"Eu tenho um sonho!" Assim abriram as manchetes de vários jornais norte-americanos no dia 29 de agosto de 1963, dia seguinte à "Marcha pela Liberdade", organizada pelos líderes negros em prol de que se garantisse, no Congresso, aprovação de legislação federal voltada a estender aos negros os mesmos direitos civis e políticos dos brancos.
"Eu tenho um sonho" era o mote do discurso do pastor Martin Luther King, notavelmente da parte do discurso que ele improvisou após desistir de ler o que escrevera na noite anterior.
Diante da emoção causada pelas suas palavras iniciais à multidão de mais de 100 mil pessoas, em frente ao monumento à Lincoln, o jovem pastor de apenas 34 anos largou a folha de papel no qual estava escrito o discurso ensaiado e partiu para o improviso, dizendo o que lhe vinha ao coração naquele momento:
"Eu tenho um sonho que um dia esta nação se levantará e viverá o verdadeiro significado de sua crença - nós celebraremos estas verdades e elas serão claras para todos, que os homens são criados iguais.
Eu tenho um sonho que um dia nas colinas vermelhas da Geórgia os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos desdentes dos donos de escravos poderão se sentar junto à mesa da fraternidade.
Eu tenho um sonho que um dia, até mesmo no estado de Mississippi, um estado que transpira com o calor da injustiça, que transpira com o calor de opressão, será transformado em um oásis de liberdade e justiça.
Eu tenho um sonho que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver em uma nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter. Eu tenho um sonho hoje!
Eu tenho um sonho que um dia, no Alabama, com seus racistas malignos, com seu governador que tem os lábios gotejando palavras de intervenção e negação; nesse justo dia no Alabama meninos negros e meninas negras poderão unir as mãos com meninos brancos e meninas brancas como irmãs e irmãos. Eu tenho um sonho hoje!
Eu tenho um sonho que um dia todo vale será exaltado, e todas as colinas e montanhas virão abaixo, os lugares ásperos serão aplainados e os lugares tortuosos serão endireitados e a glória do Senhor será revelada e toda a carne estará junta".
Se esse dia ainda não veio, está por vir, porque a primeira pedra dessa obra que o "doutor King" queria tanto ver realizada já foi lançada.
A eleição de Barack Obama como presidente dos Estados Unidos da América não é um fato mísero nem uma questão mesquinha de se escolher o candidato que melhor possa resolver a crise econômica pela qual aquele país passa e arrasta tantos outros consigo.
A eleição de Barack Obama é muito mais que ter-se escolhido o candidato indubitavelmente mais preparado para o posto, tendo se formado em Direito em Harvard e em Ciências Políticas em Columbia, duas das mais prestigiadas universidades do mundo.
A eleição de Barack Obama é muito mais do que a eleição do primeiro presidente negro da história dos EUA, país que há não mais que 40 anos mantinha intacta a legislação segregacionista do século XIX, que excluía o negro de todas as liberdades as quais o povo norte-americano se orgulhava de possuir e denominar "American Way of Life".
A sua eleição como presidente é muito mais do que a vitória de quem teve uma infância humilde e que lutou para galgar postos mais altos na sociedade, sem esquecer os seus assemelhados, no trabalho comunitário de auxílio jurídico aos que não tinham força ou dinheiro para reivindicar seus direitos.
A eleição de Barack Obama é muito mais porque é tudo isso junto!
Foi a vitória de uma metade da nação americana que costumamos não dar a devida importância, mas que é fundamental na sua compreensão.
Sim, porque apartada daquela América prepotente que se auto-proclama "América", em desprezo pelo "resto da América, a América do Norte, a Central e a do Sul", apartada daquela América dos cowboys, dos soldados que invadem os países miseráveis atrás do petróleo sob o manto da farsa de defesa da liberdade, dos WASP ignorantes e devotos da Ku-Klus-Klan, dos imbecis que acreditam que o crédito ilimitado é a solução para o êxito do capitalismo...
Apartada dessa América existe a América do jazz, do blues, do rock'n'roll, do folk, a América da poesia e da prosa, a América do cinema de discussão social (hoje um pouco perdido em meio aos brockbusters), enfim a América que adoro e admiro.
Quem seria eu sem John Coltrane, Miles Davis, Charlie Parker, Dizzie Gillespie, B.B.King, Albert King, Freddie King, John Lee Hooker, Robert Johnson, Muddy Waters, Chuck Berry, Elvis Presley, Little Richard, Brian Wilson, Mama Cash, Jim Morrison, Jimi Hendrix, James Taylor, Bob Dylan, Billy Preston, Marlon Brando, Paul Newman, Marylin Monroe, James Dean, Robert Redford, Robert De Niro, Martin Scorcese, Wood Allen, Brian De Palma, John Ford, John Houston, Nicholas Ray, George Stevens, Montygomery Cliff, John Garfield, Gregory Peck, Richard Dreyfuss, Steven Spielberg, Schultz, Crumb, Jerry Seinfeld, Kramer, Elaine e George Constanza, o gato Garfield, o garoto Kalvin, o Recruta Zero, o viking Hagar, Popeye, Wald Disney, Hanna & Barbera, CSI, House, Two and a half men, Columbo, Baretta e o Casal 20, George Hil Roy, John Cassavetes, Frank Sinatra, James Stewart, William Holden, Warren Beatty, Dustin Hoffmann...
Não, meus amigos, não odeio nem nunca odeiei os americanos... ESSES americanos. Ao contrário, eles contribuíram para o que sou.
Eu diria que Obama simboliza tudo isso e alguém poderia dizer que a vida não se sustenta em símbolos, com o que eu discordaria. A vida é sim sustentada por símbolos, símbolos bons ou ruins. Revisem suas vidas e o que foi a história da humindade e verão que a direção foi dada sempore pelos símbolos.
Eu não espero que Obama resolva todos os problemas da crise econômica americana, nem que solucione o problema da desigualdade social. Não, nada disse.
Obama é apenas um símbolo, um símbolo de que AS COISAS PODEM MUDAR.
Sei que muitos esperavam uma auto-piada a respeito do meu "nick" e o prenome do Obama, mas preferi falar sério, de improviso, ao menos uma vez a vocês para dizer-lhes que estou muito, mas muito feliz.
Roman Barak.