ARTISTA: Ultraje a Rigor
LANÇAMENTO: 1985
OK, OK, vocês venceram! E cá estou eu usando uma frase que nem minha é. Mas, como todo autor que se preze, tenho minhas obsessões. Uma delas é iniciar textos com frases de efeito. Uma única frase de efeito é capaz de chamar a atenção para um todo que, no mais das vezes, é sofrível, como muitos textos de nossos doutos jornalistas. Porém, não era bem isso que eu queria dizer.
Eu comecei com uma frase de Evandro Mesquita, só que a usei no plural. Quem é que não se lembra da Blitz e sua Você não soube me amar? Há uma passagem da música em que, encarnando o humor e as mazelas dos jovens dos anos 80 em que o cantor diz isso à menina com quem ele está. Detalhe, o cara está pagando um chope com batatas fritas e doido pra mandar a vara na pequena.
Pois é justamente desse universo que, não só a Blitz, mas grande parte das bandas do, na minha opinião, autêntico rock brasileiro irá tratar. Façamos uma breve reflexão: antes do início da década de 80 o rock brasileiro não existia. Objetarão alguns que o Made in Brazil já dava suas caras, que os Mutantes e Raul Seixas tinham anos de estrada. Todavia, foi na década de 80 que o rock no Brasil deixou de ser caudatário de influências externas e de saladas musicais afins, além de começar a falar uma língua genuinamente brasileira. Em alguns casos com um toque de humor que ainda hoje nos faz rir e pensarmos "não mudou nada".
Ouvir a faixa título deste álbum do Ultraje a Rigor desperta risos num primeiro caso. Só que, se prestarmos atenção, poucas críticas sociais foram feitas com tamanho deboche na história da música brasileira. O disco segue com uma pérola atrás da outra, sem que os membros (antes da verdadeira panacéia de formações ao longo da história do grupo, ainda hoje na ativa) Roger (guitarra e voz), Leospa (bateria), Carlinhos (guitarra) e Silvio (baixo) deixassem cair a peteca. Rebelde sem causa e Ciúme, por exemplo, são tapas na cara da classe média jovem, que tinha lá seus resquícios daquilo que Nelson Rodrigues chamava de esquerda festiva. Eu me amo é outra sacada genial, bem como a da famigerada "galinha" Marylou (sem referências à nossa curiosa que será devidamente exorcizada pelo Pastor e pelo FODA).
Deixo, entretanto, para o final a faixa que alça o grupo àquele patamar de quem deu contribuições fundamentais à história da música. Se "competir" com a qualidade das letras de Renato Russo e de Cazuza, por exemplo, fez com que muitas bandas do rock brasileiro caíssem no erro da auto-indulgência, Roger seguiu o caminho totalmente inverso e, por isso mesmo, genial e original. Inútil é tudo aquilo que o Brasil era nos anos 80. Debochada, escrachada, de melodia fácil e com uma letra que, ainda hoje, me desperta comoção. Impossível olhar para tanta coisa que acontece por essas paragens e não pensar: "A GENTE SOMOS INÚTIL".