O valor de uma amizade verdadeira - Autor: Velho Rabugento

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O valor de uma amizade verdadeira - Autor: Velho Rabugento

#1 Mensagem por General » 27 Abr 2008, 23:37

O valor de uma amizade verdadeira

(Dedicado à memória do saudoso Bar da Lingüiça)

Astolfo estava vivendo um inferno nos últimos meses. Eu bem que tentava, de todas as formas, saber do que se tratava pra ajudá-lo, porém, o rapaz me dizia que não poderia, em hipótese alguma, falar sobre seu pecado, tão grande que era. Tanto insisti que ele contou que estava saindo com uma puta. Por isso sua alma ia mergulhada em tristeza. Pedi, então, que ele me desse o contato da puta. Como bom amigo que era, eu queria que ele transferisse a tristeza para mim. No entanto, ele jamais poderia permitir que um amigo tão querido fosse condenado às potestades das trevas pela luxúria.
- E eu lá to preocupado com céu ou inferno, porra? O que quero é phoder, com PH maiúsculo. Anda logo com o celular dessa puta.
- Velho, meu amigo, sei que você já tem anos de depravação demais e que desse jeito vai, sem a menor dúvida, para o inferno. Se eu desgracei a minha vida, não quero que você desgrace mais ainda a sua. Se estou cometendo esse pecado gravíssimo todas as quartas à noite, quero, em contrapartida, salvar a sua alma.
A conversa ficava, sempre, nesse impasse. Depois de pouco mais de uma hora e de alguns cafezinhos e cigarros, eu mandava Astolfo para a puta que o pariu e ia me esbaldar no Bar da Lingüiça. Entre uma cerveja e outra e o inigualável lanche de lingüiça caseira que o Eugênio, o chapeiro mais artista do mundo, fazia, eu contava o caso do rapaz “pecador” ao gênio dos frios e pães tostando na chapa, esperando as putas baratas se aboletarem no balcão no fim de expediente delas, ali pelas quatro da manhã. Em quase todas as ocasiões eu descolava um programa barato no quarto do Eugênio, que ficava nos fundos do buteco. Depois de anos morando com papai e mamãe e tendo o saco torrado, Eugênio resolvera morar no trabalho. Largou o Sabor e Requinte, na Andrade Neves, a padaria no Cambuí e se transferiu para o Lingüiça, juntamente com sua arte nas chapas engorduradas e com o inseparável retrato emoldurado de Charlie Parker, pendendo da parede à direita da chapa. Quando o dono quis vender o bar, Eugênio juntou todas suas economias, fez um financiamento no banco e comprou o estabelecimento. De espírito prático, ele me dizia, cortado pelo som do vibrafone de Milt Jackson, devidamente acompanhado do Modern Jazz Quartet, que saía do cd player no lado de dentro do balcão:
- Vai por mim, velho. Ou esse seu amigo é muito do otário ou muito do esperto, isso sim. Porra, quem é que não quer uma puta do jeito que ele diz que a perva é? Sarada, morena, sem barriga, coxas grossas, bunda e seios médios e com um irresistível sotaque gaúcho. Imagine a mulher sussurrando no seu ouvido... pedindo porra na boca e o caralho a quatro... ele quer é a nêga só pra ele.
- E você acha que eu não imagino todo dia? Nesta minha mente depravada ando até batendo punheta pruma puta que eu nunca vi mais gorda. E o viado do Astolfo sem querer me dar o telefone.
- Como é mesmo o nome dela?
- Maria Eduarda.
- Vou pesquisar pra você. Sabe... eu tenho meus contatos.
Nosso colóquio era interrompido assim que as putas baratas retornavam de seus expedientes na Vila Industrial e no Viaduto Cury. Catarina, uma ruiva gostosíssima, já tinha se tornado uma de minhas eleitas. Era só a menina chegar que a chave do quarto do Eugênio aparecia, num passe de mágica, em minhas mãos, confirmando os múltiplos talentos do meu companheiro.
Naquela noite, entretanto, eu meti sem o mesmo envolvimento. Catarina até estranhou eu não estar o mesmo velho babão e tarado de sempre. Paguei e a priminha voltou ao bar, esperando pela porção de rosbife frio e provolone que Eugênio sempre servia às putas. A verdade era que a história de Astolfo e da puta gaúcha me intrigava.E começou a me intrigar mais ainda quando o moço me comunicou, dias depois, que arranjara uma noiva.
- Eu nem sabia ...
- Aí é que tá velho. Sempre que eu corro pra seu apartamento é depois de ver a Maria Eduarda. Eu e você somos amigos há tempos, você é do meu peito né?
- Claro, mas o que isso tem a ver com seu casamento e com a Maria Eduarda?
- Ah, velho, uma desgraça. Eu sou religioso, católico, vou à missa...
- Isso até demais. Uma chatice quando você vem com esse papo.
- Minha noiva é do grupo de orações. Regina, o nome dela... pequena, delicada, meiga, carinhosa, fala baixo, um bibelô, uma santa. Filha única, lava, passa, cozinha. Ah, a mulher que eu pedi a Deus. Mas sou um desgraçado.
- Por quê?
- Melhor eu pra casa fazer vigília de orações. O pecado tá tomando conta de mim.
- Que você não queira mais pecar eu entendo. Mas deixa pelo menos eu pecar com sua Maria...
- Nem pensar. Que o inferno leve só a mim. Nunca meus amigos.
Disse isso e saiu, transtornado. Essa mania de falar tudo pela metade e de fazer mistério me torrava o saco. Dois anos que nos conhecíamos e eu nunca sabia toda a verdade a seu respeito.
Passaram-se mais alguns dias. Eu continuei na minha rotina. Astolfo, por sua vez, marcou a data de seu casamento. Estava, palavras textuais, querendo se livrar de todo o ranço de pecado. Se confessava todas as semanas, fazia penitência, vigília de orações. Havia se tornado mais chato e careta ainda. Num desses seus delírios de beata mal comida, me arrastou para a igreja e me apresentou ao padre, um homenzinho careca, de seus quarenta e poucos anos, que me instou a comparecer à missa todos os domingos. Nesse ritmo acabei conhecendo até a noiva de Eugênio. Bonitinha até, mas de uma sem-graceza de dar sono.
Num domingo à noite, rolando na cama, resolvi ir tomar uma coisinha no Lingüiça e rever meu amigo Eugênio.
- Novidades pra você, meu caro velho. - disse ele tão logo eu entrei. – Arranjei o telefone da tal de Maria Eduarda. Ela atende num apartamento na Sacramento, quase chegando na Barão de Itapura.
- Como conseguiu, se eu procuro, de cabo a rabo, no jornal, e nunca vi nada.
- Olha, de uns tempos pra cá inventaram o computador, sabia... Encontrei um fórum dedicado a relatar encontros com as putas. Me cadastrei e tasquei o nome da prima na pesquisa. Não deu outra. Ela tem uma página cheia. Também tem fotos.
- Mas como você pode saber que é ela mesmo?
- Por causa da descrição que você passou. E do sotaque gaúcho. Tá desconfiando de mim é?
Não, eu não estava Tanto que peguei o número e resolvi agendar um programa pra segunda, logo depois do almoço. Qual não foi minha surpresa ao sair do elevador no quarto andar e dar de cara com o padre que Astolfo tinha me apresentado.
Toquei a campainha e a gauchinha veio atender. Não era aquela lindeza toda, mas o sotaque deixava qualquer um de pau duro. Isso somado ao que a puta sabia fazer entre quatro paredes era mesmo de deixar qualquer um maluco. Chupava uma pica como ninguém, dava o cu, deixava gozar na boca. Saí de lá virado do avesso. Mas tanto quanto a phoda em si, me apaixonei pelo espírito alegre da garota. Assuntei e ela me contou uma porção de coisas sobre sua profissão. O padre, por exemplo, ia visitá-la, religiosamente, toda segunda. E toda quarta via um carinha religioso que ficava pedindo perdão ao céus toda vez que gozava na boca dela, urrando de prazer.
- Deve ser um tal que arrumou uma noiva santinha, quase freira, certo? – perguntei.
- Ele mesmo. Como tu sabe?
- Tenho contatos.
- O guri sempre vem com essa história. É rato de igreja, não larga a igreja por nada. Essa já deve ser a terceira namorada beata que ele arruma. Só que não consegue ficar longe de mim. Só de beijar suas noivinhas e ver que elas não fazem com a língua nem um terço do que eu faço ele desanima. Gosta mesmo é de sacanagem, mas sai daqui todo arrependidinho depois que goza, prometendo ser a última vez. Sempre volta. Chega a ser bonitinho ele falando “Pai, me perdoe, pois não sei o que faço”. Irônica esta vida não?
Irônica mesmo, refleti. E agradeci. Como boa alma que era, Astolfo preferia abraçar o inferno sozinho a deixar um companheiro tão querido como eu se machucar. No entanto, quem disse que eu abandono um amigo, esteja ele onde estiver?

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#2 Mensagem por Fortimbrás » 28 Abr 2008, 22:19

Muito boa, velhinho.

Um pouco triste .

Sereno, me manda logo esse lítio, cara....

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#3 Mensagem por Mr hyde » 28 Abr 2008, 23:00

Amigo é pra essas coisas...
mas afinal ele casou???

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#4 Mensagem por General » 09 Mai 2008, 09:46

Foi uma pena o Astolfo não ter conseguido conhecer a Sacristia do GPGuia.

:D

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