Pra ler e lembrar
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Uma memória dos casuísmos (03//11)
Puxando pela memória. A primeira vez em que ouvi falar deste negócio de mudar as regras do mandato presidencial foi em 1977. Naquele ano, no Pacote de Abril, o presidente Ernesto Geisel ampliou de cinco para seis anos o período do sucessor, que viria a ser João Figueiredo. Depois, os seis anos viraram de novo cinco, quando o primeiro presidente da redemocratização, José Sarney, abriu mão de um ano de mandato, pressionado pela turma que batalhava pelo parlamentarismo na Constituinte. Aqui, um registro. No governo Sarney, os mais radicais das diretas-já (de 1984) engajaram-se rapidamente no lobby do parlamentarismo com quatro anos de mandato presidencial. Nem tinha havido ainda a primeira eleição para presidente da República e eles já se empenhavam para esvaziar o significado da consulta popular que se avizinhava, depois de quase três décadas de jejum. Talvez porque não tivessem um candidato competitivo. Na Constituinte, esse pessoal topou até incluir no plebiscito de 1993, que decidiria sobre o regime de governo (parlamentarismo ou presidencialismo), uma segunda pergunta. Recordar é viver. Cinco anos depois da aprovação da Carta, o povo brasileiro seria também consultado sobre uma possível volta da monarquia. Para fazer uma aliança com os monarquistas, aceitaram isso. Contando assim parece bizarro, mas aconteceu. E com ares de respeitabilidade. Só que não deu certo. A História do Brasil registra que em 1993 os parlamentaristas e monarquistas foram derrotados no plebiscito, foram vencidos pelo presidencialismo e pela República. Mesmo depois da crise que levou ao impeachment de Fernando Collor, o eleitor brasileiro decidiu ali que preferia ele mesmo escolher o chefe de governo, em vez de deixar a escolha para os senhores parlamentares. Aliás, a revisão constitucional de 1993 foi um fracasso. A única decisão importante foi reduzir o mandato presidencial de cinco para quatro anos. O motivo era um só: diante do então favoritismo de Luiz Inácio Lula da Silva, tornava-se conveniente amputar um ano do presidente que seria eleito no ano seguinte. E quem vocês acham que operou essa amputação? A mesma turma derrotada no plebiscito. Que (só para não perder o fio da meada) era a mesma galera que infernizara a vida de Sarney para cortar fora dois anos de seu mandato (conseguiram comer um). Só que daí vieram o Plano Real e a eleição de Fernando Henrique Cardoso. E quatro anos sem reeleiçào passou a ser pouco para os políticos que por duas vezes haviam trabalhado febrilmente para encurtar o mandato presidencial. Claro, pois agora eles estavam no governo. Infelizmente, não dava para ampliar o mandato de FHC, por flagrante inconstitucionalidade. Aprovou-se então a reeleição. E FHC conseguiu um segundo mandato em 1998. Só que em 2002 deu Lula. E a reeleição aprovada sob medida para FHC acabou beneficiando o petista em 2006. O mesmo Lula em torno de quem acontecem movimentos para permitir ao presidente disputar de novo em 2010, depois de dois períodos no Planalto. Diante do risco, erguem-se agora vozes para nos advertir sobre a inconveniência de ficar mudando toda hora as regras do jogo. Por coincidência, são as vozes de quem mais trabalhou para mudar a toda hora essas regras nas últimas duas décadas -quando lhes foi conveniente. Eu também acho que mudar as regras a torto e direito é ruim. Nos Estados Unidos, por exemplo, a última mudança importante aconteceu meio século atrás, quando o exercício da presidência foi limitado a dois quadriênios consecutivos. É que os republicanos estavam cansados de apanhar do democrata Franklin Delano Roosevelt, que obtivera quatro mandatos presidenciais em seguida. E ainda bem que ele os obteve, pois sua liderança entre 1941 e 1945 (ano em que morreu) foi fundamental para manter coesa até o fim a aliança com Winston Churchill e Josef Stalin, aliança que derrotou Adolf Hitler. Se não me engano, a palavra "casuísmo", que dá o título a este post, foi introduzida por críticos do Pacote de Abril de Ernesto Geisel. Entre esses críticos, políticos que depois se tornaram eles próprios alegres adeptos de todo tipo de casuísmo. Prática que agora criticam nos adversários. Por essas e outras é que é bom haver quem, de vez em quando, escreva um post para remover as teias de aranha. De uma História que alguns gostariam de ver esquecida.
or Alon Feuerwerker em 3 de Novembro de 2007