A mais velha das profissões é também uma das mais relevantes para entendermos o mundo contemporâneo, acredita Marcelo Rubens Paiva. O discurso das prostitutas, diz, “lembra o de muitas atividades neoliberais”. Nas ruas, nos prostíbulos de luxo, ou nos cubículos do mundo corporativo, o escritor paulista vê pessoas cujo sonho maior é “conquistar o mercado”. Esses universos se confundem em seu novo romance, “A segunda vez que te conheci” (Objetiva), sobre um jornalista que, demitido, passa a trabalhar como cafetão.
A entrevista é de Miguel Conde e publicada pelo jornal O Globo, 20-12-2008.
Eis a entrevista.
Por que você quis escrever um livro que abordasse o universo da prostituição?
O discurso das garotas lembra o de muitas atividades neoliberais. Elas não gostam do que fazem, mas gostam do dinheiro. Parece um ator de teatro que faz novela por obrigação, um advogado que defende criminosos, ou um escritor que escreve obras fáceis sob encomenda. O sonho de muitas garotas é como o de muitos brasileiros, conquistar o mercado.
A profissão mais antiga no mundo é o espelho do ganancioso, que vende a emoção, seu afeto, para satisfazer os gastos da razão. Não é interessante ver que não é de hoje que vendemos nossa intimidade, para nos darmos bem?
Quanto tempo levou e em que lugares foi feita a pesquisa para escrever a história?
Levei uns seis anos, os amigos sabiam que eu pesquisava, me relatavam experiências, mostravam casas, sites. Uma coisa levou à outra, conheci garotas, fiquei amigo delas e de agenciadores. Não há nada de obscuro neste universo. A prostituição é aceita no Brasil, não é crime. É a ocupação número 5198 segundo classificação do Ministério do Trabalho. O interesse começou quando fiz quatro peças de teatro, “Feliz ano velho”, em 1984, “E aí, comeu?”, em 1999, “Mais-que-imperfeito”, em 2001 e “No retrovisor”, em 2003, todas no Teatro Augusta, da Rua Augusta, ponto tradicional de rostituição e balada. Convivi com as garotas que faziam ponto em frente. Percebi que o perfil mudava com o tempo, fugiam do estereótipo. Algumas entravam para ver as minhas peças, liam meus livros.
Que coisas você descobriu sobre a prostituição em São Paulo? O que mais surpreendeu?
Elas não são prostitutas, mas estão. Precisam pagar contas, e dizem que vão sair dessa. Elas trocam de nome, cabelo, mudam de casa, sites, giram pelo mercado, saem do Brasil, voltam, num frenesi intenso. Às vezes, o celular de uma que larga passa para outra que chega. O mais interessante é que os consumidores também se organizaram, criaram blogs e sites em que trocam informações sobre fulana ou beltrana, especialmente informações técnicas: a performance, o corpo e se vale o investimento. A prostituição parecia estar com os dias contados depois da emancipação feminina, mas ganhou fôlego, exatamente porque sobrou um tipo de homem que quer uma mulher obediente e descartável.
Poderia fazer uma comparação entre a prostituição de luxo e aquela feita nas ruas?
As profissionais de boates se expõem em clubes fechados com roupas leves, fazem strips, dançam e saem com os clientes. Vão geralmente a hotéis próximos. Em algumas boates, elas estão autorizadas a dar em cima. Circulam em tornos dos que chegam. Em outras, devem ficar discretas, à espera da aproximação dos interessados. Hoje, o gênero que mais cresce é o das profissionais online. Meninas com fotos espalhadas em sites especializados. Esperam o telefone to car nos seus flats. Existe uma classe paralela, as de book, em mãos de profissionais discretos que oferecem capas de revista, modelos e atrizes, que não podem se expor. A clientela é seleta e paga de R$ 2 mil a R$ 30 mil por um programa, dependendo da fama da garota. Numa boate, um cara pode passar a noite conversando com uma menina, e não rolar o programa. Uma profissional de rua pode ganhar tanto ou mais que uma de site. Não é depreciação estar na rua, é livre escolha: os clientes são mais rápidos, objetivos, jovens, há mais rotatividade. E ela se diverte.
Você disse também que esse livro é uma obra da maturidade. Em que sentido?
É um livro em que não exponho um mundo idealizado por um jovem, nem é memorialista. É um retrato do dia a dia, bem humorado e cínico, das neuroses urbanas e das relações humanas.
Um dos temas do seu livro é a reinvenção pessoal. Até que ponto ela é possível?
Só olhar para mim. Como é possível que eu acorde todos os dias animado, apesar de tudo por que passei? Talvez porque eu leve a vida como uma brincadeira. Usuário de uma cadeira de rodas motorizada, saio da cama, e o mundo me parece um parque de diversões