Era alta madrugada, o grande Relógio acima da Estação marcava 1h:30 em seus ponteiros, a iluminação é precária e o silêncio flutuante cria o clima de suspense.
Andar por naqueles arredores é como circundar o Castelo de Drácula, é uma sensação que mistura receio com excitação.
À medida que me aproximava da Estação da Central, o movimento aumentava, o ar ganhava mais vida.
As meninas ficam pulverizadas pela periferia da Estação. É possível vê-las, numa postura até que discreta, pelas calçadas, embaixo de marquises, perto de um posto de gasolina que há por ali e circulando pelas fronteiras da Rodoviária que existe atrás da linha dos trens.
Fui andando e apreciando aquela Paisagem que me é pouco familiar. O aroma do Churrasquinho impera por todos os lados, os Camelôs iluminam o local com todo o tipo de bugigangas. Existe alegria na Central!
Paro e observo tudo, tento conter a lembrança, estou embaixo de um ícone do Rio, o Relógio da Central, quase um arquétipo.
Nossos olhares se cruzaram neste exato momento, a Valdirene estava parada perto da saída lateral da estação.
Percebi que era madura. Loira, magra, cerca de 1,60m, usava uma saia jeans surrada e uma camiseta rosa. O nosso flerte durou uns cinco minutos e eu resolvi me chegar.
Contou-me ser Maranhense, mora no Morro da Providência, tem 45 anos e perdeu a conta de quanto tempo está na vida. Ela me olhava com face de espanto, parecia não compreender o que eu fazia na Central de madrugada. Seu olhar me fez entender que nem eu mesmo sabia o que estava fazendo ali... Mas eu me sentia estranhamente integrado naquele universo, a bebida ainda circulava no meu sangue e minha loucura estava mais solta.
Conversamos uns cinco minutos, foi quando um gesto comovente ocorreu, ela pegou na minha mão e disse que me tiraria dali, que era perigoso eu ficar parado ali. Levou-me para uma barraquinha de Cachorro-Quente quase na esquina da Barão de São Félix, perguntou se eu estava com fome e eu respondi que nós dois iríamos comer. Ela aceitou e me olhou com uma ternura que me comoveu profundamente.
Enquanto lanchávamos, não nos falávamos, somente nos olhávamos e a comunicação fluiu como poucas vezes fui capaz de me fazer entender.
Novamente, ela segura minha mão e me conduz numa nova viagem em direção ao Hotel Campos.
O quarto me custou R$ 16,00, perguntei quanto ela desejaria receber como presente, ela me pede apenas R$ 20,00, mas eu deixo R$ 30,00.
Eu estava vindo de dois encontros quase consecutivos, não haveria mais força para um terceiro, mesmo assim a acompanhei ao quarto.
Que me chamem de Poeta! Que me rotulem de louco! Que me taxem como doente!... Mas no meio daqueles lençóis rasgados e entre aquelas paredes sujas, eu vivi um dos momentos mais doces da minha vida.
Expliquei a Valdirene que eu não desejava transar, queria apenas descansar um pouco na companhia dela. Ela me despiu lentamente, cheia de cuidados, recostou-se na cama e pediu que eu colocasse a cabeça em seu colo. Começou a me acariciar, fazer cafuné, alisava meu corpo, tocava meu sexo, beijava levemente minha boca e me olhava como se estivesse vendo algo que tivesse muito valor.
Meu colega Forista, você é a única pessoa para quem eu posso tentar transmitir a beleza deste momento, mas não consigo encontrar as palavras e a forma que vão revelar este acontecimento singular.
De repente, eu estava num quarto paupérrimo, à beira da Central do Brasil, com uma prostituta envelhecida e descobria a luz do mais puro afeto, enxerguei a transparência de quem compreende as profundezas do amor.
Precisei me despedir, ela me deu um abraço e me pediu que não sumisse. Não sei quando irei voltar ou sequer se irei voltar, talvez eu queira guardar esse instante da forma como o vi, da maneira como ocorreu pra mim.
Volto ao Sucatão, alguma coisa havia mudado em mim. Ligo o rádio e sigo a Marechal Floriano para retornar pela Presidente Vargas. Quando estou passando em frente ao Sambódromo, uma música do Barão Vermelho transpira do alto-falante...
"Baby, compra o jornal
E vem ver o sol
Ele continua a brilhar
Apesar de tanta barbaridade...
Baby escuta o galo cantar
A aurora de nossos tempos
Não é hora de chorar
Amanheceu o pensamento...
O poeta está vivo
Com seus moinhos de vento
A impulsionar
A grande roda da história...
Mas quem tem coragem de ouvir
Amanheceu o pensamento
Que vai mudar o mundo
Com seus moinhos de ventos..."
Acredite, Forista sem fé, a mágica ainda existe...
DANTE