O Putanheiro e o Diabo - Autor: Fortimbrás

Crônicas semanais sobre putaria

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O Putanheiro e o Diabo - Autor: Fortimbrás

#1 Mensagem por General » 22 Set 2008, 11:04

Naquele dia, nada dera certo. Tentou marcar um pelado com uma guria que parecia estar na dele e , repentinamente, a desgraçada resolveu refugar de forma ainda mais espantosa que o Balloubet de Rouet . No trabalho , as coisas também caminharam muito mal. Estava com problemas financeiros importantes, e isso estava reduzindo as suas opções de negócios a poucos fornecedores. Em casa, há coisa de dois dias não dirigia a palavra à mulher, pois fora apanhado em flagrante numa conversação sigilosa em seu celular. O que limitou consideravelmente a própria defesa foi o trecho do diálogo ouvido por Amélia: " Ah, vai... sabes muito bem que só você me faz gozar como um cavalo! " Ao deparar repentinamente com os olhos arregalados de Mimi, Mendoncinha começou a vociferar , energicamente : " Venda esse cavalo, rapaz! Venda na primeira oportunidade! Não permita que um quadrúpede qualquer achincalhe os seus amigos, Freitinhas!"

Mendoncinha vivia o que muitos consideram um inferno astral. Naquele dia, a cada dificuldade, praguejou para quem quisesse ouvir. Imprecações de monta, que faziam os seus interlocutores corarem em alguns casos ou fitarem-no sem esconder no olhar a censura irreprimida dos beatos. Chegou em casa um pouco mais tarde, já que alguns colegas o convidaram para uma excursão ao puteiro mais próximo e depois para um happy hour, no boteco do Lochas. E, como todos sabem, o álcool é mau conselheiro; pegara um fogo de relativa gravidade, talvez o suficiente para incendiar o bafômetro. Na noite anterior, já tinha dormido todo encolhido do seu lado da cama. Naquela noite, como seria então, chegando tarde e completamente travado? Mimi estava no quarto, com as luzes apagadas , vendo televisão. Deixou suas coisas largadas no sofá, e foi até a cozinha. Com a pidaíba total que assolava o casal, tiveram que demitir a empregada, restando apenas uma diarista que trabalhava ali uma vez por semana, para fazer a faxina mais pesada. Olhou dentro do microondas e lá estava ele, seu prato, esperando-o. Mimi tinha feito arroz com lentilhas, havia algo parecido com um omelete e um pouco de maionese. Em cima da mesa, havia salada de alfaces com tomates.

Mendoncinha sentiu-se ainda mais miserável e filho da puta olhando aquele esforço de sua mulher em lhe proporcionar um jantar decente, tendo que aturar a falta de grana e seu mal humor , seus silêncios , sua cara de tédio, seu sarcasmo cretino e agora, a ausência da empregada, o que lhe acarretava ainda mais afazeres dentro de casa. Que, por sinal, estava limpa.

" Pelo menos alguém nessa casa consegue fazer o seu trabalho direito..." , pensou, com um sorriso amarelo em seu rosto etílico.

Sentou-se e começou a comer, resignado, mas com um indisfarçável mal estar.

" O que essa filha da puta ainda está fazendo aqui? Eu, que gasto o que não tenho em putas e cachaça, enquanto ela faz o melhor que pode por mim? E eu , faço o quê? Não temos filhos, sou um péssimo marido, uma companhia horrível... Será que o sexo compensa isso tudo? Se fosse eu no lugar dela, já tinha zarpado, ou, provavelmente , colocado um belo chifre na minha cabeça... sim , era isso mesmo que eu merecia ! Tirei essa guria da casa dela, onde tinha tudo na mão, irmãos e pais que a paparicavam... Eu mereço ser corno , mesmo!"

Um dos grandes problemas de Mendoncinha quando ficava bêbado era esse: ficava sentimental. Naquele momento, estava completamente deprimido e furioso consigo mesmo, e bendizia os chifres que ostentava, pois já estava plenamente convencido de que era corno. " É isso mesmo, Mimi. Você pode fazer o que quiser com um merda como eu, que ainda vai ser pouco! Eu sou é isso mesmo! Um Merda!"

Foi até o sofá tateando os móveis pelo caminho, já que estava escuro e ele caminhava de forma vacilante, quase cambaleando. " Isso mesmo Mimizinha, minha florzinha, fofinha, põe chifre no teu homem, põe. Que ele não vale nada. Não devia nem ter nascido! "

Essa última reflexão lhe veio a mente enquanto tentava, em vão, tirar os sapatos. Aquilo estava ficando cada mais difícil e estava lhe dando uma sensação de náusea muito perigosa. Inconscientemente, parou , por receio de vomitar no carpete, e começou a teimar com a última frase . " É isso mesmo. Um traste como eu não deveria nem ter nascido. A Mimizinha merecia um cara melhor. Se eu não existisse, se não tivesse participado da vida dela e a seduzido de forma canalha, ela poderia estar com um marido melhor. Um cara que a escutasse, pombas! Um cara que não pusesse chifre nela a todo momento e com qualquer uma ! Um cara que quisesse ter filhos! Um cara que ..."

- Não se desespere, meu filho!

Mendoncinha ouviu uma voz , que ecoava pela sua cabeça, como se estivesse dentro dela, mas que,ao mesmo tempo, vinha da direção do sofá que ficava na extremidade oposta da sala.

Olhando para lá, viu um senhor grisalho, de terno e gravata,sentado com as pernas cruzadas, que o mirava de forma caridosa.

- Que é isso? Como o senhor se atreve a invadir a minha residência? Vou chamar é muito é a polícia pra tu, rapá!

- Meu filho, sempre estive aqui. Sempre.Observando. Ajudando. Você é que nunca se deu conta disso.

- Bora! Bora! Bora pra fora da minha casa, vagabundo!

- Não é isso o que você realmente deseja, meu filho. Ficastes hoje a invocar uma outra presença, que nunca lhe ouviu como eu sempre fiz. Hoje, percebi que estava pronto para me receber.

- Não estou entendo mais é nada! Nada!

- Permita-me que me apresente, então: meu nome é Satanás, seu criado.

- Mas será o diabo!

- Como queira. Não me importo muito com nomes. Principalmente os mundanos. Nenhum de vocês aqui em cima sabe, mas meu verdadeiro nome foi banido da Terra até o dia do Juizo Final, onde, certamente, eu e Deus sairemos na porrada pra ver quem é que prevalecerá, até o fim dos tempos.

Mendoncinha ficou em silêncio, fitando o espectro, que se autoproclama o príncipe das trevas. Havia um quê de Antônio Fagundes em seu olhar, sempre ponderado e calmo. Suas palavras pareciam irrefletidas, desvairadas até. Mesmo bêbado, percebeu que havia algo errado com aquilo tudo. Estava delirando. Ou já dormia e naquele instante, sonhava.

- Não existe diabo. Nem deus. Nem céu, ou inferno. Não existe nada, a não ser o aqui e o agora. O resto é conversa mole pra enganar os incautos ou os que não querem aceitar a finitude humana.

- Você sempre usa essa frase quando aborda esse assunto. Chega a ser quase um refrão!

- Bem , se você é mesmo o diabo, e está aqui, a essa hora da noite, deve estar querendo a minha alma. Não é isso?

- Sim. A minuta do contrato está bem aqui - disse, tirando do bolso o documento , que estava amarrado em forma de pergaminho com um barbante avermelhado .

- É... ja trouxe o contrato! Mas não é assim , não. Não posso vender a minha alma desse jeito, sem mais nem menos.

- Veja bem, senhor Mendonça, se me permite uma observação, poucos de nossos clientes atuais têm um perfil tão perfeito para esse tipo de empreitada quanto o senhor. Está falido, seu casamento não vai nada bem. Sua esposa, apesar de correta, está tendo um caso fora do casamento Está com dificuldade para pagar de galã, coisa que sempre lhe causou enorme prazer e satisfação ególotra, tanto que nem mesmo a ascensorista gordinha caiu na sua lábia, enfim... é um quadro estarrecedor, para se dizer o mínimo.

- Sim. Sei. E assinando esse contrato, o que vai mudar?

- Não é essa a pergunta mais acertada e sim qual ser...

- Eu pergunto o que eu quiser.

- Sim, eu apenas queria demosntr...

- Pergunto o que eu quero. Estou na minha casa. Na minha casa mando eu.

- Veja, senhor Mend...

- Na minha casa mando eu.

- Posso falar, Mendoncinha?

Mendoncinha anuiu, através de um gesto sonolento com a mão esquerda,afetando benevolência.

- Veja, senhor Mendonça, se o senhor se tornar um de nossos clientes, contará com a maior rede de piranhas cadastradas do universo. E todas elas muito gatas, atraentes e bem sucedidas. Cada vez que esbarrar com uma delas, a piranha em questão pagará um pau muito grande para o senhor, o que lhe deixará sempre muito bem visto por seu círculo de conhecidos, que passarão vê-lo como uma espécie de semi deus da libido humana. E, mais do que isso, mesmo estando pelo menos 15 kilos acima do peso e completamente calvo, passrá a exalar um sex appeal que será irresistível a todas as delicinhas da espécie humana, que tiverem atingido a idade regulamentar de 18 anos. Também haverá um up grade em sua performance sexual, já que o senhor passará a ter uma cota ilimitada de orgasmos por noite, inclusive com a opção de conseguir segurar o gozo por mais de duas horas de estocas furiosas . Sem nenhum tipo de efeito colateral para o seu pinto, nehum tipo de dor para mijar nem nada.

- Sei... - respondeu Mendoncinha, bocejando.

- Também haverá importantes mudanças em seus negócios, experimentando ,a partir da assinatura deste contrato , uma bonança ininterrupta de anos e anos que, em pouco tempo, lhe transformarão em um dos maiores magnatas do planeta, com direito a ser a capa da Forbes e de outras publicações do gênero, bem como de uma conquista certa do Nobel de economia.

- É mesmo ? Rapaz!

- Mas não é só isso. Garantimos que não haverá nenhum tipo de efeito negativo que possa contrabalancear essas alegrias todas, como, por exemplo, o nosso compromisso firmado por escrito de que nenhum tipo de retaliação ou doença atingirão seus pais, amigos ou familiares. E o senhor , tanto quanto eles, gozará de uma vida próspera e segura até uma idade avançada, que não será menos de 90 anos, com tudo registrado em cartório.

- ô loco!

Nesse momento, o diabo calou-se , e parecia um pouco ressentido com a postura blazé de Mendoncinha. Mas, mesmo assim, voltou a carga:

- E então, temos um acordo, senhor?

- O que o inferno ganha, gastando tanto dinheiro e recursos com uma simples alma como a minha?

- Veja, senhor Mendonça, neste mês estamos tendo uma relativa dificuldade de atingir as metas. Tanto isso é verdade que eu mesmo em estou aqui , tentando prospectar novas almas, para demonstrar aos meus demônios trainees como é que se faz a bagaça. Então, resolvi liberar uma verba um pouco maior para esse período, para que possamos fechar a cota estabelecida, que é certamente bastante ambiciosa. E a sua alma é de classificação AV. Esse tipo costuma ser reclamada pelo Edem em caso de ausência de contratos firmados durante a vida, e o tribunal do além costuma acolher esse tipo de reinvindicação em quase 100% dos casos.

- O que vem a ser essa classificação AV?

- Ateu Virtuoso.

Após ouvir mais essa, Mendoncinha resolver encerrar por ali aquela reunião:

- É o seguinte, meu caro... Lúcifer. Minha resposta é não. Vai dar um rolê, vê se me deixa dormir, pô...

- Senhor Mendonça, essa é a grande chanc...

- Pára... você foi a alucinação mais tosca que eu já vi. Não engana ninguém!

- Como assim alucinação? Não me diga que o senhor deseja mais provas materiais da minha existência concreta além deste contrato . Seria extremamente desnecessário quaisquer tipos de truques ou magias baratas. Além do mais , isso soa um tanto quanto vil, até mesmo para os meus padrões morais.

- Eu descobri que o senhor é uma alucinação há um bom tempo. Estava apenas ouvindo para poder pegar no sono e ver até que ponto doentio vai a minha imaginação. Essa fala mesmo de agora, veio do filme "O Exorcista".

Nesse momento, Satanás começou a tamborilar a braço da poltrona com sua longas unhas, como que tentando ver em quê havia errado.

- Houve mais algum momento, mais especificamente, que o senhor percebeu... alguma coisa? - perguntou, ressabiado.

- Quando você disse: " Eu sempre estive do seu lado, observando". Isso é um trecho da fala do Al Pacino naquele filme, o Advogado do Diabo.

Nesse momento, o diabo põe a mão na testa, como que reconhecendo a falha.

- Depois, tentando forçar uma barra para que eu assinasse logo o contrato, reforçando que não haveria nenhum tipo de retaliação" aos meus amigos e meus parentes, coisa que o diabo sempre faz nos filmes, só pra por na bunda do nóia que assina o contrato. Eu sempre pensei que não valeria fazer um pacto desse tipo exatamente por causa disso: o Diabo não é confiável.

Nesse momento, Lúcifer levanta, visivelmente constrangido, e recolocando o contrato no bolso, vai caminhando até a saída.

- Nesse caso eu vou indo, ja que prec... - no caminho,em meio à penumbra, derruba um vaso , esfacelando-o no chão. Me desculpe, não tiv...

- Vaza logo, rapa... Essa é boa... quanto mais eu rezo mais assombração me aparece...

E lá se foi o Diabo, um pouco cabisbaixo, com uma expressão de derrota estampada no rosto.

" Que vá para o Inferno" , pensou Mendoncinha , antes de adormecer. " Se metade do que a Bíblia pregar for verdade, a minha alma já tem dono. E ele não vai precisar pagar nada por ela."

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#2 Mensagem por General » 22 Set 2008, 11:22

Indiscutivelmente um dos melhores textos que já li por aqui.
Sei lá se por que me identifiquei com o negócio, ou o que, o fato é que devo ser um AV também.

Sou fã do Mendoncinha!

Abração

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#3 Mensagem por Peter_North » 22 Set 2008, 12:54

Esse setor de crônicas nunca deixa de me surpreender. Parabéns Fortim, tá genial mesmo.

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#4 Mensagem por Mr hyde » 22 Set 2008, 23:28

=D> Muito bom

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#5 Mensagem por faregiador » 23 Set 2008, 02:57

Muito legal. Parabéns pelo texto, Fortimbrás !

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#6 Mensagem por Maestro Alex » 23 Set 2008, 10:17

muito bom

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Mafarrico
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#7 Mensagem por Mafarrico » 24 Set 2008, 17:02

Excelente! Sempre fico esperando a próxima história do Mendoncinha. Esse cara já faz parte do imaginário putanhístico coletivo. :D

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#8 Mensagem por Fortimbrás » 24 Set 2008, 18:08

Boas, dementes amigos...

O Mendoncinha, negada ... trata-se de um caso perdido.

Agradeço aos senhores pela leitura e mais ainda pelos comentários.

Um abração do Mendoc.. digo, Fortim Surtado.

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#9 Mensagem por househouse » 25 Set 2008, 13:44

Boas
Espectacular...boa leitura...
Parabéns ao autor por tão sugeneris prosa.
abraço

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Mirko
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#10 Mensagem por Mirko » 26 Set 2008, 20:58

Bravo³!!!

Muito bom...

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Lesbos man
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#11 Mensagem por Lesbos man » 02 Fev 2009, 00:52

Sensacional, eu,como suponho muitos colegas putanheiros, me vi pacas no texto. Mendoncinha é nosso herói!

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#12 Mensagem por Fortimbrás » 02 Fev 2009, 10:50

Obrigado pela leitura, Lesbos Man...

O Mendoncinha é um bêbado canalha para alguns, e para outros, mais generosos, um personagem mais comum e bem humorado dentro do universo gepeguiano.

Vida longa ao Mendoncinha!!!!

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#13 Mensagem por General » 02 Fev 2009, 11:07

Pois é, já está na hora dele aparecer novamente com uma de suas histórias.

:D

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