O primeiro gole de cerveja gelada trouxe o homem de volta à realidade. Ali estava ele, no tantas vezes cantado em prosa e verso, Bar do Pachola. Desde os sete anos entrava com o pai ali todos os sábados e ali ficavam até o Mercadão fechar as portas. Nos últimos dez anos, desde a morte do pai, perdeu o companheiro de fodas e gandaias. O genitor dizia que adoraria morrer montado em cima de uma menina de seus dezenove anos. E foi dessa forma que desencarnou. Contava com oitenta e oito anos e com um incomum e inexplicável vigor sexual. Doravante, o velho passou a ir ao botequim sozinho, de jornal embaixo do braço, a folhear sofregamente as páginas dos classificados em busca de uma par de pernas abertas que pudesse lhe satisfazer o espírito devasso. Seguia uma espécie de roteiro, em que tudo deveria se dar com a mais absoluta exatidão. Às sextas-feiras, mal davam 15h00, deixava a quitinete no Edifício Itaguassú, na Francisco Glicério (para quem conhece um pouco o centro de Campinas, trata-se do famoso Prédião Redondo), o apartamento onde ele e o pai costumavam dormir quando não podiam com as próprias pernas de tão bêbados, e que agora era seu lar, e batia para o Bar e Pastelaria Voga, na Avenida Anchieta. Pregava a bunda numa cadeira, pedia uma cerveja, uma dose de cachaça pura de Minas Gerais (não que o Voga sirva cachaça com freqüência, mas nosso velho tem lá seus segredos com os garçons) e dois pastéis de palmito. Junto com o pedido vinha o Correio Popular. O ancião bebia, comia e folheava o jornal em busca de um par de pernas abertas, com uma buceta depilada, para satisfazer seus desejos. Quebrou a cara um sem número de vezes ao acreditar nas palavras usadas pelas putas para se descreverem. Incontáveis foram as ocasiões em que o velho se deparou com mulheres feias como a necessidade. Rafaela, a puta da vez nos desejos do homem, com suas madeixas de raios de sol, era uma das poucas bonitas encontradas. E enquanto a garota atendesse, a figura aparentemente decrépita, de cabelos brancos, preferia não trocar o certo pelo duvidoso, isto é, desbravar algum outro anúncio e se decepcionar. Era mais fácil subir até o fim da Rua Dr. Quirino, quase esquina com a Avenida Aquidabã, onde se localizava o apartamento da vagabunda loirinha, e fodê-la todas as sextas.
Aos sábados, contrariando a prática dos dias de semana, em que somente velhos e bêbados de carteirinha perambulavam pelo cubículo, o Bar do Pachola costumava ficar entupido de estudantes universitários. Uma meninada barulhenta e divertida que descobrira havia pouco tempo o charme da baixa gastronomia campineira. O pessoal trazia instrumentos musicais e o samba rolava solto nos corredores cheirando a tempero, fumo de rolo, queijo, bacalhau, carne-seca, miúdos de porco, incenso e toda a profusão de aromas do Mercadão. Dentre os universitários, tinha um certo Rodrigo, rapaz bonito, de olhos castanhos claros, cabelos lisos cortados a escovinha, pele de alabastro, corpo de linhas apolíneas e, o melhor, rico, filho do dono do mais brilhante advogado de Campinas. Por uma dessas ironias do destino fez amizade com o velho. O garoto adorava ouvir as histórias de putaria do “vovô tarado”. Com um porém: dizia que o dia em que tivesse de pagar para comer uma mulher se converteria a uma religião qualquer. De nada adiantava o velho explicar que todo o sexo era pago. O jovem fazia troça, não obstante nutrir uma verdadeira amizade pelo idoso.
Às 18h00 de um sábado escaldante se despediram. Cada um foi para seu canto. Rodrigo pegou o Audi A4 e rumou para casa. O velho foi acabar sua noite saboreando a pizza do Éden Bar. Algumas horas depois, Rodrigo se dirigia a uma casa noturna localizada no Shopping Dom Pedro. No caminho se recordava do velho: “um bom sujeito”; só que esse lance de todo sexo ser pago não cola; imagine se eu pagaria cem pilas ou mais pra meter por uma hora e pouco com uma vadia qualquer? Na balada eu como quem eu quiser. E de graça”.
Já dentro da boate, a música corria solta e altíssima. Não foram necessários vinte minutos para os olhos do moço se cruzarem com os olhos da moça. A atmosfera escura e a batida eletrônica, mais as duas doses de vodca por ele bebidas acentuaram aquele clima de flerte. A garota, usando um top branco que se grudava aos seios pequenos, vestindo uma calça jeans em tom escuro que se moldava perfeitamente ao contorno de suas pernas esguias e de sua bunda pequena, calçando botas, balançando os cabelos loiros e sorrindo angelicalmente, viu Rodrigo se aproximando. Os beijos vieram automaticamente, sem que uma palavra precisasse ser dita. Os corpos suados no meio daquela multidão de gente dançando pediam por algo mais aconchegante.
Saíram da boate. Não sem antes conversarem por uma meia hora no bar. Rodrigo a achou fascinante desde o primeiro instante em que a viu. Ela idem. Durante a conversa, afinidades surgiram. Um tipo de mágica pairava no ar. O garoto pagou as duas comandas, dele e dela. O total de R$ 120,00, entre a entrada VIP e as bebidas consumidas, pouco importava diante da jóia rara ali na frente dele.
Passaram numa lanchonete para poder conversar melhor e comer alguma coisa. O jovem procurava, entre os beijos ardentes que trocava com a moça, achar uma forma delicada de a convidar para um local reservado. Cavalheirescamente, pagou os R$ 30, 00 consumidos na lanchonete e a levou para o carro. Em meio a promessas de “não faço o que você não quiser fazer”, foram para o motel. Suíte com hidro e tudo.
Ambos se banharam juntos na banheira e ficaram ali, namorando. A garota, que, perdão pelo lapso, chamava-se Julia, se derretia com os beijos na nuca e nos seios. Ao tocar a vagina dela, Rodrigo a sentiu completamente molhada de prazer. Tomou-a nos braços e a conduziu até a cama. Diante da insistência do garoto em lhe fazer sexo oral, Julia se recusou. Para ela aquilo era imoral. O que ele poderia? E chupar o membro ereto do jovem, então, nem pensar. E cobria a nudez com o lençol, deixando algumas lágrimas correrem. Ela não estava acostumada a fazer amor logo na primeira noite e queria que a relação dos dois fosse cheia de romance e magia. O estudante acariciava-lhe os cabelos dourados e dava sua palavra de que ela era especial, que o momento passado não se limitaria apenas a sexo. Estava, de fato, convencido de ter encontrado alguém diferente. E logo ele, que não se apaixonara nunca.
Passaram a noite fazendo amor como dois namoradinhos. Os corpos entrelaçados no tradicional papai-e-mamãe. Pediram petiscos e guloseimas, beberam cervejas e Rodrigo ainda abriu um champanhe para celebrar aquela ocasião tão especial. Ao sair, nem mesmo quis conferir a conta de R$ 200,00. Se limitou a passar o cartão à atendente e resmungar a palavra “crédito”.
Deixou Julia em casa, em seu apartamento na Avenida Francisco Glicério. “Só até eu puder arrumar coisa melhor, o que ganho como operadora de telemarketing mal dá para o aluguel e faculdade. Por isso moro nessa quitinete” – ela argumentou. Finalmente encontrara uma mulher que se destacava no meio da multidão de rameiras e marias-gasolina.
O velho nada pôde fazer no sentido de conter a empolgação do garoto quando ambos se encontraram no Pachola no sábado seguinte. Tampouco conseguiu contar a Rodrigo sobre os talentos de Rafaela na hora de chupar um pau, coisa comprovada, religiosamente, todas as sextas-feiras. De olho rútilo e lábio trêmulo, o mancebo fustigava seu ouvinte com uma saraivada verborrágica sobre a provável mulher de seus sonhos, conhecida na última semana. Até telefonemas apaixonados ele andava dando para a menina.
- Mas, no fim das contas, você gastou dinheiro, certo? – perguntou o ancião.
- Isso é o que menos importa.
- Só me fala: quando você gastou com a boate?
- Sei lá! Pra que isso?
- Responde...
- Uns cem.
- Comeram algo depois?
- Paramos no Gordão. Porra, velho, uns 20 ou 30...
- Já foram 130. E motel?
- Aí já é demais. Tá, eu posso até ter gastado uns 300, 350, 400, enfim... mas se foda. O importante é a mulher maravilhosa que encontrei.
- Em quais posições vocês treparam?
- Isso lá é jeito de falar! Olha o respeito. A moça é direita. Depois de tirarmos a roupa e tomarmos uma hidro, ainda fiquei xavecando uma meia hora ou mais na cama, ela refugava, se cobria com o lençol. Ela é de fazer amor e não de trepar.
- Tá. E se eu falar que minha amiguinha Rafaela, nas sextas, me cobra só 150, chupa meu pau, me deixa chupar sua buceta, deixa eu gozar na boca, engole porra, até o cu dá... e só por 150 por duas horas? Não sai mais barato que sua amada?
- Olha, diante de um anjo, que valor tem a grana?
- Mas que você pagou pra fazer sexo, pagou. E mais do que costumo pagar. Agora, te faço uma proposta. Você já experimentou muitas vezes o que você chama de sexo gratuito. Só que nunca fez o que chama de sexo pago, aquilo que eu faço. Que tal provar uma vez do outro sabor e me dizer qual compensa mais?
- Você é um velho filho-da-puta. Só vou aceitar isso pra depois jogar na sua cara que uma puta não vale a merda que come e nem tem comparação com uma deusa como a Julia. Não importa se uma puta faz tudo o que você falou que faz. O que vale é o sentimento.
O velho fez questão de procurar no jornal o telefone de uma puta para Rodrigo ir visitar. Sem muita paciência para negociações, resolveu combinar o programa com Rafaela mesmo, em seu apartamento. A garota disse que só atenderia por conta de ser uma indicação do velho. Ao pegar o guardanapo de papel amassado com o endereço Rodrigo teve uma sensação estranha. Pela numeração, o apartamento da prostituta deveria ser perto do de Julia. Sendo assim, ele precisava tirá-la de tal vizinhança o mais rápido possível.
A sensação estranha se intensificou quando o jovem parou o carro em frente ao mesmo prédio em que deixara sua garota especial dias antes. E se transformou num colapso de lágrimas, quando saiu do elevador, tocou a campainha do apartamento indicado, viu a porta se abrir e deu de cara com sua tão idolatrada Julia, agora na pele da rainha das putas, Rafaela.