante inusitada em um bar asqueroso como aquele. Sentada em dos bancos fixados em frente ao balcão, dois a minha direita para ser exato, encontrava-se uma garota de uns vinte e poucos anos, cabelos castanhos, bem lisos e curtos, olhos esverdeados, pele alva, magra, usando um vestido discreto, mas que salientava suas belas formas. Carregava uma mochila nas costas e possuía um olhar meio perdido, dessas pessoas que acabaram de chegar ao centro de São Paulo, jeito inocente na minha interpretação, muito diferente daquelas putas escrotas que costumavam encher a cara de conhaque ali. Ela pediu um refrigerante, despejou-o no copo americano, bebendo-o em demorados goles. Passei a fitá-la, sem conseguir ser muito discreto. Percebi que, em alguns instantes, ela correspondia ao meu flerte, mas abaixava a cabeça, em um sinal de timidez. Foi então que, subitamente, entrou no bar um sujeito calvo, de uns 35 anos, carregando uma enorme mochila nas costas, sujeito de fala e trejeitos extremamente efeminados. Sentou-se junto ao balcão, entre mim e a garota, interrompendo minha quase-comunicação com ela. Fazia calor, o cara chamou o balconista e, todo afeminado, exclamou:
- um chá "ligth", estupidamente gelado!
Bebericando-o com um canudinho e olhando para mim, lançou o engodo:
- vim aqui a negócios, mas estou aproveitando para conhecer a cidade! e blá blá blá...
Respondi com algum monossílabo, mas minha vontade era mandá-lo tomar no cu, não que eu seja preconceituoso, mas quem me interessava era a garota sentada ao lado dele.
E o cara, que parecia ter dinheiro, sentado já inteiramente virado para o meu lado e olhando fixado para mim, proferiu com empáfia:
- estou precisando de um cicerone, seria até capaz de pagar por isso!
Virei o rosto para o outro lado, dirigindo meu olhar ao televisor, fazendo de conta que estava assistindo ao noticiário e puxei assunto com o balconista sobre alguma amenidade.
O viado terminou de beber o chá e percebendo que ali não lograria sucesso em sua empreitada, levantou-se e deu de ombros, retirando-se dali, momento em que me deparei novamente com aquela jovem irresistivelmente encantadora.
Para minha surpresa, sucedeu-se algo que não costuma acontecer comigo, ela virou-se para mim e sorriu, como se sorrisse da situação que momentos antes eu me encontrava.
Nunca fui bom de papo, mas era a chance para que eu entabulasse o diálogo e foi assim que lancei o clichê:
- Você não parece ser daqui, né?
- Não, estou conhecendo a cidade hoje, tal qual o carinha que simpatizou com você! - disse-me, sorrindo e exibindo seus dentes brancos e perfeitos.
- Seu nome?
- Natália!
- prazer, João Nilson.
Já era o suficiente para eu tomar a iniciativa e sentar-me ao seu lado. Foi o que fiz. Prosseguíamos confabulando, enquanto ela revirava a mochila, onde pude notar algumas peças de roupa e uma máquina fotográfica. Disse-me que estava conhecendo a cidade e que seu próximo passo seria ir a Estação de trens da Luz.
Não podendo perder a chance, apostei minhas fichas:
- Posso acompanhá-la?
Natália olhou-me desconfiada, mas seguiu-se um sorriso e a resposta desejada:
- por que não? dois dias que estou aqui e ainda não consegui fazer amizade com ninguém, todos
parecem tão taciturnos nesta cidade, né?
Concordei, aliás, naquele momento eu concordaria com qualquer coisa que ela dissesse. Se ela afirmasse que o Maluf é honesto, eu diria honestíssimo, se afirmasse que o ovo cozido da vitrine do balcão era saboroso, eu diria que era delicioso e assim por diante.
Caminhamos juntos por alguns pontos tradicionais do centro de São Paulo, até que, transitando no interior do parque da Luz, Natália pediu para sentarmos em uma banco. Procurei um local pouco movimentado, eis que ali circulavam algumas putas velhas com as quais eu já havia trepado, fato que poderia, certamente, atrapalhar meus objetivos. Natália, por cerca de uma hora, contou um pouco sobre sua vida, uma história longa e meio cansativa, sendo que, pelo que entendi, ela só havia namorado um cara na vida, durante cinco anos, mas desmanchara dele há três meses. Ela era de Goiás e havia viajado sozinha para São Paulo, pois uma amiga lhe prometera um emprego. Percebi uma certa carência em suas palavras, o tipo de mulher interiorana, desprotegida e perdida na cidade grande, procurando alguém mais experiente e conhecedor da selva para envolver-se.
De repente, ela pede licença, dirige-se a um telefone público e realiza uma ligação telefônica.
Sentado no banco, por motivos desconhecidos, eu sentia um desarranjo, uma reviravolta no interior da minha protuberante barriga, deveria ser algo que eu comera no boteco, logo aproveitei a breve ausência de Natália e permiti-me soltar um longo e estrondoso peido.
Instantes depois, ao retornar ao banco, desesperada e com os olhos úmidos, Natália confessou-me a tragédia pessoal na qual ela encontrava-se mergulhada:
- minha amiga teve problemas, só poderá vir a São Paulo amanhã. Estou na rua, não tenho onde passar esta noite, tampouco tenho dinheiro!
Parece que tudo conspirava ao meu favor. Ofereci meu apartamento, que a despeito de ser um lixo era um pouco melhor que passar a noite na rua. Ela negou-se, disse que não, que teria vergonha. Insisti e ela disse não, por umas três vezes. Ofereci-me, então, para pagar algum hotel chinfrim para ela. Ela balançou a cabeça dizendo: “não quero te explorar, você é tão legal”, mas no final acabou cedendo. Quando chegamos ao local, indicado por mim e condizente com minhas finanças, ou seja, bem de baixo naipe, Natália acariciou meu rosto e disse, surpreendentemente, “se você quiser pode ficar aqui comigo, gostei muito de você”.
Meditei: “nossa, pensei que essas coisas só acontecessem na vida alheia, mas todos têm um dia de sorte na vida”. Já no quarto da espelunca, Natália enrubesceu diante dos gemidos que vinham dos outros quartos, visto que as paredes ali eram bem finas. Natália, então, enquanto eu a aguardava deitado na cama, banhou-se demoradamente e saiu do banheiro enrolada em uma toalha, linda, seus olhos brilhantes me fitavam, realmente ela havia simpatizado comigo e confesso que, naquele instante, eu já não queria apenas comê-la, eu estava disposto a levá-la para casa, quem sabe até fazer um filho nela.
Minha vez de entrar no banheiro e preparar-me para a festa. Só havia o maldito empecilho, as pontadas na barriga retornavam ainda mais acentuadas, talvez pelo efeito psicológico de visualizar a privada, sei lá. Não sabia de onde vinha aquela sensação horrível, só sei que antes do banho fui obrigado a ficar uns quarenta minutos sentado na privada, evacuando abundantemente uma grande quantidade de líquidos que eram expelidos estrepitosamente. Quase uma hora depois, sai do banheiro, envergonhado, pois, indubitavelmente, Natália ouvira o estrondo daquela caganeira homérica.
“Onde está você, Natália”. Indaguei após me deparar com o quarto vazio. O televisor estava ligado no volume mais alto. Natália não parecia mais estar ali. “Teria ela ficado enojada com meu comportamento?”, pensei. Mas, em seguida, notei que minhas coisas estavam reviradas, meu relógio havia desaparecido e, para minha aflição maior, minha carteira estava vazia, toda a grana do seguro-desemprego havia desaparecido, só restando dez reais que estavam escondidos no fundo do meu bolso. Não queria acreditar, mas o fato é que eu havia sido vítima de um golpe. Mais do que o dinheiro subtraído, doía-me o fato de Natália ter feito isso comigo. Para minha surpresa, ela havia esquecido sua máquina fotográfica sobre a cama, talvez na pressa de deixar o local. Fiquei mais uns quinze minutos no quarto, esperando algo acontecer, até que percebi o quão idiota eu sou. Sai dali enfurecido, ainda com a máquina fotográfica nas mãos, pensando: “ao menos vou fazer alguns bons trocados com essa porra”. Caminhei por uns dez minutos aleatoriamente pelo centro da cidade, até que, a uma quadra de distância, ouvi um grito afeminado:
Era o turista viadinho do boteco, apontando para mim, bradando:
- é o ladrão, abriu minha mochila e roubou minha máquina e meu dinheiro no bar, pega!
Acompanhava-o um guarda metropolitano, gordão, parecido com o Tim Maia, o qual passou a perseguir-me. Para piorar, novamente, fui acometido por aquela impiedosa dor de barriga, ainda mais intensa e, correndo, sem poder de controle sobre os esfíncteres, caguei nas calças, ou melhor, jorrei, considerando o estado do material evacuado. Sabia que estava em uma fria e ao dobrar a esquina, exausto, acabei conseguindo montar na traseira de um caminhão de lixo que transitava vagarosamente no local. Dispensei a prova do crime, ou melhor, a máquina fotográfica no interior do triturador. As coisas começavam a fazer sentido, coloquei meus parcos neurônios em funcionamento e notei que a vagabunda da Natália havia furtado o turista viadinho no boteco. Ainda montado no caminhão, cheguei à rua Aurora, onde, subitamente, ouvi uma voz grosseira:
- desce dai vagabundo, arrombado!
Foi tudo tão rápido, só percebi o caminhão freando, eu caindo no chão de cabeça no asfalto, sendo que, bastante atordoado, após ouvir uma sirene, apaguei literalmente.
Acordei na cela de uma delegacia, ao lado de um travesti, que não parava de gritar: “me tira dessa merda senão vou me matar”, além de um cara com um cobertor nas costas, que parecia sofrer de alguma convulsão. E para coroar a situação, havia a incômoda sensação de estar com a calça recheada de merda.
Adormeci profundamente encostado em um canto da cela. Sonhei que tinha morrido e que para o inferno eu havia sido levado. No umbral, fui recebido por uma velha ossuda, verruga no nariz, que sorrindo e exibindo seus dentes estragados, disse-me "seja muito bem vindo". A velha levou-me para conhecer o local, que parecia um misto de randevu com cassino. Desci uma escadaria e encontrei em uma sala, sentados em uma mesa redonda, Hitler, Churchill, Stalin e Roosevelt, todos jogando pôquer, bebendo uísque e fumando charutos, pareciam felizes. Orientado pela velha, desci mais um lance de escadas, chegando a uma espécie de boate, onde, dançando sobre o palco, Natália vestia botas de couro e fazia um “streaptease” ao som de “vênus in furs” do Velvet Underground. Aproximei-me dela e quando ia tocar seu corpo, um alçapão abriu-se debaixo dos meus pés e despenquei dentro de um poço de merda.
Quando estava me afogando na bosta, despertei do sonho com o ruído do carcereiro, um negrão bigodudo de 1,90 de altura, que desferia murros contra as grades da cela, dizendo:
- Acorda lixo, vaza daqui, a bichinha tirou a queixa, acharam a grana e os cartões dele com uma vagabunda que tava tentando fazer compra com o cartão dele!
Afastei-me do filho-da-puta do traveco, que estava dormindo apoiado no meu ombro, levantei-me dali e já do lado de fora da cela e aliviado, indaguei:
- e a tal vagabunda, foi presa?
- Foi presa, mas pagou a fiança, ou melhor, um boquete pro delegado, que mandou liberar a vagaranha e arredondou a ocorrência! E gargalhando, completou: “Mas antes de ser liberada é claro que a biscatona também fez um agrado no papai aqui”. Só não encontraram a máquina do viadinho, mas com a putinha havia uma grana a mais, provavelmente conseguida com a venda da máquina, o viadinho topou o acerto, ficou até com dó da menina, que fez um discurso comovente.
Pensei: “dinheiro da máquina o caralho, é a grana do meu seguro-desemprego”
Deixei a delegacia, fui para casa e tomei um banho de uns quarenta minutos. Dormi durante umas quinze horas e só acordei na manhã do dia seguinte. Aquele havia sido um capítulo para apagar da minha história de vida, todavia, no dia seguinte, fui àquele mesmo boteco onde conhecera Natália, talvez para tomar algo e exorcizar meus demônios. Entrei no bar, sentei-me defronte ao balcão e pedi uma cerveja. Após algumas talagadas, repentinamente, vejo sair do banheiro, nada mais nada menos que a vaca da Natália. Estava diferente. Sorriso devasso no rosto, cabelos tingidos de vermelho, batom forte nos lábios, saia curta, botas com saltos altos, cigarro entre os dedos, toda rebolante, resumindo, prostitutíssima!
Sentou-se ao meu lado, tragou no cigarro, expeliu a fumaça pelo nariz, apanhou um copo americano na pia e serviu-se da minha cerveja.
Cínica, interpelou-me:
- Fica tranqüilo, dessa vez não jogarei purgante no seu copo, como passou a noite?
Como a máscara havia caído, ela não disfarçava nem um pouco toda a sua filha-da-putice.
Respondi, ríspido:
- Cadê minha grana, sua vaca?
Afagando meu cacete, respondeu:
- Bem, arranjei trabalho, prometo pagar seu dinheiro, brevemente, mas por ora preciso de um local para passar uns dois dias, pensei em seu apartamento, por ora posso pagá-lo de outra forma!
Já apanhei mais de uma vez ao contar essa parte, mas tenho que confessar:
Levei Natália ao meu apartamento.
Com exceção de seu Élcio, todos me olharam com desprezo e reprovação diante da presença de Natália nas dependências do meu prédio. Até Laurinha, que também era puta, transparecia incomodada com a presença de Natália. Não era de se estranhar, pois Natália não só vestia-se como uma puta barata e desprovida de qualquer pudor, como também desabotoava uma linguagem tão singela quanto a de um estivador embriagado em um cabaré de cais de porto na madrugada.
Abri a porta do apartamento:
Natália, com um maço de cigarros e uma lata de cerveja nas mãos, disparou: “é o mesmo que estar em uma enorme lata de lixo, esse lugar fede e parece contigo, mas por umas noites está bom”.
Em seguida, dirigiu-se ao banheiro e, diante do espelho, enquanto retocava a maquiagem e cantarolava uma música, disse:
- vou a luta no shopping das putas!
- aonde? Perguntei.
- ora, não se faça de desentendido, claro que você conhece o predião e, certamente, melhor que eu. Um cara feio como você só deve conseguir trepar pagando. Pouco, diga-se de passagem.
Calei-me diante dos dizeres de Natália, pois aquelas palavras eram tão cruéis quanto verdadeiras.
No final da noite, Natália retornou ao meu apartamento. Tomou banho e deitou-se no sofá sem dizer um monossílabo. Eu, com o pau duríssimo e espremido nas calças, vendo-a deitada no sofá com a anca virada para mim, aproximei-me dela, acariciei sua perna e murmurei no seu ouvido:
- lembra daquela história de “pagar pela moradia de outra forma?”
Sem sequer mover o rosto, respondeu, categórica:
- estou com a buceta dolorida, amanhã a gente conversa, se você quiser pode olhar para mim e bater uma punheta, só não vá esporrar em mim, pois não quero tomar outro banho, tá bom!
No segundo dia, Natália voltou mais cedo, por volta do meio-dia, sempre com aquele cigarro entre os dedos e expelindo fumaça como um escapamento de caminhão velho, desta vez era um daqueles de cravo, que por sinal eu detesto. Após entrar, jogou a bolsa em um sofá e atirou-se de costas sobre a outra poltrona. Suspirou longamente e, após mais uma tragada, disse, calmamente:
- preciso enfurnar-me nesse cafofo por uns dias, empurrei uma velha do sétimo andar do prédio e ela espatifou-se no chão. Acho que um mendigo, que estava deitado do outro lado da rua, viu tudo e agora preciso sair de cena por uns dias.
- como assim?, respondi, incrédulo.
- empurrei a velha e ela explodiu no chão como um pacote de merda, oras, entendeu ou quer que eu desenhe? se você duvida, vá até lá e veja!
Embasbacado, foi o que fiz. Caminhei por quinze longos minutos, até chegar a Barão de Limeira, onde defronte ao famoso predião das putas havia carros do corpo de bombeiros, pessoas se empurrando e até o mendigo que Natália havia citado estava ali, exatamente do outro lado da rua. Perguntei a uma mulher, que pelos trajes, certamente trabalhava ali:
- o que aconteceu?
- Uma velha pulou do sétimo e se esborrachou no chão!
Outra mulher, que estava próxima, completou:
- ela já estava meio “tam tam”, tomava até remédio pra cabeça, se matou a pobrezinha!
E ainda uma terceira:
- dizem que se matou porque tinha aids!
Caminhei até o mendigo. Interpelei-o:
- você viu algo?
- Não vi nada, não vê que sou cego?
Sem entender mais nada, voltei ao meu apartamento, onde encontrei tudo revirado, Natália havia desaparecido e juntamente com ela todas minhas economias, não havia restado sequer um centavo. Até um rádio de pilha e um lanche que estava na geladeira a vagabunda havia levado. Nunca soube ao certo se Natália empurrou a velha mesmo ou se aproveitou da situação para limpar meu apartamento ou as duas coisas. A verdade é que, doravante, nunca mais eu veria Natália.
Quatro anos se passaram e na manhã de hoje, acaba de chegar as minhas mãos um envelope onde no campo do remetente vejo o nome Natália. Debruçado no parapeito da janela, rasgo o lacre do envelope e encontro um cartão, onde leio os seguintes dizeres:
“Estou casada, morando em Madri. Meu marido é um velho asqueroso, porém moribundo e rico, uma benção. Estou muito feliz aqui. Não voltarei mais aí, você e esse lugar cheiram bosta. Não pense que sou tão ruim, você não é menos pior que eu, só é mais burro. Ah, quanto ao dinheiro que você me “emprestou”, saiba que não o pagarei, mas se você acredita em Deus, Deus lhe pague! Beijos!”
Com o cartão ainda nas mãos, debruçado na janela, mergulho em minhas reminiscências. Daqui eu não vejo mais seu Élcio, que morreu há um ano, sentado no banco da praça, com as mãos agarradas na fotografia da Marilyn Monroe . A filha de Laurinha cresceu e já vai sozinha para a escola. Laurinha continua puta, mas engordou e sua sensualidade de botijão de gás não exerce mais nenhuma atração sobre mim.Seu Wilson teve uma perna amputada, seu cão foi atropelado, e ele agora vive enclausurado em seu apartamento. Não abre sequer as janelas, nem nos dias quentes. Muita coisa mudou por aqui, mas ao olhar para este cartão percebo com nitidez que duas delas permanecem irremediavelmente iguais. A primeira delas é que a vagabunda da Natália continua sendo a mesma rameira e psicótica de sempre. A segunda é que eu, João Nilson, sou um banana! O mesmo banana de quatro anos atrás. O eterno banana.