Barulho, sim, não música. Era uma melodia de tal complicada, que sugeria muito mais uma prateleira cheia de copos e demais recipientes de vidro caindo ao chão do que um encadeamento de notas musicais.
Sonado, ainda naquele estado em que não se recobrou a consciência plenamente, consulto meus arquivos cerebrais buscando decifrar por que diabos uma banda estaria tocando no quarto em que me encontrava.
Aos poucos, faço pormenorizado check-list.
1- Estava em meu quarto...não, não estava. Me encontrava em viagem de trabalho ao Rio de Janeiro e dormia em pequeno apartamento que me servia de acolhida.
2- Era de manhã. Não, não era. Lembrei-me de haver deitado após um farto almoço regado a chopps diversos poucas horas atrás, chopps possíveis pela folga que teria à tarde.
De súbito, lembrei. Havia programado meu celular para me despertar às 15hs. A tal banda nada mais era que a chamada estridente do mesmo, e meu intuito era um só: conhecer o clube do Jipe, o Fervo, a famosa termas 4 X 4, e pretendia faze-lo em horário vespertino.
Aberto os olhos, desligada a fonte de poluição sonora, sigo vagarosamente ao banheiro, onde utilizo a água mais como antídoto contra o sono do que como elemento de limpeza.
A água fria molha minha cabeça e meu corpo, fazendo retornar de imediato as faculdades mentais que me faltavam naquele momento, meio embaralhadas pelo torpor da sonolência e uma leve, porém desagradável, ressaca.
Recomposto, aposso-me dos valores necessários à fuzarca, um documento de identidade escondido no bolso de traz da calça jeans, e sigo obstinado a meu destino. Caminhando contra o vento, sem lenço e com apenas um documento.
Pego o metrô em Copacabana e desço no centro da cidade.
Sigo o restante do percurso a pé. Em poucos minutos alcanço o número 44 da Rua Buenos Aires, onde se localiza aquele antro de perdição.
Sendo minha primeira vez na casa, me confundo com suas duas portas. A da direita, me avisa um segurança, garçom ou o que seja, dá acesso à whiskeria, a da esquerda, me levaria à termas propriamente dita. Ou ao destino que buscava
Subo resoluto a um lance de escadas, e no primeiro andar alcanço uma espécie de recepção, logo em frente a uma entrada à direita.
Dirijo-me a ela, onde uma Japinha simpática troca um pequeno cartão, que eu tinha recebido de um porteiro no corredor que dá acesso à escadaria, por uma espécie de pulseira de elástico contendo uma chave, e orienta-me a dirigir-me ao vestiário a poucos metros dali.
Já no vestiário a roupeira de plantão mostra-me o armário a que faço jus, e me entrega um roupão e um par de sandálias de borracha.
Troco-me, coloco no bolso frontal do roupão apenas meus cigarros, isqueiro e um pacote de preservativos.
Um pouco cismado tranco meu armário deixando lá meu dinheiro e o indigitado documento por mim portado. De súbito me lembrei dos tempos de adolescência em cidade de interior, quando o porte de documento era item indispensável a quem fosse na zona. Boas lembranças, a que deixo de lado enquanto caminho rumo à porta do que chamam “Boite”.
Nos poucos metros do trajeto fui acometido de uma espécie de frio na espinha, sensação comum a muito dos putanheiros quando, sozinhos, se lançam em aventura nunca antes desbravada pelos mesmos.
Será que os relatos sobre incontáveis gatas em minúsculos biquínis de praia se confirmarão?
Será que nesta hora o movimento esta fraco ou lotado de cuecas?
Será que as conversas sobre tipos suspeitos nesta casa, principalmente neste horário (mais ou menos 16hs) é verdade?
Em meio ao pequeno caminho vejo mulheres bonitas em trajes sumários. Antevejo também, sentados no sofá da recepção, alguns elementos mal-encarados, mais para o tipo “arrumei uma grana mole e estou detonando” do que do tipo”arrumei uma folga e parti pro puteiro”.
De súbito, uma loura cavalar assume minha frente, e adentra à boite. Entrevejo, entre o abrir e o fechar da porta, um ambiente escuro e esfumaçado. Vejo de relance naquele momento uma morena clara que mesmo considerando o salto deveria medir mais de 1,70.
A visão da loura e da morena me encorajam a seguir em frente. Mais do que qualquer receio, toma conta de mim instantaneamente, um imenso rejúbilo. Gostei de estar ali naquela hora. Gostei da possibilidade de encontrar um paraíso (mesmo que esfumaçado) onde a Loura e a Morena se ofereceriam sorridentes aos meus caprichos. constatei que, vencidos os sentimentos de culpa que mesmo após décadas de putaria me afligem a cada vez que “parto para a guerra”, a vida tem lá os seus bons momentos.
Bons momentos mesmo que vividos sozinho.
Bons momentos mesmo que seus atos sejam reprováveis aos olhos da maioria (falso) moralista.
E foi assim, que, inebriado, abri a porta da boite...